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quinta-feira, 2 de abril de 2015

Projeto da UnB que debate racismo e cotas ganha mil seguidores na web

Aluna produziu série de fotografias para disciplina de antropologia visual.
Ela tirou fotos de negros no campus citando as frases racistas mais ouvidas.

Por Ana Carolina Moreno,
Projeto da UnB que debate racismo e cotas ganha mil seguidores na web. Aluna produziu série de fotografias para disciplina de antropologia visual. Ela tirou fotos de negros no campus citando as frases racistas mais ouvidas.

Daniella Leite foi uma das dezenas de participantes do projeto idealizado por Lorena Monique dos Santos 
(Foto: Divulgação/Lorena Monique dos Santos)

O projeto de uma estudante da Universidade de Brasília (UnB) para instigar o debate sobre racismo na universidade ganhou pelo menos mil seguidores na internet, dez dias após seu lançamento. Batizado de "Ah, branco, dá um tempo", o site publica fotos tiradas com estudantes negros e negras da UnB, que mostram as frases racistas que eles ouvem com mais frequência. Lançado na internet no dia 19 de março, o blog já tinha cerca de mil seguidores na noite de domingo (29), segundo a autora do projeto, Lorena Monique dos Santos.

Segundo a jovem, que tem 21 anos e atualmente está no quinto semestre do curso de ciências sociais, o objetivo do projeto é é demonstrar que o racismo no Brasil é algo sutil. "Apesar de o racismo ser racismo em qualquer lugar, ele se expressa de diferentes formas de acordo com cada realidade. No Brasil, existe o lance da cordialidade, da democracia racial que são formas de esconder as práticas racistas e tentar fazer com que as pessoas negras sejam excluídas no acesso aos direitos e a determinadas posições sociais", disse ela aoG1.

"A ideia é demonstrar para as pessoas não-negras que o racismo se esconde em palavras e atos sutis. Apesar de que em algumas fotos a gente pode perceber que ele não é tão sutil assim", explicou ela.

Até a noite desta segunda-feira (30), o site tinha mais de 60 imagens. Registradas em diversos pontos do campus da UnB, elas mostram estudantes segurando uma lousa branca, sempre com frases escolhidas por eles.

Preconceito dentro e fora da faculdade
Daniella Leite, estudante de história da UnB, diz que sofreu com a frase que negava sua condição de negra desde criança, dentro da própria família. "Entrei por cotas e ouvi novamente essa frase. Uma amiga me disse isso quando prestei vestibular. Ela acha que só optei pelas cotas por ser mais facil", afirmou ela ela ao G1.

Estefany Alves, de 23 anos, é estudante de geologia na UnB, e também participou do projeto. Ela foi fotografada no campus da instituição segurando a lousa com a frase "você tem sorte em ser negra, nem precisa, nem precisa estudar para passar no vestibular".

"Escolhi essa frase porque ela é bastante corriqueira no meio da universidade, ainda mais aqui na UnB, onde o sistema de cotas é aceito", explicou.

Outro participante do projeto é Matheus Henrique Ramos, estudante de matemática, que escolheu uma frase relacionada ao seu cabelo agora. "É uma pergunta recorrente que me fazem. Associam o cabelo black power sempre a falta de higiene, de cuidados, desleixo, sem ao menos buscar saber o quão trabalhoso é manter o cabelo assim. Mal sabem quanto cuidado se deve ter", diz ele, que acredita que as pessoas têm um "pré-conceito formado sobre o cabelo crespo fora do padrão imposto, o curto".

A UnB foi a primeira universidade federal a ter cotas raciais; estudantes cotistas, como Estefany Alves, dizem que sofrem e preconceito por causa disso (Foto: Divulgação/Lorena Monique dos Santos)

Inspiração em Harvard

Lorena, a idealizadora do blog, explica que a ideia do blog surgiu em 2014 a partir de vídeos que ela já produzia e publicada no YouTube, e um projeto semelhante feito por estudantes da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, que também debate a inclusão e a diversidade no campus. Na mesma época, ela fazia uma disciplina sobre antropologia visual e decidiu botar o projeto em prática como trabalho final da disciplina.

As fotos foram tiradas em novembro, durante a Semana da Consciência Negra.

"Entreguei o quadro e o pincel para que as pessoas escrevessem suas frases. Para ajudá-las fiz uma lista com cerca de 20 frases semelhantes às frases do projeto de Harvard. Algumas pessoas utilizaram as frases da lista, mas a grande maioria escreveu frases próprias", lembra ela.

A maior parte das frases diz respeito a preconceitos ouvidos na universidade, de que estudantes cotistas não precisam estudar para passar no vestibular. Há, porém, frases relativas à cor da pele, traços faciais e tipo de cabelo de cada estudante. "Seus traços são finos e a sua pele nem é muito escura", "que beleza exótica você tem", "que cabelo diferente, posso tocar?" são algumas das frases que integram o projeto.

"Agora estou organizando um vídeo no formato de mini-doc para apresentar uma discussão sobre o assunto", diz Lorena.

Matheus Henrique Ramos, estudante da UnB, também se deixou fotografar para o projeto
(Foto: Divulgação/Lorena Monique dos Santos)

UnB reduziu cota racial em 2014

A Universidade de Brasília é pioneira nas políticas de ações afirmativas no Brasil. A UnB adotou o sistema de cotas raciais em 2003, após um caso de discriminação na pós-graduação ganhar notoriedade. O primeiro vestibular com reserva de 20% das vagas para estudantes negros foi realizado em junho de 2004. Na ocasião ficou decidido que o sistema seria rediscutido em 10 anos.

"A discriminação sempre existiu. A diferença é que antes das cotas não se falava sobre o assunto e as pessoas negras estavam fora das universidades. Hoje em dia, existe um número considerável de pessoas negras nas universidades e algumas dessas pessoas tenta estabelecer uma discussão franca e aberta sobre o assunto", explicou a estudante.

Em abril de 2004, a UnB decidiu reduzir para 5% a reserva de vagas para negros. Entre os argumentos está o fato de que a lei federal de cotas, que prevê 50% das vagas guardadas para estudantes oriundos da rede público, aumentaria essa porcentagem de 5%.

Mesmo com a experiência de cotas na UnB durar mais de dez anos, Lorena diz que o debate ainda precisa ser mais incentivado. "Ainda existe muita resistência. Sempre que se tenta falar sobre o assunto, a primeira reação é afirmar que as pessoas negras são 'vitimistas'", disse.

Ela afirma que a repercussão de seu projeto tem sido positivo, mesmo que haja discordâncias quanto ao formato e ao nome escolhido. "Algumas pessoas concordam, outras discordam, mas que se discuta o assunto! O silêncio é algo aterrador. Escutar essas frases e ficar imaginando que isso é coisa da sua cabeça é enlouquecedor."

Fonte: G1.

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