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quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Raízes do Samba: Qual foi a importância histórica das mulheres negras no samba?

O samba é o ritmo símbolo de resistência da cultura negra. E as mulheres negras foram essenciais para que ele pudesse seguir existindo no período pós-escravidão. Se não fosse por elas, o samba não existiria hoje.
 
 

A origem do samba no Brasil é incerta. Mas todas as possíveis explicações apontam que as raízes do gênero estão na África e foram trazidas pelos negros escravos no período colonial brasileiro.

No entanto, pouco tempo após seu surgimento, o ritmo esteve ameaçado de extinção. Não muito depois da abolição da escravatura, foi sancionada a Lei da Vadiagem (1941), que considerava ociosidade como crime e permitia a prisão de pessoas que andassem nas ruas sem documentos.

Isso afetava diretamente os homens negros que estavam desempregados, muitas vezes sem teto e sem nenhuma possibilidade de serem contratados devido ao forte preconceito racial da época.

“O período pós-abolicionista marcou a forte perseguição de quaisquer sonoridades, sotaques, danças e religiosidades afro-brasileiras, que visavam manter tradições que a sociedade brasileira queria tanto apagar. Nesse contexto, a importância das mulheres negras foi fundamental, porque além de manterem economicamente suas famílias -- já que continuaram a trabalhar como empregadas domésticas nas casas grandes --, foram essenciais para a resistência do samba. No Rio de Janeiro, a Tia Ciata, que hoje seria o que é comumente conhecido como mãe de santo, se destaca como memória coletiva. Na sua casa acontecia o samba que era proibido, onde nomes como Pixinguinha, Sinhô e tantos outros se conheceram e puderam compor.”

Kelly Adriano de Oliveira, doutora em ciências sociais pela Unicamp, afirma que tanto as mulheres quanto a religiosidade afro-brasileira tiveram um grande papel para que o samba conseguisse resistir, porque era dentro dos terreiros das casas das tias baianas -- cujo símbolo ficou marcado em Tia Ciata --, no espaço privado e escondido, que o samba podia acontecer.

Não à toa, a valorização da ala das baianas nas escolas de samba é uma forma de homenagear não apenas Tia Ciata, mas a memória de todas as tias baianas do samba.

Mulheres pioneiras na história do samba

A antropóloga conta que apenas depois da década de 30 o samba passou a ser aceito como cultura popular, reforçado por Getúlio Vargas “com o movimento de valorização do que era brasileiro, o que faz o Brasil o Brasil, e a tentativa de incorporar uma falsa democracia racial, de um país que supostamente aceita sua negritude e suas raízes”.

“Assim que saiu do privado onde se mantinha como resistência e foi para o âmbito público como símbolo nacional, as mulheres passaram a ter menos participação nesse processo, por causa de todo aparato machista da época, em que rua não era lugar de mulher, dentro outras questões... Daí começa a predominância masculina nos espaços de samba”

Um marco feminino dentro na história do samba, em meio toda essa imensa dificuldade, é a Madrinha Eunice, uma mulher cuja memória de luta é imensurável. “Ela foi a primeira mulher a presidir uma escola de samba, a Lavapés de São Paulo, que surgiu na verdade mais como um cordão carnavalesco”, contextualiza Kelly.
Porém, só mesmo depois da década de 60 que mulheres puderam ter alguma visibilidade dentro do espectro musical do samba e aí começam a surgir nomes vindos do Rio de Janeiro, como Clementina de Jesus e Dona Ivone Lara – a segunda que é, na opinião de Kelly, o principal símbolo desse contexto. 
 


Dona Ivone Lara se apresenta

“Ela foi a primeira mulher a participar da ala de compositores de uma escola de samba, a Império Serrano, no Rio de Janeiro, ao final de 1960. Sua importância extrapola os 'locais de samba', e ela alcança respeito enquanto compositora e instrumentista na chamada MPB.”

O papel das intérpretes para a difusão e popularização do samba, principalmente Clara Nunes -- com pele clara, mas ascendência negra --, Alcione, Leci Brandão e Beth Carvalho, que amadrinhou muitos sambistas, também foi essencial para a cultura musical brasileira.

Cenário atual do samba para as mulheres

O samba continua sendo hoje um gênero musical no qual há a predominância de homens, tanto dentro da indústria, como nos espaços onde ele é tocado popularmente.

“A abertura do samba para a participação das mulheres, principalmente negras, continua difícil e, embora sempre haja nomes em destaque, como Mariene de Castro, Fabiana Cozza e Teresa Cristina, ainda temos muito pouco”, lamenta Kelly.

Como forma de seguir resistindo – e existindo – nesse cenário, algumas sambistas independentes vêm se organizando em grupos e rodas de samba só para mulheres. O grupo paulista Sambadas é um exemplo disso.

“Não é preciso conhecer tudo de samba pra saber que à sombra de sua 'amistosidade' se escondem muitos conflitos. O preconceito de gênero é um deles. Mesmo protagonizando a história dessa manifestação popular, muitas cantoras, compositoras, líderes de escola de samba etc , foram, e são, caladas”, afirma Carolina Nascimento, compositora e violonista do grupo.

Carol, que mora no Jardim Icaraí em São Paulo, região do Grajaú, tem 25 anos e conta que o Sambadas começou a se organizar em março de 2015 e desde então as oito mulheres que compõem o grupo se reúnem semanalmente para conversar, ensaiar e fazer samba. “Ainda não temos local fixo de apresentação, os eventos e as respectivas informações são publicadas em nossa página do Facebook”, conta.
 
 


Grupo Sambadas se reúne toda semana


Ao ser questionada sobre a importância do samba para a mulher negra e a sua representatividade dentro do gênero, Carolina Nascimento reforça o machismo e racismo ainda muito vivos na nossa sociedade.

Ela afirma já ter tocado em diversas rodas onde a presença de homens era majoritária, e, por isso, pôde presenciar o desprezo com o qual a mulher é tratada nesses espaços ― seja na letra da música, na ausência de mulheres tocando ou no tratamento despendido àquelas que ousam tocar, cantar ou compor.

“Levantar a questão racial torna essa discussão ainda mais necessária. A mesma iniciativa midiática que pretendeu colocar no esquecimento os sambistas negros da cidade de São Paulo ― Geraldo Filme, Madrinha Eunice, Zeca da Casa Verde, Talismã, Toniquinho Batuqueiro, entre outros ― evidenciando figuras que condiziam com o perfil de paulistano “de bem”, vende hoje uma ideia de mulher do samba que não representa a mim, minhas amigas e familiares. A nossa sorte, e também azar deles, é que quando se fala em resistência não há exemplo de mais força do que a luta do povo negro, sobretudo das mulheres.”

Outra integrante do grupo, Kelly Buarque de Hollanda, de 38 anos, moradora de Osasco, que toca cavaquinho e canta no Sambadas, também contou que uma das maiores dificuldades enquanto mulher sambista é o preconceito machista ao tocar em rodas de sambas masculinas:


“Quando chegava em rodas de samba com homens, senti muita hostilidade por parte deles. Não gostavam da minha presença, não era bem recebida, me olhavam feio e recusavam-se a aceitar meu dom. Demorou muito tempo para que eu fosse respeitada nesse meio. E só depois que percebi que esse incômodo era fruto de puro machismo, porque eu tocava melhor que eles e porque lugar de mulher dentro do samba não é tocando, mas sambando, né?!”
Durante toda nossa conversa, ficou perceptível como o histórico de resistência do samba para a cultura negra sobrevive fortemente dentro da força dessas sambistas mulheres e negras.

“Os negros fizeram do samba uma forma de contar suas histórias, questionar a realidade, amenizar as dores e festejar as alegrias, e o fizeram contrariando interesses de uma elite poderosa. O verdadeiro samba, aquele que valoriza a tradição e não a moeda, sempre foi resistência”, afirma Carol.

O que falta – e muito – na visão de ambas, porém, é a representação da mulher negra na indústria musical e na mídia. Para finalizar Carol lamenta: “Enquanto a nossa visibilidade não for meio de enriquecer os mais ricos, continuaremos nos deparando com globelezas e outros padrões que com certeza não são os nossos”.
 
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Ana Júlia Gennari  
  Journalist, writer, fellow at HuffPost Brazil 
 

IBGE: Brasil bate recorde com 38 milhões de trabalhadores na informalidade

 
Entregadores: informalidade só cresce no Brasil

O trabalho informal, segundo o IBGE, tem contribuído para diminuir o desemprego, mas afeta a arrecadação previdenciária no País
Dados divulgados pelo IBGE nesta quinta-feira 31 mostram que o desemprego ainda atinge 12,5 milhões de pessoas. A taxa é de 11,8% no trimestre encerrado em setembro. Há um recuo de 100 mil no número de desempregados em comparação com o mês de agosto, quando 12,6 milhões de trabalhadores estavam sem emprego. Apesar dos sinais de recuperação do mercado de trabalho, os dados mostram que o aumento da população ocupada tem sido puxado sobretudo pelo avanço da informalidade, que atingiu nível recorde, atingindo 41,4% da população ocupada, ou 38,8 milhões de brasileiros.

A categoria por conta própria chegou a 24,3 milhões de pessoas no trimestre encerrado em agosto, o que representa uma alta de 4,7% (mais 1,1 milhão de pessoas) em relação ao mesmo período de 2018. O número de empregados sem carteira de trabalho assinada atingiu o recorde de 11,8 milhões de pessoas, o que representa um crescimento anual de 5,9% (mais 661 mil pessoas). Já o número de trabalhadores com carteira assinada ficou em 33,0 milhões o que, segundo o IBGE, representa uma estabilidade tanto na comparação com o mesmo período do ano passado como em relação ao trimestre anterior.

A informalidade, segundo o IBGE, tem contribuído para diminuir o desemprego, mas afeta a arrecadação previdenciária no país. De acordo com os dados da pesquisa, 62,4% dos ocupados contribuem para a Previdência Social, percentual que está em queda desde 2017, quando era de 65,3%.

A taxa de subutilização da força de trabalho ficou em 24,3%, o que representa uma queda de 0,7 p.p. em relação ao trimestre móvel anterior (25%) e estabilidade na comparação anual. Isso significa que ainda falta trabalho atualmente para 27,8 milhões de brasileiros, ante um contingente de 27,4 milhões no mesmo período do ano passado.

Segundo o IBGE, o país ainda tem um total de 4,7 milhões de desalentados (aqueles que desistiram de procurar emprego), o que representa uma queda de 3,9% (menos 193 mil pessoas) em relação ao trimestre móvel e estabilidade na comparação anual.

Já o número de subocupados ficou em 7,2 milhões. O número de pessoas trabalhando menos horas do que gostariam permaneceu estável em relação ao trimestre anterior, mas cresceu 8,5% (ou mais 568 mil pessoas) em relação ao mesmo trimestre de 2018.
 
Fonte: cartacapital

Feijoada & Samba do Ilê Axé T'ojú Labá


Opa que chegou aqueeeele momento tão esperado mais uma vez:
A famosa e tradicional Feijoada e Samba do Ilê Axé T'ojú Labá!

Sábado, (26/10), a partir das 12h30, vamos se encontrar mais uma vez! Nesta edição a gente vai botar o caldeirão pra ferver no Outro Calaf! Pertinho da rodoviária, no coração de Brasília pra todo mundo poder colar!
Como não poderia deixar de ser, além daquela feijoada maravilhosa a gente vai dançar e cantar muito com:

Filhos de Dona Maria + Afoxé Ogum Pá + Chinelo de Couro + Nego Regis e Banda Nauê

Pra quem já conhece nosso evento SÓ VEM! E pra quem tá chegando agora... Sejam muito bem vindos!
Nossa feijoada acontece desde 2010 e tem a honra de trazer o nome do Ilê Axé T'ojú Labá e de mostrar um pouco da cultura dos terreiros pra toda Brasília!

A presença de vocês é mais do que essencial! A arrecadação do evento é destinada para a manutenção do projeto ABC Musical, que é realizado em nosso terreiro e atende crianças e adolescentes do Jardim ABC/GO, além disso, nos ajuda com as benfeitorias necessárias para o funcionamento da nossa casa de axé! Para conhecer mais sobre o projeto ABC Musical e o que rola no T'ojú Labá, nos acompanhe nossa página do Facebook. :)

Cheguem cedo, pois temos muito o que sambar e nossa feijoada será servida das 13h até as 16h.
-Como sempre, teremos a opção vegana também!

Serviço:
Feijoada & Samba do Ilê Axé T'ojú Labá com Filhos de Dona Maria, Chinelo de Couro e Afoxé Ogum Pá
Data: 26/10/2019
Horário: 12h30 às 20h
Local: Outro Calaf (Setor Bancário Sul 02 Q 5, 6 - Asa Sul, DF)

Ingressos:
Maíra - 99612-7637
Janaína - (61) 98287-2720
Daniela - (61) 98179-9316
Mariana - (61) 99150-5732

Ou pelo Sympla:
https://www.sympla.com.br/feijoada-e-samba-do-ile-axe-toju-laba__661663

Com feijoada: R$ 30 antecipado / R$ 40 na hora
Sem Feijoada: R$ 15 antecipado / R$ 20 na hora.
(crianças até 08 anos não pagam)

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

O Encontro de Grafite 2019 (02 e 03/11)


Ressignificar pela arte, ser via de cultura, ser fator de mudança, gerar vínculo, afetar constantemente, espalhar cuidado.

O Encontro de Grafite 2019 reunirá mais de 60 grafiteiros pra registar suas artes nas paredes do Buraco do Rato no Setor Comercial Sul.

No dia 02 e 03 de novembro, as pinturas acontecerão de fato. Dia 16 de novembro, rola a inauguração do Buraco do Rato com uma festa LINDONA: Afete-se. Tudo de graça, viu?!
#SCSVive

#NoSetor #SetorComercialSul #EncontroDeGrafite2019 #SCS #AfeteSe

Quem mandou matar Marielle? | ato na Rodoviária/DF


Quem estava na CASA 58 e teria autorizado a entrada de um dos suspeitos de envolvimento no assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes?

Amanhã e sexta haverá atos em todo o Brasil exigindo justiça pela memória de Marielle e Anderson, e aqui no DF a manifestação está marcada para 16h58 na Rodoviária do Plano. A concentração será na frente da entrada do metrô.

São 19 meses. 595 dias sem respostas. Mais do que nunca queremos saber: quem mandou matar e por quê?

#JustiçaPorMarille #MarielleVive #QuemEstavaNaCasa58

⬇ Contamos com sua presença ⬇
dia 31.10, quinta-feira
às 16h58
na Rodoviária

Novembro Negro na CLDF: Roda de Candomblé


Nosso novembro negro vem aí!

Para darmos inicio às atividades deste mês tão essencial, vamos realizar uma grande Roda de Candomblé e ocupar a Câmara Legislativa numa celebração de representatividade e resistência. Venha defender a tolerância, a diversidade e um Estado laico que respeite as diferenças.

A Casa que se diz do povo deve ser plural e se comprometer com a efetivação de políticas públicas que enfrentem o racismo religioso. A defesa da igualdade racial e o enfrentamento ao racismo no Distrito Federal são pautas urgentes e essenciais. O nosso dever é lutar e resistir! Contamos com sua presença!

⬇ Se liga: ⬇
dia 01.11, sexta-feira, às 17h
na Praça do Servidor – Térreo Inferior da Câmara Legislativa do DF

terça-feira, 29 de outubro de 2019

DF é a quinta unidade da federação com maior taxa de feminicídios



De janeiro a agosto, a cada quatro dias, uma mulher do Distrito Federal sofreu uma tentativa de feminicídio 
Mulheres de diversos movimentos sociais se reuniram ontem em frente ao Museu Nacional para discutir o feminicídio: "Parem de nos matar" (foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press) O quadro da violência contra mulheres apresenta uma realidade alarmante na capital do país. O Distrito Federal assumiu posição preocupante em relação à violência contra elas. Em 2018, subiu para 5º lugar entre as unidades da Federação com a maior taxa de feminicídios por grupo 100 mil mulheres, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública deste ano. Em 2017, o DF estava em 10º lugar no levantamento. O índice revela crescimento de 52,3% nesse intervalo de tempo (leia Ranking).

De janeiro a agosto, a cada quatro dias, uma pessoa do sexo feminino do Distrito Federal sofreu uma tentativa de feminicídio. Arma branca ou de fogo, agressão física e atropelamento foram os meios usados pelos agressores de 62 vítimas. O total do período se aproxima do resultado registrado entre janeiro e dezembro de 2017 e 2018. Em cada um desses anos, o número de casos chegou a 64 — média de uma ocorrência a cada cinco dias.

Na maioria dos registros de 2019 (74%), o crime aconteceu dentro de casa, sendo que 58 dos agressores (92%) tinham ou tiveram relacionamento amoroso com as vítimas (leia Realidade). Informações da Secretaria de Segurança Pública do DF mostram, ainda, que 29 agressores acabaram presos em flagrante e, dos 63 autores conhecidos, 26 tinham antecedentes criminais.

Recentemente, mais um caso entrou para a lista de atrocidades cometidas contra elas. Em 18 de outubro, Noélia Rodrigues de Oliveira, 38 anos, foi encontrada morta na Colônia Agrícola 26 de Setembro — região entre Estrutural, Vicente Pires e Taguatinga. A vendedora estava desaparecida desde a noite anterior, quando saiu do trabalho, em um shopping da Asa Norte, rumo ao Eixo Monumental. Noélia levou um tiro no rosto. O principal suspeito está preso, mas não confessou o crime. O operador de máquinas Almir Evaristo Ribeiro, 42, era vizinho e próximo da vítima.

Desde janeiro, 27 mulheres morreram vítimas de feminicídio no DF. Se a média de dois crimes por mês permanecer, o total de 2019 pode ultrapassar o índice do ano passado, quando 28 mulheres foram assassinadas por questões de gênero. É o maior índice desde 2015, quando esse fato se tornou circunstância qualificadora do crime de homicídio. No último ano, o número de vítimas chegou a 1.206 (1,1% a cada grupo de 100 mil mulheres) em todo o país, segundo levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) publicado em setembro.


O grupo ergueu e espalhou cartazes para chamar a atenção contra o feminicídio (foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Falhas

Gerente do Instituto Avon e militante na área de enfrentamento à violência e à desigualdade há mais de 20 anos, a psicóloga Mafoane Odara destaca que discutir o feminicídio é tratar do fim de um ciclo de violência. “Isso significa que falhamos em todas as etapas anteriores e na identificação delas”, alerta. Ela ressalta a importância do reconhecimento do primeiro tipo de violência nesses casos, a psicológica: “Isso humilha, coloca a mulher para baixo, faz com que ela pense que ninguém mais vai gostar dela, além do cônjuge. Por isso, é complicado fazer campanhas de mulheres com o olho roxo, pois essa parte é o fim da cadeia (de violência) e mostra apenas o que é visível”, analisa.

Mafoane elenca outros dois pontos que precisam de atenção tanto para o combate da violência contra as mulheres quanto para impedir novos casos de feminicídio: conversar com os homens e levar a discussão para outros âmbitos. “Esse lugar em que a masculinidade foi construída precisa ser conversado. A maior parte dos crimes é cometida por companheiros ou ex. Temos trazido pouco os homens para essa discussão sobre como prevenimos e como foi construída essa cultura de que elas são posse deles. A relação de amor não pode estar condicionada a uma relação de poder”, explica a psicóloga.

Além disso, Mafoane comenta que a responsabilização precisa ocorrer em três partes: individual, institucional e cultural. Ela acrescenta que a discussão ainda tem perspectiva punitivista e deixa a desejar em relação à prevenção. “Existe uma combinação de fatores — que passam por prevenção, acolhimento, responsabilização e garantia de direitos — fundamentais para trabalharmos a fim de combatermos novos ciclos de violência”, avalia.

Ações


A Secretaria de Segurança Pública (SSP/DF) posicionou-se sobre o assunto por meio de nota. No texto, a pasta detalha algumas ações promovidas para o combate a esse tipo de violência: “Como um convite à sociedade a repensar a máxima ‘Em briga de marido e mulher, não se mete a colher’, a SSP/DF lançou, em 28 de maio, a campanha #MetaaColher. O projeto busca expor o papel de responsabilidade de cada cidadão como engrenagem importante na cruzada contra o feminicídio”.

A SSP/DF acrescentou que, em 2017, assinou um contrato com empresa para o fornecimento de até 6 mil tornozeleiras eletrônicas. “Desde então, essas ferramentas se tornaram uma alternativa para prevenir casos de violência doméstica e de feminicídio, além de atender outras demandas judiciais, como medida cautelar e prisão provisória”, pontua o documento.

O órgão disponibilizou os telefones de dois serviços de atendimento com foco em vítimas de violência doméstica: 3207-6172, 3207-6195 (Delegacia Especial de Atendimento à Mulher, da Polícia Civil) e 3190-5291 (Programa de Prevenção Orientada à Violência Doméstica, Provid, da Polícia Militar).

Realidade
De janeiro a agosto, o DF registrou 62 tentativas de feminicídio. Em 2018 e em 2017, o número chegou a 64. Confira mais detalhes sobre os casos deste ano:

Armas usadas
» 64% Arma branca
» 21% Agressão física
» 14% Arma de fogo
» 1% Atropelamento

Relação com a vítima

» 30 Cônjuges/companheiros
» 17 Ex-companheiros
» 8 Ex-namorados
» 3 Namorados
» 3 Parentes
» 2 Desconhecidos

Local do crime
As mulheres foram vítimas das agressões em suas próprias residências, na maioria das ocorrências (46, ou seja 74%) de tentativa de feminicídio
Fonte: Secretaria de Segurança Pública do DF (SSP/DF)

Ranking
Confira a posição do DF entre as unidades da Federação com as maiores taxas de feminicídios a cada grupo de 100 mil mulheres:

2017
» 1º Tocantins (4,2%)
» 2º Acre (3,2%)
» 3º Espírito Santo e Mato Grosso do Sul (2,1%)
» 4º Alagoas (2,0%)
» 5º Pernambuco e Piauí (1,6%)
» 6º Santa Catarina (1,5%)
» 7º Maranhão, Minas Gerais e Rio Grande do Sul (1,4%)
» 8º Rio Grande do Norte (1,3%)
» 9º Pará e Roraima (1,2%)
» 10º Distrito Federal e Paraíba (1,1%)

2018
» 1º Acre (3,4%)
» 2º Mato Grosso do Sul (2,6%)
» 3º Mato Grosso (2,5%)
» 4º Rio Grande do Sul (2,0%)
» 5º Distrito Federal (1,7%)

Fonte: Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2019 / Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP)

Festival Yalodê (1 a 3 de Novembro)


O poder feminino abre o Novembro Negro em Brasília!

O Festival de Cantoras Negras – Yalodê oferece à capital do país programação artística e oficinas gratuitas, protagonizadas por cantoras e compositoras negras, entre 01 e 03 de novembro, no Museu Nacional da República.

Com oficinas e shows, o Festival traz a potência, o conhecimento e a força realizadora das mulheres negras para o centro do País.

Nossa programação é um mosaico da capacidade de criação feminina, juntando diversas vozes, ritmos, identidades, estilos, trajetórias. Mulheres do samba, Rap, Jazz, da literatura e discotecagem se reúnem neste festival para trocas que fazem crescer, como as águas quando se encontram.

Chama todo mundo e vem!

SERVIÇO:
Festival de Cantoras Negras – Yalodê
01 a 03 de Novembro de 2019
Museu Nacional da República (Lote 02, SCTS, Esplanada - Brasília/DF)

Assessoria de Comunicação - Paó Comunicação 61 98179-9316
Produção – Aruwá Produções 61-98130-0594

PROGRAMAÇÃO:

01. NOV - Sexta
18h30 Oficina de Dança com Fanta Konate - Guiné Conacri
20h Painel sobre carreira e trajetória no mercado musical com artistas do festival
*Inscrições através do email formativasyalode@gmail.com

02 NOV - Sábado
13h às 17h Oficina de Escrita Afetiva com Calila Das Mercês
13h às 17h Oficina de Composição musical com Letícia Fialho
*Inscrições através do email formativasyalode@gmail.com
18h DJ Savana
19h DJ Pati Egito
20h30 Cris Pereira convida a Áurea Martins - Cantora
22h30 Fanta Konate - Guiné Conacri
00h Larissa Luz
*Entrada gratuita mediante a retirada de ingresso pelo Sympla

03 NOV - Domingo
18h DJ Savana
18h30 Realleza
19h30 Letícia Fialho convida Anaïs Sylla
21h Mariene de Castro
22h DJ Pati Egito
Entrada gratuita mediante a retirada de ingresso pelo Sympla

"Dificuldade de ver o negro ocupando espaços” Rafael Zulu detona Carla Vilhena que criticou entonação de Maju no Jornal Hoje



Por Silvia Nascimento
A ex-apresentadora da Rede Globo Carla Vilhena, achou que seria uma boa ideia usar o Twitter para criticar a maneira que a Maju Coutinho cobriu a morte do diretor Jorge Fernando no Jornal Hoje.

“Sobre matéria da morte de Jorge Fernando: por mais que ele tenha sido divertido em vida, está morto. Repórter, não precisa berrar tanto. Apresentadora, vamos evitar rir depois das cenas de arquivo, enquanto lê a frase ‘o corpo do diretor…’” disse a jornalista na postagem que apagou logo em seguida.
Carla se defendeu, dizendo que adora Maju e que sua postagem era apenas uma dica:

Cometi um erro de avaliação. O que achei q poderia ser uma dica para apresentação acabou sendo interpretado como uma ofensa a uma pessoa que adoro, a @majucoutinho . Muitas pessoas entenderam assim. Por isso, peço humildemente desculpas pelo erro. E à Maju, desejo mais sucesso.
— Carla Vilhena (@carlavilhenaa) October 29, 2019
A Internet não deixou barato e em uma postagem no Instagram do Hugo Gloss, o ator Rafael Zulu não segurou o verbo ao criticar Carla a quem definiu como invejosa.



“A boa e velha inveja e a dificuldade de ver um NEGRO ali ocupando aquela bancada! MAS NÃO TEM JEITO: ELA É COMPETENTE, VAI CONTINUAR ALI E PONTO FINA”, disse Zulu, cujo comentário foi o mais curtido da postagem.

E não tem como não concordar.

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Conheça o poeta negro Carlos de Assumpção de 92 anos comparado a Drummond e João Cabral


 
por Alberto Pucheu,
[RESUMO] Quase desconhecido no meio literário, Carlos de Assumpção, 92, criou obra potente sobre a resistência negra no país, num patamar cujos poemas se igualam ao melhor de Drummond e João Cabral, segundo professor.

“Há muitas histórias/ Sobre os meus avós/ Que a História não faz/ Questão de contar”, escreve Carlos de Assumpção no poema “Meus Avós”. Nascido em 1927 em Tietê (SP), este poeta, negro, de 92 anos, vive há décadas em Franca, no estado de São Paulo. Veio de uma família, segundo ele mesmo, paupérrima.

É neto de Cirilo Carroceiro, beneficiado pela Lei do Ventre Livre (1871), analfabeto, que lhe contava, desde a infância, à beira de uma fogueira no quintal, histórias testemunhais da escravidão, que se contrapunham ao que aprendia nos livros da escola.

O poeta é filho de um pai igualmente analfabeto, exímio contador de histórias, e de uma mãe alfabetizada, que trabalhava cozinhando e lavando roupa para fora, sendo, ainda, uma amante da poesia, dedicando-se a ela a ponto de ensaiar poemas com as crianças da Sociedade Beneficente 13 de Maio.

Foi com essa família, fabuladora e politizada (integrantes da Frente Negra Brasileira e da sociedade citada acima), em que a transmissão oral da história familiar se confundia com a do país, que seu afeto, pensamento e imaginação se formavam, tomando gosto pela leitura com os livros que a mãe trazia da biblioteca da igreja.

A paixão pela poesia se expandia ao ouvir os poetas populares de sua cidade e das vizinhas. Depois de ter passado por inúmeros subempregos —por exemplo, ajudante de caminhoneiro— fez o curso normal, tornando-se professor para crianças pelo interior de São Paulo, até consolidar sua vida em Franca, onde, adulto, cursou as faculdades de letras e direito. Sabendo de cor inúmeros poemas da língua portuguesa e de outras línguas, Carlos de Assumpção é memória viva da poesia.

Os versos que abrem este texto se repetem como um refrão no respectivo poema, trazendo uma compreensão poética de uma história a contrapelo, de histórias plurais passíveis de serem recontadas, em contraponto à história hegemônica. Nesse movimento, somos impulsionados a ler a urgência de um resgate deste poeta do silenciamento da história da poesia e do país. 
 
 

Autor de “Meus Avós” e “Protesto” (além de, por exemplo, “Cavalo dos Ancestrais”, “Eclipse”, “Poema Verídico” e “Que Negros Somos Nós”), Carlos de Assumpção está entre os poetas mais importantes de nossa tradição, do século 20 e de nosso tempo, em um patamar cujos poemas podem, sem nenhuma concessão, se igualar ao que há de mais significativo de Castro Alves, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Ferreira Gullar...

Com uma diferença, entretanto, decisiva: a de poetizar nossa história a partir do testemunho dos negros, de um eu a um só tempo pessoal, histórico e político, desde o corpo e a memória de uma coletividade de vidas escravizadas, torturadas e assassinadas.

Poderia dizer de sua poesia o que escrevi sobre “A Queda do Céu”, de Davi Kopenawa e Bruce Albert: ela se coloca como uma fundação tardia do Brasil, sinalizando uma de nossas faltas fundadoras. Ela é uma aposta ética e política em um outro passado e em um outro presente em que os negros finalmente teriam direitos, visibilidade e dignidade.

Em um de seus poemas, “Eclipse”, é tematizada a constatação sobre a perda da cultura negra, fraturada pela diáspora africana e pela quase impossibilidade de preservar seus nomes, suas línguas, suas tradições e sua autodeterminação na nova vida em movimento de negro brasileiro: “[...] Olho no espelho/ E não me vejo/ Não sou eu/ Quem lá está// Séculos de destruição/ Sobre os ombros cansados/ Estou eu a carregar/ Confuso sem norte sem rumo/ Perdido de mim mesmo/ Aqui neste lado do mar/ Um dia no entanto senhores/ Eu hei de me reencontrar”.

Se esta é uma temática que se repete na poesia negra do país, o lamento do poeta dura pouco, afirmando radicalmente a possibilidade de sua cultura em nova situação logo no poema seguinte: “Eis que me reencontro afinal”. Carlos de Assumpção é antes o poeta que se reencontra no grito de protesto do que no lamento e na queixa.

Na contramão de uma história contada da submissão dos negros à escravidão, há o orgulho de uma outra história afirmado em “Meus Avós” e nessa poesia de modo geral. Seus poemas são um modo de reescrever a história, valorizando não a humilhação e o sofrimento, mas, sobretudo, a revolta de quem não se curva ao dominador.

No poema mencionado, apesar da crueldade sofrida, foram, sobretudo, os negros que construíram o país, que lutaram contra a escravidão, que, insubmissos, mataram feitores e senhores, que, insubordinados, fugiram em busca de sua liberdade.

Cria-se, assim, uma fratura no tempo em que se vive para, sabendo da necessidade da flexibilização da historicidade, ler o passado de outro modo, mostrá-lo não como imutável, mas enquanto uma construção passível de ser relativizada e alterada em nome dos que foram tornados invisíveis.

Nessa poesia, age-se contra o tempo em que se vive, em busca de uma vida com mais direitos, de colocar a história a serviço da vida e a favor de um tempo mais digno por vir. Não à toa, seu poema mais conhecido intitula-se “Protesto”, e a palavra mais repetida em seus poemas é “grito”.

“Protesto” foi escrito em 1956 e falado pela primeira vez em público em 1958, na Associação Cultural do Negro (ACN), em São Paulo. Também em 1958, foi impresso no primeiro livro dos Cadernos de Cultura da ACN. Desde então, foi dito e recitado diversas vezes para auditórios cheios, tornando-se o poema mais admirado por certa geração do movimento negro e por alguns poetas negros subsequentes.

É interessante contrapor a imediata acolhida do poema dentro dos movimentos sociais à cegueira da crítica, do meio jornalístico e editorial em relação a ele. Por dificuldades financeiras de seu autor e pelo desconhecimento geral da mídia e do meio editorial a respeito do circuito da poesia, livros do poeta só apareceram, em pequenas edições feitas por amigos, em 1982 (ano em que foram publicados “Protesto” e “Protesto e Outros Poemas”).

Quase quatro décadas depois, o poema “Protesto” continua relegado à ignorância generalizada. Como, senão pelo racismo de nossa história, um poeta da estatura de Carlos de Assumpção possa ser quase inteiramente desconhecido de outros poetas, críticos, jornalistas, intelectuais, antologistas de poesia e leitores em geral?

Conheci “Protesto” em junho de 2019, quando fazia uma pesquisa para compor a revista Cult Antologia Poética. Procurando na rede o que não conhecia, deparei-me subitamente com um vídeo caseiro do poeta falando, magnificamente, esse magnífico poema.

Desde então, venho tentando divulgar seus versos, tendo feito um longa metragem amador com ele, “Carlos de Assumpção: Protesto”, que em breve estará no YouTube. Eis as palavras iniciais do poema:

“Mesmo que voltem as costas
Às minhas palavras de fogo
Não pararei de gritar
Não pararei
Não pararei de gritar

Senhores
Eu fui enviado ao mundo
Para protestar
Mentiras ouropéis nada
Nada me fará calar

Senhores
Atrás dos muros da noite
Sem que ninguém o perceba
Muitos dos meus ancestrais
Já mortos há muito tempo
Reúnem-se em minha casa
E nos pomos a conversar
Sobre coisas amargas
Sobre grilhões e correntes
Que no passado eram visíveis
Sobre grilhões e correntes
Que no presente são invisíveis
Invisíveis mas existentes
Nos braços no pensamento
Nos passos nos sonhos na vida
De cada um dos que vivem
Juntos comigo enjeitados da Pátria
[...]”

 
 
Impossível não pensar que o final dos anos 1950 é o momento tanto em que a poesia concreta começa a fazer valer seus preceitos vanguardistas quanto da construção de Brasília.

Os versos de Carlos de Assumpção são, antes, exemplos de uma insurreição poética dos operários, de uma poesia de luta dos que viveram e vivem a dor histórica de nosso país e voltam-se para uma poesia fortemente histórica, em versos e poemas que trazem marcas épicas para a lírica, soando “o grito da coisa viva do atual que não finda”, nas palavras do professor e poeta Roberto Corrêa dos Santos.

Na ocasião, também é significativa a presença do poeta em jornais do movimento negro operário, como no Niger, do Sindicato dos Trabalhadores em Construção Civil, desdobrando o vínculo entre poesia e política.

Além desses poemas grandiosos em que o “eu” e as designações familiares se confundem com uma história a contrapelo do país, há muitos outros em sua obra, de circunstância (em que a realidade oferece a ocasião e o tema específicos enquanto pontos de partida), que se fazem desdobramentos de palavras oriundas da escravidão, sinalizando inúmeros casos habituais e atuais de racismo sofrido pelos negros, com o intuito de efetivar no leitor uma consciência da violência cotidiana.

Tomar, portanto, o racismo como tema é marcar o ponto de inflexão do lugar desde o qual um negro escreve, visando, a partir do que sofre, buscar a transformação.

Diria que há ainda muitos poemas que podemos chamar de intermediários, que, criando outro grupo, fazem uma espécie de mediação entre os dois anteriores.

Chamo a atenção também aos poemas com ressonâncias diretamente africanas e aos poemas seriais dos tambores, berimbaus, batuques, que ritmam o grito dos que “estamos cansados de tanta dor”, dos que sabem que “ninguém compreende nossa mensagem de dor”.

Há muitos anos, fui à casa de uma amiga trabalhadora rural com ensino apenas primário. Lá havia dois livros na estante da sala: um de Fernando Pessoa, outro de Drummond. Dei-me conta de que, em nossa língua, os dois poetas são, de fato, aqueles que mais falam para todos e qualquer um, da trabalhadora rural ao intelectual, do operário ao artista, da trabalhadora doméstica aos profissionais liberais.

A poesia de Carlos de Assumpção é das poucas em que o mesmo se sucede. Ter ficado três dias inteiros com ele, entrevistando-o em sua casa, convivendo com ele em sua cidade, foi um antídoto para o que hoje vivemos no país. Poderia dizer que Carlos de Assumpção é o país que todos deveriam almejar. 
 
 

Um poeta, uma pessoa, com capacidade imensa de gerar admiração e amor em torno dele. Tudo nele é generosidade, carinho, afeto, inteligência, alegria e vitalidade. Desde que, há poucos meses, conheci sua poesia, fazer o registro dele se tornou para mim uma urgência histórica.

Colocar sua obra em evidência pública, inserindo-a, ao menos, em certo meio da poesia brasileira —mas querendo também ultrapassar o que se chama de meio da poesia—, é um desejo imediato, diria mesmo que uma obsessão.

Um desejo e uma obsessão, penso agora, de um outro país, de um país Carlos de Assumpção. Dos seus 92 anos, farto de dor histórica, “sob o peso de tanta dor, tanta miséria”, mas pleno de vitalidade para a necessária intervenção política, ainda nos presenteia com poemas inéditos, como este, escrito neste ano de 2019:

“Quem mandou matar Marielle
A nossa nova Dandara
Quem mandou matar Marielle
A enviada de Ogum

Quem tem ceifado tantos sonhos
Quem tem coberto todo o país
Com tantas mortes sem explicação
Quem tem matado tanta gente inocente e culpada

Há no ar silêncio enorme
Não há nenhuma resposta
Será que a justiça dorme
Ou a justiça está morta”
Leia abaixo o poema "Meus Avós", de Carlos de Assumpção

Os meus avós foram fortes
Foram fortes os meus avós

Orgulho-me dos meus avós
Que outrora
Carregaram sobre as costas
A cruz da escravidão

Orgulho-me dos meus avós
Que outrora
Trabalharam sozinhos
Para que este país
Se tornasse tão grande
Tão grande como hoje é

Os meus avós foram fortes
Foram fortes os meus avós

Este país meus irmãos é fruto
Das sementes de sacrifício
Que os meus avós plantaram
No solo do passado

Há muitas histórias
Sobre os meus avós
Que a História não faz
Questão de contar

Os meus avós foram bravos
Foram bravos os meus avós

Embora ainda não conhecessem
A nova terra
A que tinham sido transportados
Acorrentados como se fossem feras
Nos sinistros navios-negreiros
Embora ainda não conhecessem
A nova terra
Os meus avós fugiam das fazendas
Cidades bandeiras e minas
E se embrenhavam nas florestas
Perseguidos por cães e capitães-de-mato

Há muitas histórias
Sobre os meus avós
Que a História não faz
Questão de contar

E a história
Dos que desesperados
Se atiravam dos navios
No abismo do oceano
E eram acalentados
Por Iemanjá

E a história
Dos que enlouquecidos
Gritavam em vão
Chamando a mãe África
Saudosos da África
Ansiosos por estreitar
De novo nos braços
A velha mãe África

E a história
Dos que morriam de banzo
Dos que se suicidavam
Dos que recusavam
Qualquer alimento
E embora ameaçados
Por troncos e chicotes
Não se alimentavam
E acabavam morrendo
Encontrando na morte afinal
A porta da liberdade.

E as fugas em massa
Planejadas na noite das senzalas

E os feitores
Mortos nos eitos

E os senhores
Mortos nas casas grandes
E nas tocaias das estradas

Há muitas histórias
Sobre os meus avós
Que a História não faz
Questão de contar

Os meus avós foram bravos
Foram bravos os meus avós

Não me venham dizer
Que os meus avós se submeteram
Facilmente à escravidão

Não me venham dizer
Que os meus avós foram
Escravos submissos
Por favor não me venham dizer
Eu não aceito mentiras

Cortarei com a espada
Dos meus versos
A cabeça de todas as mentiras
Mal intencionadas
Com que pretendem humilhar-me
Destruir o meu orgulho
Falseando também
A história dos meus avós

Os meus avós foram bravos
Foram bravos os meus avós

Apesar dos “castigos
Públicos para exemplo”

Apesar de flagelados
Na carne e na alma

Apesar de divididos
E oprimidos
Pelo regime aviltante

Apesar de todas
As crueldades sofridas

Os meus avós nunca
Nunca se submeteram
À escravidão

Há muitas histórias
Sobre os meus avós
Que a História não faz
Questão de contar

Os meus avós foram fortes
Foram bravos
Foram bravos foram fortes
Os meus avós

A quem ainda duvide
Aponto entre outras epopeias
A epopeia dos Palmares
Cujos quilombolas chefiados
Pelo herói negro Zumbi
Acuados pelos inimigos
Muito mais bem armados
E muito mais numerosos
Esgotadas todas as forças
Apagadas as esperanças
Despenham-se da Serra da Barriga
Preferindo a morte gloriosa
À infame vida de escravos

Aponto as revoltas malês
Quanto os batá-cotôs
(Tambores guerreiros)
Puseram em pânico
A cidade da Bahia

Aponto o quilombo de Jabaquara
Outro exemplo de bravura
Dos meus avós

Aponto as sociedades negras secretas
Que angariavam fundos
Para comprar alforria
De irmãos escravizados

Há muitas histórias
Sobre os meus avós
Que a História não faz
Questão de contar

Meus avós foram fortes
Foram bravos
Foram bravos foram fortes
Os meus avós

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Alberto Pucheu, professor de teoria literária da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), é poeta e ensaísta. 
 
Fonte: Folha