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terça-feira, 1 de outubro de 2019

“Pensar a justiça de Xangô é pensar outras pedagogias narrativas da vida humana” é o que defende Sérgio São Bernardo


Em 2006, o Brasil viveu agitados debates sobre direito e relações raciais. Nos momentos posteriores à Marcha Zumbi + 10, que retomou as bandeiras da histórica Marcha do Movimento Negro em Brasília no ano de 1995, e no ambiente de forte debate sobre política de cotas nas universidades o país assistiu eufórico a um intrigante debate de intelectuais contrários e favoráveis às políticas de ações afirmativas para negros e teve que se confrontar – mais uma vez – com a insistente pergunta: o que fazer com os negros no Brasil?

Esta pergunta maximizava-se com a crescente presença negra em cursos de pós-graduação e ganhava destaque em Universidades como a UnB onde um grupo de intelectuais negros eram alunos de mestrado em direito no ano de 2006 e, sob diferentes perspectivas e posições políticas, interrogavam os pressupostos hegemônicos do discurso branco e propunham outras leituras sobre o Brasil e sobre as suas relações raciais.

Foi neste contexto que Augusto Sérgio dos Santos São Bernardo, ou Serginho como é conhecido entre seus amigos e companheiros de militância, defendeu a dissertação de mestrado intitulada: “Identidade Racial e direito à diferença: Xangô e Thémis”. O trabalho de Serginho, publicado como livro dez anos depois da defesa em Brasília, é produto dos intensos debates do movimento negro nos anos precedentes e marca uma séria inflexão sobre racismo no campo do direito e da filosofia fazendo provocações teóricas bastante desafiadoras e estabelecendo conexões “com as possibilidades da alteridade e da afirmação da diferença através da identidade racial como instrumento emancipatório”.

Nesta entrevista concedida à Brado Negro Sérgio São Bernardo nos falou sobre suas perspectivas na produção do livro Xangô e Themis, situa suas leituras atuais sobre modernidade e racismo e aponta quais as principais questões trabalhadas nos seus novos livros. De modo bastante elaborado e denso, Serginho comentou sobre o contexto político e apresentou suas análises sobre o que julga ser a grande tarefa do movimento social negro na contemporaneidade: lutar contra a doutrina do pensamento único instituída a partir do escravismo e da colonização.

“O Estado moderno nasce falido em seus pressupostos humanistas. Nesse caso, os valores e práticas civilizatórias afro-brasileiras possuem um repertório potente e real para a assunção de uma ética jurídica libertária que está se opondo ao direito positivista e aos interesses de mercado e do pensamento único. Não há que se falar em multiculturalismo, pluralismo jurídico e interculturalidade sem levar em consideração a contribuição do pensamento e do corpo africano no Brasil.”, afirma São Bernardo.

Confiram a íntegra da entrevista e entenda mais sobre este poderoso arsenal teórico.

________________Felipe Freitas - O seu livro – Xangô e Themis - é resultado da sua dissertação de mestrado defendida há treze anos na Universidade de Brasília. Na sua avaliação, qual a principal contribuição deste seu estudo ao debate sobre direito e racismo no Brasil?

Sérgio São Bernardo - Vejo que o debate sobre a inserção do pensamento e da civilização africana e diaspórica, como parte expressiva da conformação da civilização planetária, tem sido resgatado nas últimas décadas. Sinto que este livro, e suas diversas releituras, contribuiu para refletirmos sobre como o debate da colonização, da escravidão, do racismo e do patriarcado são componentes interligados para compreendermos o processo de dominação fundado em categorias multilineares que organizaram o aparecimento de doutrinas universalistas e imperialistas a serviço do pensamento único e do etnocentrismo. O estudo sobre filosofia, direito e racismo, mesmo aquele realizado por uma inteligência negra, estava muito arraigado a uma perspectiva dogmática, assimilacionista e integracionista em detrimento de uma perspectiva dos direitos de existência e das aspirações emancipatórias e libertárias. Nesse caso, vale o debate sobre o genocídio no campo do conhecimento e o aparecimento de novos sujeitos coletivos e identitários que têm alargado nossas visões e práticas como parte de novas centralidades para pensar o mundo e o conhecimento produzido nele. Pensar a justiça de Xangô é pensar outras pedagogias narrativas da vida humana, desse modo, o convite é para encontrarmos outras noções de justiça e direito em Iansã, em Nanã, em Kavungo, nos Encantados, nos Caboclos etc, e também em práticas africanas e diaspóricas fora da religião e da metafisica. No campo do direito percebo que novas correntes teóricas e novas práticas de resolução de conflitos têm confrontado o direito para uma abordagem multicultural, intercultural e interseccional e isso foi, de algum modo, o que Xangô e Thémis quis sinalizar.

Felipe - Sua pesquisa de mestrado em muitos aspectos inaugura uma perspectiva no debate sobre o Direito e Racismo ao acionar, ao mesmo tempo, categorias filosóficas do debate clássico e também conhecimentos de tradições afro-brasileiras. Para você como os conhecimentos do “mundo negro” podem iluminar o debate sobre Legalismo, Justiça e Igualdade hoje? Você acha que a adoção de uma perspectiva afro-brasileira pode aprimorar os estudos sobre direito no Brasil?

Sérgio - Sim. Buscamos evidenciar que a história do pensamento brasileiro se confunde com a história do direito no Brasil e que o contexto fenomenológico e a herança iluminista nos levaram para um cenário ultra racionalista e codificado, ainda que mesclado com um culturalismo historicista e egológico. Mostramos que a transição do pensamento jurídico para uma filosofia da linguagem (Wittgenstein, Gadamer, Habermas e Warat e o fracasso da Europa teleológica) ainda não nos levou para uma leitura mais ampla do direito. Os alicerces da formação societária e os valores da moralidade política brasileira estão presas aos valores do patrimonialismo, do familismo, do patriarcado, da homofobia e do racismo. Ficamos no egoísmo metafísico e ontológico e caímos no monólogo da modernidade. Nada nasce de novo em face ao solipsismo racionalizador da atividade jurídica positivista.

Este contexto nos leva a revisitar a experiência africana no Brasil, que legou para a formação civilizatória da sociedade brasileira valores associados à comunhão com a natureza, a uma vida integrada em suas diversas dimensões, a uma prática coletiva do uso da terra e a um culto da ancestralidade e do feminino, entre outras cosmoconcepções, que nos levaram a uma episteme, em muitos aspectos, opostos à tradição europeia. Isso vai nos levar a uma forma de pensar o direito e buscar novos modos de enfrentar o racismo e o machismo. A Revolução Francesa e a possibilidade da realização da liberdade e da igualdade ficaram no tempo como algo irrealizado. Esta criação, de uma moral universal e do sujeito legislador, fez com que o tema da igualdade confrontasse o tema da liberdade. A igualdade como fundadora da liberdade coloca em cheque a paz perpétua e o discurso dos direitos humanos universais. O Estado moderno nasce falido em seus pressupostos humanistas. Nesse caso, os valores e práticas civilizatórias afro-brasileiras possuem um repertório potente e real para a assunção de uma ética jurídica libertária que está se opondo ao direito positivista e aos interesses de mercado e do pensamento único. Não há que se falar em multiculturalismo, pluralismo jurídico e interculturalidade sem levar em consideração a contribuição do pensamento e do corpo africano no Brasil. O direito brasileiro poderia optar pela releitura da história do Brasil e usar o repertório dos provérbios, das mediações de conflito, da cultura e da arte afro-brasileira como referências valiosas para se repensar a possibilidade de uma justiça política em nosso país.

Felipe - Outro aspecto que você trabalha na sua dissertação é a discussão sobre as teorias referentes a formação social brasileira. Você defende que a criminalização de “um mundo da vida” resultou num modelo de representação do humano que excluiu e exterminou negros, indígenas e demais grupos sociais estigmatizados. Cada vez mais verificamos o aumento expressivo da violência urbana com números muito altos de mortes e encarceramento de jovens negros. Como você avalia a persistência destes dados no Brasil hoje? Você acha que a violência contra juventude negra é um desdobramento extremo desta criminalização que você denunciava treze anos atrás?

Sérgio - O reconhecimento da criminalização do Mundo da Vida é um pressuposto importante para pensar a desigualdade no Brasil. Heidegger já nos afirmava que a essência da presença está fundada na sua existência e esta presencialidade nos leva ao debate da alteridade, pois é na co-presença que nos constituímos. Levinas vai nos perguntar: quem são os outros? Desse modo, Levinas tematiza o terceiro. Nós somos o terceiro excluído. Dussel nos convida, de outro modo, a explorar os conceitos de interpelação e exterioridade. Habermas inaugura o debate sobre a moralização da política que é a afirmação de que a norma se sustenta nos valores de justiça/jusnaturalismo/ na validade/juspositivismo ou na efetividade/realismo e no interpretativismo para o pós positivismo. Entretanto, as leis morais produzem o direito como pensara Kant, mas elas ficam no limite do sujeito que fala e não dialoga. Na sociedade de comunicação real todos os sujeitos têm que concordar com todos os argumentos decisivos – este é o procedimentalismo de Habermas que não alcança todos os membros de uma comunidade abstrata. Isso só é possível se considerarmos a reivindicação e o reconhecimento das identidades em jogo e o pertencimento civilizatório, aliado à condição sócio-racial e econômica, para que possamos garantir a realização de uma justiça material e equitativa para todos.

Os dados atuais sobre o genocídio e encarceramento em massa da população negra evidencia a reprodução de métodos antigos com nomes novos daquelas práticas de séculos anteriores associados ao colonialismo, ao escravismo, ao patriarcado e ao racismo. No entanto, a criminalização do mundo da vida que desenvolvo no livro fala dessa existência que surge como categoria ontológica estigmatizada. O negro já nasce fadado a ser criminoso em razão da sua vida de existência (a sua culinária, a sua religião, a sua música, o seu corpo, o seu modo de organização econômica e social, seu modelo de organização familiar, sua sexualidade etc.) estão inseridas no rol de uma produção legislativa estatal que conforma o que chamamos de um “racismo de estado” e que criminaliza a existência negra. Veja, por exemplo: a lei da vadiagem, a lei que proibia a prática do candomblé, que criminalizava a capoeira, o não reconhecimento territorial dos quilombos, etc.

Felipe - No seu trabalho você relata também um episódio de criminalização de lideranças religiosas de candomblé acusadas de crime ambiental pela prática de sacrifício de animais no Rio Grande do Sul no ano de 2003. Dezesseis anos depois – em 2019 – o Supremo Tribunal Federal decidiu sobre o caso e entendeu que é constitucional o sacrifício de animais em cultos religiosos. Qual sua avaliação sobre este entendimento do Tribunal? Você acha que este precedente representa uma forma de incorporação da perspectiva afro-brasileira no direito brasileiro?

Sérgio - Podemos localizar um precedente da Suprema Corte dos EUA que declarou a inconstitucionalidade de um conjunto de normas da cidade de Hialeah (Flórida) que tornavam ilegal o sacrifício de qualquer animal (Regulamento 87-71). A parte implicada era: a Igreja Lukumi Babalu Aye, praticante da Santeria e localizada naquela cidade, que moveu ação judicial contra o município, sob a alegação de que as normas violavam a liberdade religiosa. Aqui no Brasil a Lei n.º 9605/98 dispõe sobre as infrações penais ambientais, tipificando em seu artigo 32 o crime de maus tratos contra animais. Já a Instrução Normativa de nº 3, de 17 de janeiro de 2000, da Secretaria de Defesa Agropecuária, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, destaca a possibilidade do sacrifício de animais de acordo com os preceitos religiosos, desde que sejam destinados ao consumo por comunidade religiosa que os requeira ou ao comércio internacional com países que façam essa exigência, sempre atendidos os métodos de contenção dos animais”. Então, essa foi uma guerra intensa em defesa da democracia brasileira e da soberania civilizatória em um tecido social multicultural e multirracial como o Brasil. O objetivo foi alcançado: comprovar a inconstitucionalidade do Projeto de Lei nº 308/13 que visava à proibição do sacrifício e ou a mutilação de animais, na prática de qualquer atividade religiosa. O fato é que não há dolo específico, porquanto não há maus-tratos. Ficou provado que não existe crueldade e nem sacrifício com o sentido semântico que os opositores queriam emprestar ao conceito. Sacrifício como tortura em oposição ao sacrifício como oferenda e cuidado. Tudo isso é incomparável com a indústria alimentícia, a indústria de cosméticos e outras atividades esportivas, tradicionais e culturais que praticam um tipo de morte planejada com fortes consequências ambientais e de saúde para a população e que está desvinculada da pecha preconceituosa e racista que querem impingir às religiões de matriz africana. Este confronto se deu no campo de visões de mundo distintos e de práticas sociais que inferem outra ética jurídica e, portanto, outro modo de pensar a justiça e o direito. Nesse debate tivemos que realizar estudos e argumentos voltados para outra ordem e natureza do conhecimento da prática social e religiosa do “oferecimento”. Isso resultou no necessário uso de uma hermenêutica interpretativista, principiológica, constitucionalista e pluralista do direito.

Ora, a produtiva tematização desses assuntos no ideário político no Brasil comprova que os movimentos sociais e setores da academia foram muito resolutivos e atuantes nesse aspecto. Nessa mirada podemos afirmar que colocamos na ordem do dia a possibilidade de pensar o direito a partir de uma cosmoconcepção afro-brasileira.

Felipe - Além da sua dissertação de mestrado você também é um dos organizadores do livro “Comentários ao Estatuto Estadual da Igualdade Racial da Bahia” e atuou na advocacia, na gestão pública e na assessoria parlamentar nas áreas de defesa do consumidor, promoção da igualdade racial e segurança alimentar. Como você relaciona estas várias vertentes – aparentemente distantes - da atuação intelectual, política e profissional? Qual relação que você destaca entre estes vários campos?

Sérgio - Estou muito preso a uma praxiologia do movimento e da autonomia. Não existe teoria sem prática e nem prática sem teoria. O sujeito negro no Brasil não pode só estudar ou só trabalhar. Esta é uma dimensão recorrente na experiência africana no Brasil. Existe uma desvantagem histórica global e nós não podemos nos furtar em deixar de apresentar a nossa experiência como uma grande referência teórica para as futuras gerações. No caso do livro Comentários ao Estatuto da Igualdade da Bahia, organizados por Cléia Costa e por mim, conseguimos inovar através da construção coletiva, a produção de um conhecimento jurídico legítimo e emancipador. Juntamos diversos pensadores e pensadoras e intérpretes do direito, através dos critérios de heterogeneidade, transversalidade e multidisciplinaridade. O livro foi elaborado numa abordagem sistêmica, compreensiva e crítica, apontando em seus comentários um pragmatismo procedimental fundamental para a gestão pública. Concordamos que este estatuto tem mudado a vida das pessoas e dado sentido de poder e política mais alargada, embora a violência tenha, paradoxalmente, aumentado. Esta é uma experiência de democracia como valor estratégico em que podemos acionar diversos setores do Estado e da sociedade como ação imediata para o enfrentamento do genocídio e pela defesa da liberdade religiosa.

Quanto às experiências multifacetadas em minha vida, veja, sou um ex- vendedor ambulante, sacoleiro, pequeno empresário de livros e roupas; poeta, estudante de filosofia, militante estudantil, secundarista e universitário. Tudo na minha vida sempre foi muito integrado, ou melhor, sempre fui levado a ler e sentir o mundo como uma única experiência em dimensões multilineares. Então, não diferencio e nem desarticulo as minhas experiências como gestor público, como advogado, professor de Filosofia do Direito da Uneb, militante do movimento negro, do movimento consumerista e doutor em difusão do conhecimento. O que quero dizer é que sou um único afeto com diversas leituras e dobras, mas, com certeza, sei o meu lugar e não esqueço quem sou, como me forjei. Nem da minha sombra e nem das ruas.

Felipe - Você esteve em Moçambique em 2017/2018 em parte do seu estudo de doutorado e conheceu universidades e organizações locais na área de filosofia e educação. Como você avalia esta integração do Brasil com os países africanos? Você acha que esta é uma relação promissora para a luta negra brasileira?

Sérgio - Sim. Existe um pensamento pulsante no continente africano. Em especial naquele eixo do sul do continente e nos países de língua portuguesa, que está se distinguindo de um pensamento dicotomizado das tradições francófonas e anglófonas. Novos personagens e novos temas estão colocando o pensamento africano e diaspórico no centro de um mundo cada vez mais descentralizado. O tema da colonização, do desenvolvimento econômico, da reintegração e da reconciliação são muitos caros para aquele continente. Nossas relações são mais do que civilizatórias, são ancestrálicas e estratégicas no campo da política - vide o panafricanismo – Estamos no limiar de uma intersubjetivação e de uma interculturalidade que propicia a ampliação das nossas questões históricas. Por isso vejo com muita felicidade os movimentos que estão ocorrendo sobre a filosofia africana. Mocambique está se posicionando com muita proeza e competência nesse cenário. Tive a felicidade de estudar filosofia africana com dois expoentes da filosofia africana no mundo que foram Severino Ngoenha e José Castiano. E mais: pude conhecer e estudar com um povo otimista com o futuro e orgulhoso com o seu passado, aliando tradição e modernidade todo o tempo. Através da minhas visitas aos outros países do hemisfério ocidental - África do Sul, Suazilândia e Moçambique, pude conhecer e aprender como eles lidam com o tema da justiça comunitária através do convívio com as autoridades africanas. Nesse caso, a riqueza da tese foi revigorada com os estudos sobre as experiências de justiça daquele continente. O Ubuntu brasileiro nasce desse diálogo e dessa relação, onde o legado permanente da reconciliação com suas histórias, rupturas e continuidades nos informam como novas fontes de direito e justiça.

Felipe - Por fim, queria que você falasse um pouco dos seus novos trabalhos. Ano passado (2018) você defendeu sua tese de doutorado intitulada “Kalunga e o Direito: A emergência de uma justiça afro-brasileira” na qual você debate “o direito enquanto linguagem cosmoconceptiva” e sublinha a “instituição de um campo de estudo na academia, e fora dela, sobre as fontes ética-jurídicas normativas para um direito pluralista inspirado no pensamento afro-brasileiro”. O que você destacaria deste seu novo trabalho? Como a sua tese amplia (ou revisa) aspectos que você discutiu na sua dissertação?

Sérgio - Nossa tese principal é a de que as civilizações africana e afro-brasileira possuem repertórios jurídico-filosóficos que podem mobilizar novas leituras de mundo para a prática da justiça e do direito numa dimensão local e global. Abordamos o direito enquanto linguagem cosmoconceptiva com suas rupturas e continuidades no caminho de novas moralidades políticas. As moralidades geram eticidades e as eticidades geram juridicidades. Esta juridicidade é relativa, hermenêutica, plural e contém elementos emancipatórios numa perspectiva dialética e libertária. Estudamos as experiências e tradições de países e povos/etnias africanas e afro-brasileiras, em especial, as do grupo linguístico Banto e seus modelos alternativos e institucionais de resolução de conflitos e os diversos modos e usos linguísticos (mandamentos, axiomas, provérbios, princípios, valores etc.).

Posicionamo-nos nesse lugar da filosofia do direito para localizar os valores mais presentes nas civilizações africanas e diaspóricas e confrontá-las com os estudos e práticas sociais de justiça restaurativa, comunitária, autoridades tradicionais etc. Daí, emergiu a necessidade de novos referenciais teórico-metodológicos e de novas práticas que dialogam com os modelos associativo-comunitários com os quais lidamos tanto no âmbito acadêmico quanto no âmbito comunitário. Nossa intenção foi identificar como esta cosmoconcepção afro-brasileira (Ancestralidade, Ubuntuidade e CosmogramaBacongo), e as suas perspectivas comunitaristas atreladas a projetos emancipatórios e libertários latino-americanos e afro-brasileiros servem de fonte para uma comunalidade jurídica de caráter libertário: Ubuntu. Esse foi um caminho que escolhi através do uso do conceito de Ubuntu (resistência, quilombismo, pretoguês, etc.) do Cosmograma Bakongo. Apreendido a partir das epistemologias das relações, circularidades, linearidades, reversibilidades, interações etc, e da ancestralidade. Buscaremos com este estudo o seu aprofundamento, para tanto criamos um grupo de estudos e pesquisas para a adoção de um referencial teórico sobre as fontes ética-jurídica-normativas para um direito pluralista inspirado no pensamento afro-brasileiro. Este grupo se reúne todas as últimas quintas-feiras do mês no Cepaia-Uneb às 17 horas. O grupo é aberto para quaisquer pessoas de qualquer formação e instituição.

Seguindo o caminho de Xangô e Themis, buscamos trabalhar com uma epistemologia transversal e multidisciplinar para o estudo da categoria JUSTIÇA para a realidade brasileira, a partir da experiência africana no Brasil. Buscamos compreender a noção de direito não só como norma, mas como postulado performativo que pode ser aplicado através dos valores, princípios, normas, regras e leis morais, sociais, espirituais e emocionais.

Aqui, podemos colocar uma perspectiva pós positivistas e Ubuntu do direito onde tanto as normas morais quanto as normas jurídicas se entrelaçam organizando sistemas mistos e complementares. O que faz com que o princípio moral de uma comunidade alcance um sentido universal. Atravessemos a linha do Kalunga!


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Entrevista realizada por Felipe da Silva Freitas

Fonte: bradonegro

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