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sexta-feira, 23 de junho de 2017

PANTERA NEGRA:89 MILHÕES DE VIEWS, 466 MIL POSTS E ACUSAÇÃO DE SER "NEGRO DEMAIS"


O trailer lançado há alguns dias vem tendo uma grande repercussão, mas também despertou o chorume dos "não racistas". Revejam:


O vídeo bateu 89 milhões de visualizações nas primeiras 24 horas, o que segundo dados das internets foi um recorde, deixando para trás o trailer de Star Wars Episódio 7: O Despertar da Força.

Além dos views, o trailer gerou 466 mil novas conversas nas redes sociais em sua semana de estreia.

Porém, alguns trumpistas estão reclamando que o trailer é "negro demais", "militante demais" e que "defende agenda violenta" por conta do personagem ter nome similar ao Partido dos Panteras Negras por Auto-Defesa, grupo do movimento negro dos EUA surgido na década de 1960 para combater a violência policial.

"Pesquisas dos brancos após assistirem o trailer do pantera Negra"

"Grande trabalho, Marvel. Nada como nomear um super-herói
como um violento grupo de direitos civis dos anos 60"


"Trazendo agenda violenta"

"Agora, há um super-herói vilanesco que não é apenas um terrorista doméstico, mas também tem seguidores racistas que odeiam pessoas brancas. Pantera Negra"

"Filme de preto com o nome de uma organização terrorista imediatamente após o feminista Mulher Maravilha. Nenhuma agenda aqui"

"Alguém me explica comoPantera Negra, criado pela primeira vez por Stan Lee e outro homem branco em 1966, não é pelo menos moderadamente racista." (não sei se é mais burro por acreditar em racismo contra brancos ou que Stan Lee criou alguma coisa)





"Você percebe quando fala em pessoas brancas e usa pinceladas tão largas que você está desacreditando todas as pessoas brancas que concordam com você? Quando você coloca todos nós em uma categoria e fala de todos nós como um, como isso é diferente de uma boceta racista sobre as notícias da raposa que saltam algo sobre todos os negros? Não é diferente ... há uma abundância de pessoas brancas que sabem o origens ou a vida veio"
(gente branca não está acostumada a ser tratada como um grupo
mas acha que sabe sobre racismo)

"Vocês o chamam de negro por que ele é negro?"


"Enquanto isso, pessoas brancas parabenizam a si mesmas por não reagirem de forma racista ao Pantera Negra"


O rei pira nas white tears
Fonte: hqfan

Negra, doutora, artista e das letras

O primeiro livro dela teve tiragem de 300 exemplares feitos à mão. Isso mesmo: costurados artesanalmente. Ela é palavreira: poeta, compositora, cantora, tradutora, editora de livros artesanais, zineira e blogueira. Doutora em estudos da tradução pela Universidade Federal de Santa Catarina, na interface acadêmica se interessa pelas poéticas, performances, políticas negras diaspóricas e suas traduções de autores e autoras negros e negras, lésbicas, queer, trans e/ou inclassificáveis.

Estamos falando de Tatiana Nascimento, mulher negra que, em seus escritos, junta ativismo e pesquisa acadêmica, tendo a diáspora negra como tema recorrente, bem como a dissidência sexual.

"Minha palavra poética tem sido soprada pelos ventos assim: feito brisa, feito furacão".
FOTO: Paulinha Moraes

Em uma “quase-prosa” com a jornalista Donminique Azevedo do Portal Correio Nagô, Tate fala de suas escrevivências, sobre o quilombismo como de vida, além de discutir o mercado editorial, sob a perspectiva do negro na literatura – tema que será abordado no terceiro e último encontro da série Diálogos Ausentes, nesta terça-feira (13), às 20h, no Itaú Cultural, em Sampa. No debate, Tatiana se juntará à escritora e atriz Elisa Lucinda, com a participação de dois artistas selecionados pela chamada aberta – Marcelo Ricardo e Débora Garcia, que falam sobre seus trabalhos na área literária – e mediação de Diane Lima.

Donminique Azevedo – A gente sabe que as violências às quais negras e negros estão expostos, além de matar fisicamente, pode excluir, invisibilizar, subalternizar…provocando outras mortes simbólicas. Qual leitura é possível fazer dessa problemática no campo da literatura?

Tatiana Nascimento – Interessa-me muito pensar a literatura (e outras artes narrativas, como o cinema, o teatro) como ao mesmo tempo máquina de repetição e máquina de ruptura. De repetição porque as artes narrativas em geral, quando produzidas desde corpos/subjetividades hegemônicas, insistem na representação do povo negro como sujeito preferencial da violência – seja reprodutor da violência, e aí o estigma bandido/puta/empregada exemplifica; seja alvo da violência, e aqui tô falando de como as mídias mediadas por ecrã (televisão, novela, seriado, telejornal, cinema) têm um sadismo visual operante que adora a exposição/exploração de corpos negros violentados, mortos, machucados, encarcerados.

Mas a literatura e as artes narrativas também podem ser máquinas de ruptura desse padrão, e aí vejo com muita alegria que quando subjetividades/corpos subalternizados produzem novas narrativas – ou fazem arqueologia simbólica de narrativas ancestrais igualmente libertadoras, contestadoras – os mundos novos que isso cria não ficam restritos ao campo do imaginário, das letras, das cenas, mas alimenta os horizontes do possível, da renovação, jogam no mundo espelhos onde o povo preto pode se mirar em lugares que não os estereotipados.

Nesse sentido, essas escritas negras (ou sobre negritude, uma vez que tem muita gente tentando descolonizar seus imaginários da presença racista na hora de produzir novos conteúdos literários/visuais artísticos, e tem gente negra e gente não-negra fazendo isso, algumas não-negras até acertando) operam de maneira mágica, simbólica, e concreta dessa forma especular: e isso me lembra o abebe de Oxum (a despeito de toda interpretação mais recorrente e heteronormativa que insiste em dizer que ela se mira porque é vaidosa), essa ferramenta de autoconhecimento, de olhar a si mesmx pra saber-se quem é e ainda, porque o espelho mostra também em segundo plano o que tá atrás, olhar o passado: de onde se veio.


Aprendi essa interpretação com a ativista Elisia Santos, em 2009, quando Naiara Leite me convidou pra o primeiro Encontro Nacional de Jovens Negras Feministas, e fiquei matutando isso até poder escrever minha tese de doutorado, em 2011/2014, sobre o tema. E acho que essa própria virada dentro do pensamento negro sobre nossas narrativas mais fundamentais, como são os itans, tão relacionadas aos processos de descolonização do nosso imaginário, às estratégias de sair do lugar-comum das representações sobre negritude e construir outros mundos possíveis: no plano imaginado/discursivo, primeiro, como que pra que isso já dê alguma materialidade aos mundos antirracistas que estamos tratando de construir aqui há 500 anos (de forma sistemática, organizada), né?

Durante muito tempo no mercado editorial a temática negra foi colocada como objeto, em visões distanciadas de não-negros. Atualmente, é possível acompanhar a produção mais intensa no formato “Nós, por nós mesmos”, ou seja, o negro como sujeito. Como a avalia os impactos desses movimentos e movimentações? Por que é tão representativo e tem caráter reparatório a ocupação dos espaços literários por afrodescendentes, seja como sujeito produtor ou consumidor?

Atualmente o rolé “nós por nós” na produção literária se intensificou e isso, talvez, está relacionado à produção de conteúdo ter se democratizado com os vários acessos econômicos que três gestões federais de esquerda, no governo do País, significaram, bem como o avanço de algumas políticas afirmativas pra grupos subalternizados nessas gestões. Ao mesmo tempo em que, na última gestão especialmente, povos indígenas e quilombolas enfrentaram retrocessos graves em termos de demarcação territorial e garantia ao direito de viver!!! De viver, sem consolidação de políticas públicas garantidas, e isso conta pra gente que, sim, foram governos cheios de falhas e ainda conectados com agendas políticas conservadoras e povos tradicionais estão morrendo por causa disso.
Livros artesanais da Padê Editorial.

No campo literário tem editoras mais recentes, como a própria Padê Editorial, que montei com Bárbara Esmenia em 2016, a Ijumaa, em SP; a Ogum’s Toques, em Salvador, Malê Edições, entre várias outras, que estão ampliando o território conquistado nesse quilombismo literário, engrossando o caldo de projetos pioneiros como a Mazza e a Nandyala, ambas editoras de mulheres negras. renovação no mercado editorial colonial que o Brasil ainda tem; protagonismo narrativo preto-afirmado; transformação da política da denúncia (necessário e ao mesmo tempo labiríntico) pela política do anúncio (nós falando de nós de forma efetivamente plural, de muitas vozes, muitas realidades, muitas negritudes, muitas possibilidades); a própria noção de escrita negra como vingança, como Conceição Evaristo bem definiu; mas uma vingança que é quase uma oferenda, que não é sobre retaliar o outro, é sobre ressaltar o “a gente”, nos definir por nós mesmxs, enquanto povo preto em diáspora: isso faz parte desse impacto.

Impacto que começa a ser mensurado agora, quando você vê que uma escolinha tem livros com personagens negras em que as crianças negras podem se mirar; rappers negras de 10, 11 anos falando sobre sua negritude de forma plena, afirmada, feliz, celebrativa, em resistência; e daqui uns anos vai estar mais consolidado em termos de autoestima, autorrepresentação, de formas mais subjetivamente imensuráveis mas coletivamente frutíferas no sentido de permitir que a gente, enquanto povo, seja nosso próprio griô. a história dos opressores nunca mais é a mesma, depois de ser contada do ponto de vista de quem resiste: nem eles vão seguir sendo “os senhores”, nem a gente “os escravos”, e isso o Oliveira Silveira já tinha avisado, né?

"Somos um povo letrado. muitas culturas negras se fundamentarem na oralidade da palavra não significa que as letras impressas não nos digam respeito, muito do avesso: e a Revolução dos Malês ensinou isso séculos atrás, que dominamos também as artes escritas, com maestria".

E esse é um lugar de disputa estratégico numa sociedade fundamentada no grafocentrismo, como a nossa, e que tem ainda um projeto elitista e urbano de apagamento e padronização linguístico com um português brasileiro hegemônico, sudeste-orientado. A cultura do rap taí há décadas pra dizer isso: nós, povo preto, somos um povo letrado, escrevemos, cantamos/contamos nossa própria história, e disputamos representação histórica dentro do campo da palavra. É uma guerra, né? Mas chegamos nela com tecnologias ancestrais que vão de pedras a flores. Literatura é semente, aquela pessoa minúscula que traz dentro de si o futuro de um baobá. Mesmo a linguagem sendo tão frágil, mal permitindo a gente se entender, ela ainda é mágica. E, na moral, de magia a gente entende também.

Mesmo diante dos mais variados obstáculos, como você têm trazido a público a força de sua palavra poética?

Preciso te dizer que herdei de minha mãe, uma paraense escorpiana, uma grande sorte e senso de organização (ela é bibliotecária). De meu pai herdei minha negritude resistente e a graciosidade das palavras: ele é um libriano típico, cantor, compositor, trocadilhista, e que nunca abaixou a cabeça pra polícia na hora dum baculejo. Te digo isso pra te dizer que no campo da palavra, falada escrita ou cantada, eu não enfrentei nenhum obstáculo até hoje além de mim mesma: uma enorme timidez que às vezes é imobilizante e silenciadora, e essa aparência, esse corpo gordo que não é escuro o bastante pra ser reconhecido como negro em muitos ambientes mas que é escuro o bastante pra ser considerado de servente. Algumas vezes aconteceu de eu chegar num lugar pra me apresentar, ser a palestrante convidada, ou a poeta residente e as pessoas me confundirem com a copeira, pedirem água, cafezinho. Especialmente em espaços institucionais/acadêmicos. Que bom que a elite branca não me toma como uma de suas pares e me reconhece como quem eu sou: uma pessoa negra. Com os estereótipos e lugares sociais que costumam destinar pra gente. Quando isso aconteceu eu só respondi indo fazer o trabalho pro qual tinha sido chamada. De resto, os obstáculos são aquelas provas que 500 anos de colonização racista e sexista já nos acostumara a enfrentar, e são estruturantes: falta de credibilidade à produção, questionamento quanto à qualidade do conteúdo, acusação de panfletarismo, demanda de imparcialidade…

Quando terminei o doutorado e resolvi dar um tempo na produção acadêmica pra me dedicar à minha poesia e minhas canções ficou tudo mais fácil na real, porque é sobre a minha própria palavra voar num céu que é convidativo pra ela: sarau, slam, roda de conversa, espaços de formação não-escolarizados, festival de compositoras… Na universidade era de “você como lésbica negra falando sobre escrita de lésbicas negras… seu texto é muito tendencioso”, ou “não conhecemos essas autoras, fica difícil avaliar seu trabalho” pra baixo.
"Acho ainda difícil concorrer com a noção tradicional de poesia (algo elitista, burguês, que se fala num café chique) quando vou participar de algum edital, e vejo quem geralmente é selecionadx pra eventos/publicações de poesia, mas sei lá, me formei na escola do faça-você-mesma: se não tem espaço pra mim aqui, vou ali e faço meu próprio espaço. Quilombismo como modo de vida, mesmo".

A Padê Editorial é muito isso, uma editora de livros artesanais pra publicarmos outras autoras negras y/ou fanchas, viadas, trans e travas. Os primeiros livros foram “{Penetra-Fresta}”, de Bárbara (SP), depois meu “Lundu,” (DF), depois “Interiorana”, da Nívea Sabino (MG), mais recentemente “Tautologias”, da Daisy Serena (SP também). Em julho, no Latinidades (Festival da Mulher Negra Afrolatino Americana e Caribenha, em Brasília), vamo publicar Nanda Fer Pimenta, a poeta preta mais visceral de São Sebastião (DF), com “sangue”, e Kika Sena, com sua poesia de sereia trans manguabense radicada em brasília, no livro “Periférica”. A tiragem vai aumentar pra 500 exemplares, “Sangue” é uma produção quase 100% São Sebastião (o ilustrador é da quebrada, além da Nanda, e vamos costurar os livros lá), “Periférica” quase 100% trans (ilustrador trans, Amara Moira topou fazer a apresentação, Kika vai costurar os livros comigo). Acho massa poder combinar no projeto editorial da Padê forma e conteúdo. Rede de produção, de divulgação e de circulação. Pensar numa coisa que seja sobre negritude e sobre dissidência sexual e que conteste as grandes normas de produção editorial e o mercado do tempo mecanizado, do ritmo maquinário.

Minha palavra poética tem sido soprada pelos ventos assim: feito brisa, feito furacão. Publico zine, publico blog, publico livro, solto palavras ao vento, envio áudio-poema pra uma amiga que tá triste, recebo vídeo-poema de uma amiga quando tô triste (o racismo, a lesbofobia, a falta de emprego, a falta de carinho, a extinção de outras espécies deixam a gente muito triste às vezes). Encontro num sarau em outra cidade aquela poeta que eu só tinha lido num livro na casa de uma amiga, a gente se abraça, eu digo como gosto da poesia dela e ela diz que conhece a minha e que gosta também! A força da minha palavra poética, eu acho, tá em reconhecer que somos frágeis: esse projeto de mundo é frágil, nossos corpos são frágeis, o tempo nos torna cada vez mais quebradiçxs e o vento leva tudo embora, até as palavras. E aprendemos a sobreviver juntxs: compartilhando axé, compartilhando comida, compartilhando semente, compartilhando palavra, compartilhando futuro. Talvez a força taí: viver em comunidades de palavras, e lutar por encher elas de sentido, de combinar elas com as práticas. Porque também só falar não adianta, né?

Então, vamos de poesia da própria Tatiana Nascimento:
baobá
cheio de lagri
mar, o meu peito tá cheio de lagri
mar. pra quem veio do lado de lá do mar, é
no peito que planta si-próprio: lar. cheio de lasti
mar, o meu peito num veio pra lasti
mar. pra quem pensa que banzo é sobre volt
ar, o futuro é um meio de retornar. cheio de l’amém
tar, o meu peito tá cheio de lá, men
tal. pra quem tejo do avesso do
tempo, mar, é no peito
que dança-si: um
baobá


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*Donminique Azevedo é repórter do Portal Correio Nagô.

Fonte: correionago

quinta-feira, 22 de junho de 2017

17 pessoas negras da História que você não viu na escola

Na escola, provavelmente, você não ouviu falar sobre os guerreiros e guerreiras ou líderes quilombolas que desenharam a História do Brasil. Ao contrário da ênfase na trajetória dos imperadores Dom Pedro I e II, por exemplo, pouco se estuda dentro da sala de aula a influência negra de nosso país além da escravidão.

Pensando nisso, a plataforma educacional gratuita Quizlet convidou Stephanie Ribeiro, estudante de Arquitetura da PUC de Campinas (SP) e ativista feminista negra, para elaborar uma lista com 17 pessoas importantes da cultura negra do Brasil. No site interativo é possível aprender sobre cada uma delas de forma dinâmica.

“Quem é quem na história negra do Brasil” te leva a descobrir o quanto você conhece sobre as personalidades negras brasileiras. Clique aquipara acessar a plataforma e jogar. O conteúdo também traz os marcos da história negra (confira aqui). Abaixo, veja alguns dos nomes reunidos:

Créditos: Reprodução/Quizlet
Abdias Nascimento

Foi um poeta, ator, escritor, dramaturgo, artista plástico, professor universitário, político e ativista dos direitos civis e humanos das populações negras.

Créditos: Reprodução/Quizlet
Antonieta de Barros

Pioneira no combate a discriminação dos negros e das mulheres, foi a primeira deputada estadual negra do país. Atuou como professora, jornalista e escritora.

Créditos: Reprodução/Quizlet
José do Patrocínio

Foi um farmacêutico, jornalista, escritor, orador e ativista político brasileiro. Destacou-se como uma das figuras mais importantes dos movimentos Abolicionista e Republicano no país.

Créditos: Reprodução/Quizlet
Carolina Maria de Jesus

Considerada uma das primeiras e mais importantes escritoras negras do Brasil.

Créditos: Reprodução/Quizlet
Lima Barreto

Foi um jornalista e escritor que publicou romances, sátiras, contos, crônicas e uma vasta obra em periódicos, principalmente em revistas populares ilustradas e periódicos anarquistas do início do século XX.

Créditos: Reprodução/Quizlet
Lélia Gonzalez

Intelectual, política, professora e antropóloga brasileira.

Créditos: Reprodução/Quizlet
Luisa Mahin

Uma ex-escrava africana, radicada no Brasil, mãe do abolicionista Luís Gama.

Créditos: Reprodução/Quizlet
Luís Gama

Foi um rábula, orador, jornalista e escritor brasileiro.

Créditos: Reprodução/Quizlet
Tereza de Benguela

Foi uma líder quilombola que viveu no atual estado de Mato Grosso, durante o século XVIII. Foi esposa de José Piolho, que chefiava o Quilombo do Piolho (ou do Quariterê). Com a morte do marido Teresa se tornou a rainha do quilombo.

Créditos: Reprodução/Quizlet
Zumbi dos Palmares

Foi o último dos líderes do Quilombo dos Palmares, o maior dos quilombos do período colonial.

Fonte: catracalivre

Como a Academia se vale da pobreza, da opressão e da dor para sua masturbação intelectual


Por Clelia O. Rodríguez*,
As políticas de decolonialidade não são o mesmo que o ato de descolonizar. A maneira como as expressões “decolonizar a mente / coração” ou simplesmente o verbo “decolonizar” têm sido utilizados em espaços acadêmicos é preocupante. Meu avô era um decolonizador. Ele está morto agora; mas, se ele estivesse vivo, provavelmente coçaria a cabeça – em sinal de desconfiança – caso esses acadêmicos tentassem lhe explicar o conceito.

Estou preocupada sobre como o termo está começando a evocar uma pretensão de livrar-se de práticas coloniais, sob o comando daqueles entes que, em realidade, operam totalmente submetidos a essas práticas. A decolonialidade soa e significa coisas diferentes para mim, enquanto mulher de cor, do que deve significar para uma pessoa branca. E por que isso importa? Por que eu sinto um incômodo quando eu ouço este termo em espaços acadêmicos, majoritariamente brancos, onde pessoas de cor(1)permanecem como tokens(2)? Por que minha garganta se torna uma prisão de palavras que não podem ser articuladas em frases completas? É possível que seja por que nessas práticas pretensamente “decolonizantes” estamos sendo colonizados mais uma vez?

Eu não tenho o privilégio de ser tratada com a mesma humanidade com que um erudito branco ou alguém que age como tal é tratado. A atuação daqueles que nos “concedem” humanidade e que afirmam estar criando espaços para pessoas de cor, precisa ser desafiada. Eles promovem ações afirmativas de formas risíveis. Durante os processos seletivos para vagas de emprego, somos questionados se somos imigrantes/estrangeiros/gringos ou não. Será que uma pessoa branca experimenta a sensação nauseante que vem quando uma pessoa de cor é questionada dessa maneira? Ou qualquer outra terminologia depreciativa a que sou forçada a suportar enquanto continuo na corrida para me tornar a “America’s Next Top Academic”(3)? E esses mesmos colegas brancos que não conhecem estas experiências, sorrateiramente se oferecem para fazer falas e apresentar trabalhos em conferências sobre metodologias para decolonialidade, apenas para se mostrarem aliados às pessoas de cor.

Os efeitos do networking(4) são uma das múltiplas formas de decolonização presentes neste campo das ciências humanas que se mostram, em verdade, ser uma farsa. Se eu entendo bem de história, Cristóvão Colombo foi realmente bom na criação dessas redes de contatos que chamamos networking. Ele prendeu pessoas como eu em correntes, fazendo-nos acreditar que era tudo em nome da criação de uma teia para conectar a todos nós sob o feitiço de kumbaya(5).

Espaços acadêmicos não são precisamente seguros, nem mesmo são locais onde a liberdade de expressão é realmente bem-vinda. Nem todos temos o luxo de falar livremente sem sermos penalizados e chamados de radicais, emocionais demais, raivosos ou não acadêmicos. Na verdade, o trabalho de decolonização abre mão daquelas pessoas sobre as quais se referem. Afirmar que estamos no campo dos estudos de decolonialidade não é o suficiente. Não é surpresa que mesmo aqueles que estão engajados em decolonizar os métodos, reproduzam e sofisticam os métodos eurocêntricos, porque estamos envolvidos no colonialismo neste ambiente disseminado por corporações.

“Eu gostaria de saber o que esses jovens estão fazendo aqui – Ou seja, por que você viajou até a nossa terra de Mapuche? Para quê veio? Para nos questionar? Para nos transformar em objetos de estudo? Eu quero que você volte para casa e que responda a essas preocupações que eu tenho carregado em meu coração por muito tempo.”

Essa foi a resposta da líder de Mapuche, Ñana Raquel, para o grupo de estudantes de Direitos Humanos dos Estados Unidos que visitavam Curarrehue, região Araucanía, no Chile, em abril de 2015. Sua raiva me motivou a refletir em como repensar, questionar e reler perspectivas de como estou experienciando as ciências humanas e como estou politizando meus fazeres em meu sistema rizomático(6). Fazemos isso quando nos envolvemos em pesquisas? As perguntas de Ñana Raquel, a raiva justa e sua reação me forçaram a reconsiderar múltiplas perspectivas sobre o que realmente define um território, algo que meu avô me ensinou cuidadosamente quando aprendi a ler coisas do cotidiano.

Como pensadores politizados, devemos refletir sobre essas experiências se estivermos realmente envolvidos em discussões profundas sobre solidariedade, resistência e territórios nas ciências humanas. Como nós, enquanto acadêmicos, estamos nos empenhando no trabalho de alcançar os cânones e, ao fazê-lo, podemos realmente admitir o que nos levou até lá? Muitos de nós, operando em espaços acadêmicos homogêneos (com alguns toques de tendência liberal), conformam-se quando essa pergunta é feita sem rodeios.

Como alguém que foi observada e estudada sob os microscópios dos gringos em 1980, quando pedagogos vieram nos perguntar como a vida era em uma zona de guerra em El Salvador, as questões de Raquel ecoaram especialmente em mim. Nós duas saímos de nossas terras e conseguimos adentrar os cânones norte-americanos que serviam a determinadas agendas de pesquisas. Neste sentido, nós compartilhamos experiências similares de sermos “lidas” de acordo com certo critério histórico.

A voz de Raquel era apaixonada. Naquele dia, nós tínhamos congregado na Ruka de Riholi. Diante do centro e em um círculo, nós prestávamos atenção no silêncio dos idosos. Raquel nos ensinou uma lição impagável. Após questionar os processos utilizados para realizar projetos de pesquisa no Nepal e na Jordânia, a demanda emocional e verdadeira de Raquel resultou no golpe final: ela nos mostrou que enquanto nós podemos ter a face externa da consciência política, continuamos a usar uma disciplina acadêmica para estudar comportamentos “exóticos” e, ao fazê-lo, estamos, na verdade, diminuindo, humilhando e negando lições do que realmente constitui um intercâmbio cultural na perspectiva deles?

A partir destas interações neste campo emergem questões que vão ao cerne do problema: Como lidamos com questões de compromisso social nas ciências humanas?Desaprendendo? Em vários casos, círculos acadêmicos remetem mais a circos que do que a centros de ensino superior, em que uma cultura de competição, baseada em pressões externas, motivam o relacionamento entre o professor e o aluno.

Uma das consequências trágicas de um sistema tradicional de educação superior acontece, por exemplo, com aqueles que dizem ter expertise no tópico de ativismo social, mas que nunca tiveram experiência com qualquer forma de intervenção. Eu me refiro, aqui, àqueles acadêmicos que construíram carreiras baseadas no sofrimento de outros, ao consumir o conhecimento obtido em comunidades marginalizadas. Esta mesma prática de “falar sobre o qual você sabe pouco (ou nada)” é transmitida, sendo reconhecida ou não, aos estudantes que nós, enquanto professores e mentores, estamos preparando para realizar estudos sobre decolonialidade.

Linda Smith fala sobre o desdém que ela tem pela palavra research (pesquisa), a qual ela vê como uma das palavras mais “sujas” da língua inglesa. Eu não poderia concordar mais. Quando sentamos cada semestre para escrever um guia para “desaprender”, ou melhor, um programa de estudos, nós devemos refletir sobre como podemos incluir conteúdo que irá ajudar a transmitir uma disciplina pré-definida das ciências humanas com realidades sociais atuais. Como podemos criar um espaço no qual um estudante pode se expressar livremente sem ter medo de receber uma má avaliação?

Hoje, tudo ou qualquer coisa é permitido se houver o selo de aprovação pós-colonial ou decolonial, mesmo se o assunto for desprovido de qualquer urgência política. Essas tendências parecem, na melhor das hipóteses, serem apenas decorativas, e por isso devemos desafiar as bases dessas tentativas. Não adianta continuarmos criticando o sistema neoliberal se ao mesmo tempo mantemos visões superficiais de solidariedade sem nos aprofundarmos para um melhor entendimento. Essas são atitudes em que damos tapas em nossas próprias costas, mas no final só estamos abrindo espaços para os futuros consumidores de prestigio ou insufladores de ego acadêmico.

Os corredores da instituição em que eu atualmente trabalho estão cheios dessa falsa solidariedade em posters/cartazes sobre conferências, colóquios e viagens sobre o hemisfério sul que custam o olho da cara. Desde que você tenha dinheiro para pagar a sua tarifa aérea, hotel, refeições e transporte, você pode adicionar também duas linhas em seu curriculum vitae e falar sobre o novo movimento social e suas estratégias radicais para desmantelar o sistema. Você também pode participar dos diálogos academicistas sobre pobreza e direitos trabalhistas ao mesmo tempo em que você passa por uma faxineira trabalhando em condições ilegais e desumanas que irá arrumar a sua cama enquanto você vai para uma importante conferência falar sobre as dificuldades que ela passa.

Nós devemos fazer um trabalho melhor quando se trata dos resultados que obtemos sobre pobreza, horror, opressões – que seriam as partes essenciais para se chegar ao orgasmo – por meio da “masturbação intelectual”. O que nos levaria ao êxtase e liberaria formas de discussão, propondo questões, escrevendo propostas, etc. E então nós mudaríamos para outras formas de entretenimento. O neoliberalismo fez com que tudo virasse um produto ou uma experiência. Nós devemos examinar com cuidado a lógica de poder que está por trás dos nossos projetos e trabalhos de pesquisa. Nós devemos escutar o silêncio, o que não está escrito, e prestar atenção nas dinâmicas internas das comunidades e como nós classificamos as suas experiências, se estivermos mesmo comprometidos com o trabalho epistemológico da decolonialidade.

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*Clelia O. Rodriguez é uma educadora, nascida e criada em El Salvador, América Central. É graduada pela York University em Literatura Espanhola. É mestra e doutora pela University of Toronto. Também lecionou nos programas de graduação e pós-graduação em língua, literatura e cultura hispânica na University of Toronto, no Washington College, na University of Ghana e na University of Michigan. Foi também professora visitante em Direitos Humanos nos Estados Unidos, no Nepal, na Jordânia e no Chile como parte do International Honors Program (IHP) da School of International Training (SIT). Ela lecionou Questões Comparadas nos Direitos Humanos e Ética no Trabalho de Campo e Métodos Comparativos de Pesquisa. Ela é interessada em perspectivas decoloniais para o ensino e o engajamento em métodos e pedagogias críticas para as salas de aula.

Texto originalmente publicado em RaceBaitR como “How Academia Uses Poverty, Oppression, and Pain for Intellectual Masturbation”. Disponível em:http://racebaitr.com/2017/04/06/how-academia-uses-poverty-oppression/. Tradução coletiva de Bruna Paz, Helena Rosa, Marcos Queiroz, Mariana Barbosa, Roberta Borges e Uila Gabriela Cardoso.

NOTAS

(1) POC = people of color = pessoas de cor – pessoas negras, latinas, indígenas ou miscigenadas de forma geral
(2) Dispositivo eletrônico gerador de senhas. Utilizado como chave de segurança para acesso a sistemas processuais eletrônicos desenvolvidos pelo judiciário. Nesse caso, tokenizar seria o ato de se utilizar da presença, da proximidade ou de uma relação com uma pessoa negra para se eximir de cometer racismo. Também ocorre quando uma pessoa negra, num espaço ocupado pela branquitude, é usada para legitimar atos racistas naquele espaço ou grupo. Como se a presença de um pessoa negra num determinado espaço ou numa relação eximisse o emissor de ser racista.
(3) Referência ao reality show estadunidense “America’s Next Top Model”, no qual busca-se a consagração da melhor supermodelo do país a cada temporada. Numa tradução literal, seria o Próximo ‘Top-Acadêmico’ Americano.
(4) Networking é o ato de criar uma rede de conexões acadêmicas e/ou profissionais, com o intuito de fortalecer o debate sobre determinado tema. Tradução literal: networking = rede.
(5) Kumbaya é uma palavra de um dialeto negro utilizado para comunicação entre os escravizados no período da escravatura estadunidense. Representa um chamado de Deus, um pedido de ajuda. Originalmente presente num spiritual – espécie de mantra musical – cantado pelos escravizados em momentos de desespero.


Capes autoriza abertura de Mestrado Acadêmico em Estudos Aficanos, Povos Indígenas e Culturas Negras


Foi autorizado, pela Área de Avaliação de História na Capes, a abertura do Curso de Mestrado em Estudos Africanos, Povos Indígenas e Culturas Negras. O Curso está vinculado à Unidade Acadêmica de Educação a Distância - UNEAD/UNEB e tem previsão de abrir seleção para 20 alunos regulares ainda este ano, segundo informações do Coordenador, Prof. Dr. Ivaldo Marciano de França Lima.

Com o objetivo de atender a demanda criada pelas leis nº 10639/03 e nº 11645/08, a investigação e o ensino sobre as relações étnico-raciais, e promover a investigação de temas enraizados na realidade regional e nacional, a proposta do curso apresenta enfoque nos Estudos Africanos e nas experiências dos negros e dos indígenas no Brasil, com linhas de pesquisa em Cultura, Educação e Memória e Representações (1) e Estudos Sobre Raça e Relações Étnicas: África e Africanos, Povos Indígenas e Negros Brasileiros (2). 

Os dados da proposta do novo Mestrado já podem ser acessados através do módulo Coleta de Dados, no site da Plataforma Sucupira CAPES: https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/.

quarta-feira, 21 de junho de 2017

Aula: História do Movimento Negro (22/06)





Salve, salve Quilombo !

Nesta quinta (22), teremos um momento muito especial, convidamos algumas presenças majestosas para falar um pouco da história do movimento negro e também da trajetória destas pessoas na militância negra dentro da UNB. 

O Diretório Negro Quilombo está construindo empoderada e amorosamente um Movimento Negro na UnB e convida integrantes do EnegreSer - Coletivo Negro do DF e Entorno para partilhar o princípio desta caminhada de enegrecimento do campus. Compartilharemos desde o processo de nascedouro deste coletivo, a instituição do Sistema de cotas raciais para negr@s e ações de fomento de consciência afrocentrada no campus. Bora saber como surgiu o Centro de Convivência Negra, o Manual d@ Candidat@ Cotista, a disciplina Pensamento Negro Contemporâneo, O Enterro das Idéias Racistas e seu Cortejo, o Murro das Afirmações, a ação de Consciência Negra nas escolas de ensino médio, o informativo Letra Preta, o EnegreSer Filmes, O ciclo de PNC - aulas inaugurais para Cotistas, o romper de portas, os diálogos possíveis, as parcerias pretas e muito mais. Sejam bem-vind@s! 

Serviço:
Aula: História do Movimento Negro
Data: 22/06
Hora: Das 14:00hrs, às 16:00hrs.
Local: Quilombo - Diretório Negro UnB
(Universidade de Brasília, Campus Darcy Ribeiro, Sala BT 620)


A vez da literatura produzida por negros e pobres

A escritora Carolina Maria de Jesus se tornou leitura obrigatória dos vestibulares da Unicamp e da UFRGS. Enquanto a Flip vai homenagear Lima Barreto

A escritora Carolina Maria de Jesus AGÊNCIA BRASIL

Em 2013, liderava a equipe de professores de Língua Portuguesa de um grande colégio paulistano, e decidimos adotar o livro Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus, como leitura obrigatória. Trata-se, como diz o subtítulo, do diário de uma favelada, em que a autora relata o dia a dia cruel em meio à miséria na periferia de São Paulo.

Poucas vezes vi tamanha reação a uma leitura escolar. Pais nos acusavam de muitas coisas. Uma delas: promover a ignorância em relação à norma gramatical, aludindo ao texto da autora que pouco frequentou a escola. A outra (a meu ver, a pior): o que o relato de vida de “uma favelada” acrescentaria à formação cultural de seus filhos?

Escapava àquelas pessoas, no entanto, o fato de que desvios formais não impediam a autora de criar imagens, estabelecer analogias, refletir sobre o cotidiano e, acima de tudo, narrar com enorme sensibilidade e inteligência seucotidiano de mulher pobre, que certa vez recorreu ao lixo para dar um par de sapatos a sua filha.

Para muitos (não só os pais daquele colégio), Carolina não fez literatura, apenas escreveu diários, cujo tom confessional prejudicaria o caráter “literário” do texto. Como se diários, sermões, discursos políticos e outros tantos gêneros não recebessem, ao longo do tempo, achancela de literatura.

O problema com Carolina era – e é – outro: é o lugar de onde ela fala. Das periferias, das favelas, dos lixões. De lá, emergiu uma voz que não se calou nem cedeu lugar à interposição dos mais letrados.

Agora, em 2017, Carolina Maria de Jesus é leitura obrigatória para os examesvestibulares da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Se serve como legitimação, antes tarde do que nunca: mulher, negra, pobre, favelada, catadora de lixo e escritora. Das maiores do Brasil.

Neste mesmo 2017, a Festa Literária de Paraty (Flip) terá como homenageado principal Lima Barreto. A programação do evento, recentemente divulgada, conta ainda com muitos escritores negros, brasileiros e estrangeiros.

A escolha da curadoria da Flip faz justiça ao escritor carioca de origem humilde e vida tão madrasta quanto curta. Anterior à festa da Semana de 1922, não foi incluído no rol dos modernos e, nos livros didáticos dedicados à literatura, fica num limbo estético, confinado à ambígua categoria de “pré” alguma coisa.

Para além da simbologia social que envolve o escritor negro e pobre, vítima do alcoolismo, recusado pela Academia Brasileira de Letras e enjeitado por certas altas rodas intelectuais de seu tempo, deve se ressaltar o período em que viveu e que tão bem retratou (e criticou): a República nascente, hoje paradoxalmente chamada de “Velha”, mas que à época era nova.

O Brasil desse tempo era o país da alternância de poder entre as classes dirigentes paulistas e mineiras. Era o país da higienização dos cortiços cariocas, do massacre de Canudos, da Guerra do Contestado, do grito sufocado de populações marginalizadas tratadas como ameaça de sublevação social e retrocesso histórico.

Certamente Lima Barreto acompanhou os debates raciais que mobilizaram a intelectualidade brasileira à época, dividida entre os derrotistas (a mistura racial vai degenerar nosso povo) e os otimistas (a mistura fará prevalecer a raça branca, afinal a mais forte, e teremos um grande futuro). Como terá sido para alguém como ele ter de conviver com tais discursos, que na época contavam com a prestigiosa chancela da ciência?

Tanto os vestibulares como a Flip não poderiam ter feito escolhas mais significativas diante de nosso atual momento histórico. Não apenas pelo prestígio, ou mesmo pelo resgate, de autores negros de origem modesta. Mas pelo testemunho de suas obras frente às hipocrisias, injustiças e contradições do Brasil.

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José Ruy Lozano é sociólogo, autor de livros didáticos, conselheiro do Cipi (Conselho Independente de Proteção à Infância) e coordenador pedagógico geral da Rede Alix - Colégio Nossa Senhora do Morumbi.

Fonte: brasil.elpais.

Mariana, aprovada em mestrado na Suíça, tataraneta de escrava ressalta luta por educação: ‘Mérito dos meus antepassados’

Mariana foi aprovada para mestrado na Suíça (Foto: Arquivo pessoal)

Tataravó de Mariana, de Campinas, foi escravizada até os 29 anos, e dedicou o restante da vida para que as futuras gerações tivessem acesso ao ensino.

Por Murillo Gomes,
A história da família da jornalista Mariana Alves Tavares, de Campinas (SP), pode se resumir à palavra educação. Filha de um vendedor e uma recepcionista, neta de professor, bisneta de funcionária pública e tataraneta de escrava, a jovem, de 24 anos, foi aprovada para o mestrado em antropologia e sociologia do desenvolvimento em universidade de Genebra, na Suíça, e será a primeira geração a sair do Brasil para estudar e contar a história da família.
“Eu considero que os méritos do que eu estou tendo hoje são mais méritos dos meus antepassados do que meus. Eles lutaram para transpor as barreiras históricas raciais e sociais para que eu tivesse a oportunidade que eu tenho hoje”, diz Mariana.
A jovem trabalhou na Organização das Nações Unidas (ONU), em Brasília (DF), e já esteve em Genebra para dividir experiências com afrodescendentes de diferentes países. Com toda a bagagem e o que ainda está por vir, Mariana diz que a intenção é olhar para o Brasil de forma a entender por que questões raciais ainda interferem na evolução do país.

“Não dá para desenvolver um país desenvolvendo uma parcela pequena da sociedade, quando a maioria populacional é considerada minoria em acesso aos direitos”, afirma.

Sua tataravó, Sebastiana Sylvestre Correa, nasceu em 1859, em Minas Gerais. Ela foi escravizada até os 29 anos, quando a Lei Áurea a alforriou em 1888. Mãe de oito filhos, Sebastiana nunca aprendeu a ler ou escrever, mas lutou para que suas futuras gerações tivessem acesso à educação.
“A minha bisavó e as irmãs dela ganharam bolsas de estudos e conseguiram estudar. Ela [tataravó] tem um nome, um sobrenome. Ela foi muito mais do que isso, não apenas uma ex-escrava”, exalta Mariana.
Sebastiana Sylvestre Correa, tataravó de Mariana (Foto: Arquivo pessoal)

Campanha para a viagem

Com duração de dois anos, o mestrado no Instituto Universitário de Altos Estudos Internacionais (Graduate Institute of International and Development Studies, em inglês), previsto para começar em setembro, tem um valor aproximado de R$ 13,5 mil por semestre. Mariana recebeu bolsa de 75% para a mensalidade [leia mais abaixo], além de auxílio integral dos custos de vida na Suíça.

A família da jovem não consegue bancar as despesas restantes, que seriam em torno de R$ 10 mil para o primeiro ano de estudos. Ela criou, então, a campanha “Mestrado da Mariana no Graduate Institute” em uma plataforma de financiamento coletivo, onde já superou o valor pedido para bancar, além das taxas da universidade, uma passagem só de ida à Genebra.


“O valor que eu ganhar a mais vai cobrir essa diferença de câmbio, e também vai me ajudar a ter um dinheiro emergencial, porque o valor que eu coloquei não me dá nenhuma margem de erro”, explica.

Mariana Alves Tavares, de Campinas, é tataraneta de escravos (Foto: Arquivo pessoal)

Estágio na ONU

Antes de chegar ao mestrado na Suíça, no último ano do curso de jornalismo na Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Bauru (SP), a então estudante foi aprovada em um estágio no Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (Unaids) em uma agência da Organização das Nações Unidas (ONU), em Brasília, e se mudou para o Distrito Federal.

Neste período, faltando um semestre para a conclusão da faculdade, ela precisou conciliar o trabalho na capital do país com os últimos projetos universitários, além do tempo dedicado à venda de semijoias para complementar a renda.


“Eu sabia que a condição financeira da minha família de arcar com os custos de viver em Brasília, que é uma das cidades mais caras do país, seria algo complicado […] Foi um esforço [vender joias], mas que não atrapalhava a minha dedicação no estágio, que era algo que eu levava como uma oportunidade para a minha família”, relembra Mariana.

No fim de 2015, a jornalista recém-formada foi contratada por outra agência da ONU em Brasília, onde trabalhou por cerca de mais um ano.
“Trabalhar na ONU foi uma experiência incrível. Eu escolhi jornalismo porque me interessa muito o papel que a comunicação pode exercer na vida das pessoas […] Isso me fez ter certeza da carreira que eu quero seguir, de trabalhar com direitos humanos”, afirma Mariana.
Mariana em visita à sede da ONU, em Genebra (Foto: Arquivo pessoal)

Experiência na Suíça

No período que viveu em Brasília, Mariana se inscreveu para o Fellowship for People of African Descent, programa da ONU que oferece aos participantes a oportunidade de fazer uma apresentação sobre questões como direitos civis, políticos e sociais de pessoas afrodescendentes de seus respectivos países.

Aprovada, surgiu assim a primeira oportunidade de Mariana visitar a Suíça, em novembro do ano passado.

“Era uma apresentação aberta na sede da ONU para todos os funcionários das Nações Unidas. Essa pressão de falar sobre um tema envolvendo algo sobre o seu país, além de tudo em inglês, era uma coisa que me trazia muito medo, porque era um peso muito grande”, relembra.

Mariana, quarta da esquerda para a direita, durante encontro com participantes do Fellowship (Foto: OHCHR)

Orgulho

A maneira que ela encontrou para encarar a apresentação foi contando a trajetória de sua família.
“Uma família afro-brasileira com dedicação à educação e [contei] como, através dessa educação, a gente teve as oportunidades de acessos aos espaços que a gente tem hoje, mas que infelizmente essa realidade não representa o todo do país, porque o Brasil ainda é um dos países mais desiguais do mundo”, diz Mariana.
Da mesma maneira, em duas cartas, ela contou sua história para ingressar na Graduate e conseguir as bolsas para se manter na Suíça.

“Em uma delas eu falei sobre a minha experiência na ONU e por que eu queria fazer o mestrado no Graduate com foco em antropologia e sociologia do desenvolvimento. Na outra carta eu tinha que falar por que eu precisava de apoio financeiro da universidade, e foi nessa que eu contei a história da trajetória da minha família e do por que eu estava tendo essa oportunidade que eu sonho em ter”, conta.

Em 1959, Correio Popular, de Campinas, contou a história da tataravó de Mariana, Sebastiana 
(Foto: Arquivo pessoal)

Aplicando a mudança

Ela conta que tentou desde cedo não se deixar abalar pelo racismo, mas relata que vivenciou momentos que a fazem acreditar que, mesmo com o fim da escravidão, o Brasil ainda não passou por uma “mudança efetiva quando se trata da questão afrodescendente”.
“Uma pessoa afrodescendente no Brasil é cerceada de inúmeros direitos […] Ainda há muita desigualdade, ainda há muita discriminação no dia a dia, no trabalho, nos estudos, na saúde, na política”, diz Mariana.
Aguardando a chegada do visto, ela planeja seguir carreira dentro das Nações Unidas, onde, no futuro, quer trabalhar com cooperação e desenvolvimento internacional.
“Eu considero que o desenvolvimento de um país está muito além da questão política e econômica. Existem ainda questões culturais, históricas e sociais que interferem tanto quanto no desenvolvimento daquele local […] Isso é um dos fatores do porquê eu escolhi esse curso”, finaliza.
Fonte: G1.

ONU Mulheres enfatiza força do movimento negro nacional e internacionalmente

O Brasil tem movimento negro bastante forte nacional e internacionalmente, e é graças a ele que o tema do racismo estrutural passou a ser abordado no país. A afirmação foi feita esta semana (12) pela gerente de programas da ONU Mulheres, Ana Carolina Querino, em entrevista à Rádio Vaticano.

O Brasil tem um movimento negro bastante forte nacional e internacionalmente, e é graças a ele que o tema do racismo estrutural passou a ser abordado no país. A afirmação foi feita esta semana (12) pela gerente de programas da ONU Mulheres, Ana Carolina Querino, em entrevista à Rádio Vaticano.

“O movimento negro teoriza bastante, denuncia bastante, tem sido atuante. É em função das ações desse movimento que o tema passou a ser tratado, que começaram a vir as primeiras respostas do Estado brasileiro para a questão racial no país”, disse Ana.

Segundo a gerente da ONU Mulheres, foi por conta do movimento negro brasileiro que a própria autoestima da população afrodescendente passou a crescer, assim como o reconhecimento. “Essa proporção de 53% de afrodescendentes (no Brasil) aumentou ao longo da década de 1990 e 2000 em função de campanhas implementadas pelo movimento negro com o mote ‘não deixe sua cor passar em branco’”, explicou.

“O instituto de estatística faz a pergunta como autodeclaração, a pessoa responde como se vê. Muitas pessoas por vergonha ou por não se reconhecer como negro, acabavam falando outras denominações: mulato, moreninho, chocolate. Vários outros nomes que não são brancos, mas em função do racismo na sociedade, é difícil se autodenominar como negro. As ações do movimento negro vieram nesse sentido de reforçar a autoestima e o reconhecimento”, declarou.

De acordo com Ana, o Brasil passou por um bom tempo de negação da questão, com a prevalência da falsa noção de democracia racial, apesar de toda a desigualdade e segregação enfrentada pelos negros na sociedade brasileira.

O Brasil tem movimento negro bastante forte internacionalmente, disse a gerente de programas da ONU Mulheres, Ana Carolina Querino. Foto: RV

“Havia essa ideia de que as relações eram pacíficas. Por muitos anos, essa noção foi responsável por silenciar a voz de luta e de protesto de muitos movimentos negros do país”, disse. “O caminho a percorrer é muito longo, mas os passos vem de longe e estão sendo dados”, concluiu.

Ana citou alguns dados sobre o racismo estrutural presente no país: 70% dos pobres são negros; dois em cada três assassinatos são de negros; as diferenças salariais são enormes entre brancos e negros; as cotas criadas nos anos recentes para o acesso dos negros às universidades ainda não estão tendo efeito no mercado de trabalho, entre outros.

Ela endossou a importância da Década Internacional de Afrodescendentes 2015-2024, aprovada há dois anos pelas Nações Unidas. O Brasil tem tido papel ativo na definição das ações da Década, que incluem campanhas contra a mortalidade dos jovens negros, valorização da mulher negra, combate ao racismo institucional, valorização dos quilombolas e das religiões de origem africana, reconhecimento das figuras negros nos diversos âmbitos do conhecimento, entre outras.

Fonte: Nações Unidas.

terça-feira, 20 de junho de 2017

Parem de nos matar!

Alguma coisa acontece no Pará… Tem sangue de gente pobre e preta sendo derramado aos litros e quem se importa? A cada semana sabemos de uma ou mais chacinas, mas e as que não sabemos? Carros pretos e pratas levam terror às periferias, de Belém. E já ultrapassaram a questão do imaginário popular ou da sensação de insegurança. Está virando uma cruel rotina de medo! De viver com a incômoda sensação de que há uma arma apontada para a nossa direção. Em janeiro, após a morte de um policial militar, em abril de novo, em maio e agora em junho. Essa é a quarta chacina registrada, neste ano, na capital. São mais de 40 mortes.


Por Flávia Ribeiro,
A gente sabe que historicamente as pessoas negras são as principais vítimas da violência no Brasil, mas alguma coisa está acontecendo para que os assassinatos estejam saindo daquela banalização que não causa comoção social. Aquela banalização das “queimas de arquivos”, do “acerto de contas”… Alguma coisa acontece para que as mortes saiam desse controle e comecem a chocar, a estarrecer… O que acontece?

Homens encapuzados descem com a certeza da impunidade, atiram e matam. Há um genocídio acontecendo, aqui, nesta cidade. Gritamos isso todos os dias. Quem nos ouve? Choramos a morte dos nossos amigos, vizinhos e calamos diante do medo e da impunidade.

Na cabeça

Na chacina mais recente, em Belém, duas caminhonetes fecharam um bar e atiraram. Saldo 3 mortos na hora, dois no hospital, mais de 10 feridos, entre eles duas crianças, uma baleada na cabeça. Quem sobreviveu disse que não havia um alvo. Apenas atiraram. Mais do que a certeza da impunidade, os encapuzados só queriam matar e seguir com projeto genocida do Estado Brasileiro. É lá, bem longe do centro e dos muros dos condomínios que as balas perdidas encontram alvos. Homens, mulheres, crianças, adolescentes… Não sabemos. O que sabemos é a classe e a raça da vítima. Chacinas só acontecem na periferia, com pessoas pretas e pobres!

Segundo dados do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), de 2017, a cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras. Mata-se mais no Brasil do que em guerras civis declaradas pelo mundo. Das 30 cidades mais violentas do país, 22 estão no Norte e no Nordeste. Altamira, aqui no Pará, é quem lidera esse ranking.

O levantamento da ONG Conselho Cidadão para Segurança Pública e Justiça Penal, com sede na Cidade do México, mostrou Belém como a 11ª cidade mais violenta do mundo em 2016, a 2ª cidade mais violenta do Brasil. São 67,41 mortes por cada grupo de 100 mil habitantes. O relatório usa como base dados divulgados pela imprensa nas maiores cidades do mundo e faz uma descrição da metodologia.

No campo, a situação não é diferente. No estado do massacre de Eldorado do Carajás, a morte do campo é rotina. Punição não! Há algumas semanas, um “confronto” entre agricultores e policiais militares deixou 10 pessoas mortas. Um “confronto” com 10 agricultores mortos. Nenhum policial foi ferido. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra, o Pará liderou o ranking de assassinatos no campo nos últimos dez anos (2007-2016). Foram 103 mortes no estado. Depois veio Rondônia, com 66 assassinatos.


Quando lançamos a campanha de 75 dias de Ativismo Contra o Racismo aqui no Pará, em 12 de maio passado, alguém perguntou a razão da campanha. É porque estamos morrendo. É porque o racismo está tão plantado na sociedade brasileira que é banalizado. É porque cada pessoa negra viva é um desafio às estatísticas. O Estado Brasileiro não liga para como vivemos ou para como morremos. É porque estamos brigando ainda para ter uma dimensão de humanidade que nos foi negada historicamente. Viver não privilégio. É direito.

Queremos viver sem uma arma apontada para a nossa direção! Queremos viver! Parem de nos matar!

ATLAS DA VIOLÊNCIA – CONTE ALGO QUE NÃO SEI


Os negros, segundo “Atlas da Violência “do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - Ipea divulgado no último dia 05, tornam-se, cada vez mais, alvo de ataques homicidas. De 2005 a 2015, 318 mil jovens foram assassinados no Brasil, negros em sua esmagadora maioria. “Futuro perdido”, dizia a chamada de primeira página de “O Globo”, na edição de 06.06.2017, para reportagem de Juliana Castro e Miguel Caballero.

A divulgação do Atlas, no entanto, gerou poucos comentários na mídia e está muito longe de representar algum escândalo público. Até a indignação que ouvi de comentarista da rádio BandNews me pareceu construída com palavras meramente rituais:

“Não é possível que você tenha um número como esse, em que mais de 7, em cada 10 vítimas de homicídios, sejam negros e você dizer que é um país onde tem uma democracia racial, isso é brincadeira, é uma ilusão que a gente vive.”

Estou tentando dizer que o comentário não se incorpora à situação. Democracia racial? Quem realmente viveu ou vive essa ilusão entre nós? Ou melhor, quanta hipocrisia e quantos cadáveres são necessários para se conservar uma convicção de fachada? A alegação para abandoná-la somente agora é a de que não se dispunha de informações completas e de cadáveres suficientes. Todo mundo, finalmente, toma conhecimento de tudo.

Colho as frases seguintes da reportagem de “O Globo” (p. 8): “A já conhecida predominância de população jovem e negra entre as vítimas não só se manteve como se acentuou”; e esta outra: “Ser negro no Brasil aumenta a chance de ser assassinado e este é um dado que está se acentuando”.

Se, de cada 100 assassinatos, em 71 a vítima é negra e esta realidade está em franco progresso, com certeza será uma ironia macabra alguém expressar entusiasmo e confiança no futuro do povo negro no Brasil. 

Não há também, que eu saiba, após a divulgação da pesquisa, nenhuma compaixão, nenhuma solidariedade diante do sofrimento revelado pelos números. Desnecessário dizer que dentro das regras estabelecidas pelo racismo, trata-se de eliminar vidas que não importam, elementos indesejáveis. 

Outro dado interessante dessas pesquisas é que elas não incluem a avaliação de nenhuma política pública. Os textos midiáticos também não registram a avaliação de nenhum fracasso, porque afinal o subentendido é que nunca se tentou a sério fazer mesmo alguma coisa.

Após várias CPI’s, na Câmara e no Senado, de debates com a participação de familiares de vítimas e representantes de movimentos negros, viagens pelos estados, cursos e oficinas buscando o diálogo com o ministério público e outros atores, livros, filmes, cartilhas e campanhas, a sensação diante dos números do “Atlas da Violência” é a de que estivemos todos empenhados em atos fraudulentos.

A consciência de que se comete no Brasil um massacre contra os negros pode ainda abandonar todos os escrúpulos e usar os dados do extermínio como recurso argumentativo para propagar que os negros se odeiam.

Um bom exemplo é o prólogo da coletânea “Bala perdida - a violência policial no Brasil e os desafios para sua superação”, no qual Marcelo Freixo afirma que “A tragédia carioca e brasileira é ver homens de preto, quase todos pretos, matando homens pretos”.

Entendo que a tragicidade decorre do fato de os pretos se matarem entre si. Gente doida, muito doida mesmo. O que seria uma estratégia política coerente com essa leitura de nossa realidade? Não aceitar policiais negros? Não permitir que policiais negros, em razão do ódio racial, possam andar armados? Ou manter prudente distância desses rituais africanos macabros?

O certo é que os brancos atilados e espertos conseguem ver as razões mais profundas que determinam o fim da população negra ( “essa gente não se suporta...”), mas nada podem fazer para salvar-nos de nosso fim trágico.

A falta de novidade parece reduzir o impacto do Atlas. “Conte algo que não sei” é o nome de uma coluna de “O Globo” e a expressão pode servir de paradigma para o oportunismo cínico. Mas não podemos aceitar que essas sejam as últimas palavras sobre a continuidade da vida dos descendentes de africanos no Brasil. A recepção silenciosa a essa barbárie diz muito do que somos e só fortalece as condições para que os assassinatos continuem a acontecer. 

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Edson Lopes Cardoso
Jornalista e Doutor em educação pela Universidade de São Paulo 

Fonte: bradonegro

Violência: guerra aos jovens, negros e pobres das periferias

O resultado do Atlas da Violência 2017 divulgado no ultimo dia 05/06 é uma versão cruel e sangrenta de um lugar comum: a crônica de uma tragédia anunciada.


O estudo foi feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), e revela a guerra civil não declarada. Os números são veementes. Entre cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são pobres, negros e jovens das periferias.

Embora não haja uma guerra declarada, ela pode ser identificada nas entrelinhas de um documento da Escola Superior de Guerra (ESG), de 1989, intitulado “Estrutura para o poder nacional para o ano 2001 – 1900-2000, a década vital para um Brasil democrático”. O documento alerta contra os cinturões de pobreza nas periferias das grandes cidades, como o Rio de Janeiro, e sugere a militarização da ação contra as populações pobres e os “menores abandonados”, vistos como socialmente perigosos. Essa lógica de “contenção” dos pobres prevaleceu nos anos seguintes, levada a cabo pelas polícias militares.

Os números ora divulgados retratam essa realidade mortífera reiterada ano após ano. Mostram que, entre os anos de 2005 a 2015, apesar das medidas de inclusão social adotadas pelos governos Lula e Dilma, ocorreram 318 mil mortes violentas de jovens nesta faixa social que está na base da sociedade brasileira. Houve um aumento de 17,2% na taxa de homicídio na faixa etária de 15 a 29 anos. O risco de um jovem negro ser assassinado, no Brasil, é 2,5 vezes maior do que os demais cidadãos.

Este cenário dantesco piora desde a ascensão da direita ao governo brasileiro, com o golpe de 2016, como é constatado pela mera leitura dos jornais e o aumento de manchetes que anunciam chacinas contra gente pobre pelo país afora.

Há um genocídio da juventude negra no Brasil. E não se trata da acusação feita frequentemente pelo movimento negro. Mas pelos relatórios de duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) do Congresso Nacional que trataram do assunto em 2015 e cuja conclusão é a amarga constatação de que o Brasil é uma nação violenta e racista.

Além da dor causada pela perda de vidas, essa violência tem um custo paradoxal. Equivale a 1,5% do PIB brasileiro, valor semelhante ao aplicado em medidas de segurança que são adotadas; no total, isso significa 3% do PIB brasileiro.

É uma realidade atroz, que piora sempre que a direita avança no país. Os números do Mapa da Violência superam em número de mortos cenários internacionais onde há luta aberta e declarada. São números chocantes. Nos 34 anos entre 1980 e 2014 quase um milhão de brasileiros foram assassinados, revelou a CPI da Câmara dos Deputados. Ele resulta da omissão do poder público, que permite a existência de grupos de extermínio, milícias (muitas vezes formadas por policiais) e grupos organizados de traficantes. A eles se junta a letalidade da Polícia Militar, que funciona como verdadeira tropa de choque antipovo, principalmente contra esses jovens negros e pobres.

É a realidade impactante da cidadania tratada à bala. Contra ela é urgente romper o silêncio da sociedade, principalmente o das camadas de renda alta e maior prestígio social, que parecem assistir a estes assassinatos como se fossem normais, ou o custo da luta contra a criminalidade.

O Brasil deve este avanço civilizatório aos cidadãos das camadas inferiores da sociedade, sobretudo aos jovens pretos e pobres das periferias. A alternativa é a manutenção do quadro cruel e ilegal movido pelo racismo. Quadro que, ante o agravamento da crise social que decorre do verdadeiro apodrecimento da economia promovido pela dupla Michel Temer/Henrique Meirelles, poderá piorar ainda mais.

É imperativo tratar aos brasileiros, todos, com a mesma igualdade que a lei exige. Este tratamento implica na deposição das armas nesta guerra civil movida contra os mais pobres e excluídos, que são vistos como perigosos e assim inimigos que se trata na ponta do chicote e das armas.

segunda-feira, 19 de junho de 2017

Sobre Oferendas e Encruzilhadas: Nota do Doutor em História pela UnB, Leandro Bulhões



por Xapuri,
Sobre Oferendas e Encruzilhadas: Nota do Doutor em História pela UnB, Leandro Bulhões –

A bênção às mais velhas; a bênção aos mais velhos.

O texto que está circulando começa com “De acordo com o professor Leandro…”. Isso é perigoso porque alguém cita o meu nome, mas não fui eu quem o escreveu. Eu fiz uma fala pública e uma pessoa que me ouviu escreveu e publicou no facebook um texto associando os meus argumentos a uma espécie de “história das origens das oferendas e da macumba”. Em seguida, ela aponta outras coisas de tal modo que não é possível fazer uma separação entre um tema que foi discutido em minha fala e depois as suas considerações próprias a respeito do assunto. Na medida em que este texto viralizou, ficou parecendo que se tratava de um texto de minha autoria, mas não é o caso. Peço licença para explicar nestas próximas linhas o meu entendimento sobre o acontecido.

Na semana passada, eu participei de uma banca de defesa de trabalho de conclusão de curso na Universidade de Brasília. Na ocasião, houve uma discussão sobre como as encruzilhadas atuais das cidades modernas são espaços de sociabilidades e de resistências. Nos semáforos, homens, mulheres e crianças, expressivamente negros e negras, realizam trabalhos diários, conseguindo dinheiro por meio da venda de doces, água, panos de prato, frutas, entre outros produtos.

Na condição de historiador e avaliador do trabalho, provoquei o autor da pesquisa, chamando atenção para o fato de que muitas ruas e encruzilhadas das cidades do nosso país são espaços de memórias do nosso povo negro, pois são locais onde homens, mulheres e crianças negras fizeram negócios, venderam produtos e conquistaram níveis de autonomia, bem como conquistaram as suas liberdades, comprando-as, no período da escravidão. A ideia era perceber que a existência majoritária dos corpos negros em situação de vulnerabilidades sociais nas esquinas das cidades brasileiras, lutando diariamente por sobrevivência, é desdobramento do período colonial e do racismo brasileiro e não são apenas um fenômeno da modernização das cidades com seus semáforos e sinaleiras.

Entretanto, além de serem espaços onde negócios aconteciam e acontecem, as encruzilhadas são domínios das entidades das ruas, dos caminhos e da comunicação, como Exus e Pombagiras. As encruzilhadas são, portanto, espaços especiais de cultos que possuem significados específicos para as pessoas que fazem parte das religiões afro-brasileiras. Interessava-me, com este argumento, trazer referências dos conhecimentos africanos e afro-brasileiros ao trabalho do estudante. Foi neste momento da minha fala que enfatizei que as oferendas nas encruzilhadas PODEM também se configurar como uma importante estratégia de proteção às pessoas em situação de rua, ou que no passado estavam em situação de fuga, uma vez que não é novidade entre as pessoas dos candomblés, dizer que as pessoas nas ruas comem os alimentos que estão nos despachos. É comum encontrar nas oferendas elementos como frango, ovos, farofa, frutas, cachaça, velas, dinheiro. Vale salientar que o universo dos despachos e oferendas é complexo e não são reduzidos às práticas nas ruas.

Historicamente falando, não é difícil vincular a circulação destes alimentos ritualísticos nas cidades brasileiras às várias estratégias emancipatórias e de proteção criadas pelos povos negros, sobretudo diante das experiências da colonização, com as marcas do abandono social, que gerou marginalidades e fome nas ruas para estes povos. No entanto, ainda que algumas pessoas tenham feito uso deste possível mecanismo de enfretamento das fomes, como eu falei, estas experiências NÃO SÃO A BASE DA ORIGEM DAS INÚMERAS OFERENDAS DOS CANDOMBLÉS NEM DO “SURGIMENTO DA MACUMBA”. Esta teoria é falsa e levar essa ideia adiante seria o mesmo que dizer que em uma situação hipotética onde não houvesse negros e negras em situação de vulnerabilidades no passado em nosso país, teria cessado a prática que os povos africanos trouxeram do continente de realizar suas oferendas. Eu não acredito nisso.

Ora, imaginar que um irmão ou irmã negra daria jeito para alimentar outros irmãos e irmãs em situação de rua, seja nos tempos da escravidão ou nos anos difíceis do pós-abolição, fazendo uso de comidas, cachaças e sinalizando comidas com velas em lugares estratégicos com as encruzilhadas, não é difícil de se pensar. Mas tais práticas se configurariam como experiências particulares ou ainda como ressignificações dos usos das oferendas que já existiam antes, desde as Áfricas, nos cultos aos voduns, nkices e orixás e não explicam o surgimentos dos candomblés nem das inúmeras modalidades de rituais de oferendas.

De fato, em sala de aula, também já enfatizei e enfatizo as estratégias de sobrevivências e de solidariedades que são fundamentais para a resistência do povo negro e já explorei as potencialidades da imagem da circulação de alimentos num contexto urbano, como é o caso de algumas oferendas constituídas por comidas e bebidas. Um dos principais problemas das ideias que estão no texto que viralizou e que não é da minha autoria é que ele não aponta a dimensão dos conhecimentos, ciências, cosmovisões, projetos de sociedade que os povos africanos trouxeram para o Brasil no tráfico atlântico e dá a entender que os candomblés só podem ser compreendidos no “antes e depois” da escravatura. Isso não poderia ser verdade.

Sobre a viralização deste texto, penso que o fato de ter sido citado que “um historiador da UnB disse…” deve ter tido um peso grande na credibilidade da circulação do mesmo. Há um vício antigo de pensar que historiadores são “os donos da verdade” e profissionais capazes de explicar as origens das coisas.

Pergunto-me, portanto: por quais motivos este tema passou a interessar a tantas pessoas?

As irmãs e os irmãos de candomblé que me procuraram ontem e hoje, perguntaram se o conteúdo do texto era meu e ficaram muito preocupados com a dimensão da circulação das ideias, pelos motivos já aqui expostos. E, portanto, agradeço pelo cuidado em terem me mantido informado sobre como o meu nome estava circulando no Facebook nos últimos dois dias, já que não estou nesta rede social, além de estar fora de Brasília, trabalhando em viagem de campo. Esta dimensão de proteção e cuidado de nós negros e negras com nossos irmãos e irmãos negros é a base da explicação sobre porquê ainda hoje existimos enquanto comunidade, ainda que o projeto colonial do passado, com suas heranças no presente, tenha nos educado para nos destruirmos.

A parte positiva da circulação do texto que escreveram é que foi colocado em pauta a discussão acerca das redes de solidariedades e as práticas de cuidado e amor dos nossos antepassados com os seus irmãos e irmãs negras. Isso também não é novidade para nós! Mas é para muita gente.

Então, para as pessoas que estão impressionadas com a história das comidas, cachaças e velas, saibam que definitivamente não é esse movimento isolado que pode explicar o surgimento nem os fundamentos das complexas oferendas nem dos candomblés. Saibam ainda que os nossos antepassados não só encontraram estratégias para comer e dar de comer aos seus irmãos e irmãs, como construíram inúmeros mecanismos de proteção à escravização de seus corpos no próprio continente africano, fizeram revoltas nos navios negreiros, quebraram engenhos onde realizavam trabalhos forçados, fugiram do cárcere, elaboraram e praticaram projetos de revolução social, criaram e mantiveram quilombos e terreiros de candomblés.

Sem discutir solidariedades, redes de proteção e afetividades é impossível compreender a abolição da escravatura e a permanente luta dos movimentos sociais negros dos séculos XX e XXI. Sem discutir as capacidades de autonomia, autogestão e negação do projeto colonial jamais vamos compreender que os povos africanos que para cá vieram numa migração forçada não foram apenas força de trabalho, como está inscrito na memória nacional. Os negros e as negras que vieram antes de nós, juntamente com os povos originários desta terra, os chamados indígenas, civilizaram este país e jamais vamos compreender a nossa história e as nossas identidades sem conhecermos este patrimônio que nos pertence e que a experiência colonial capitaneada pelos brancos tentou nos tirar. Quando falei publicamente da importância das encruzilhadas quis exatamente chamar a atenção para as formas com as quais estes espaços possuem outras lógicas para o povo de santo, sobretudo no que diz respeito a conhecimentos que estão na oralidade e que a universidade não sabe.

Repito que quem tem o mínimo de conhecimento sobre as religiões de matrizes africanas sabe que relacionar escravidão, fome, oferendas e surgimento dos candomblés não faz o menor sentido. E por isso, muita gente está revoltada com a circulação da referida teoria. Este fenômeno pode revelar também que os povos de santo e o povo negro, de um modo geral, possuem uma memória de contestação das ideias que são elaboradas e defendidas em espaços majoritariamente brancos e elitistas como foram e ainda são as universidades brasileiras.

Muita gente de candomblé, mas não apenas, se enfureceu com o fato de que supostamente um “professor da UnB” teria dito algo sobre o “surgimento” dos cultos de matrizes afro-brasileiras. Ora, certamente muita gente questionou: “quem o professor pensa que é para falar sobre os nossos conhecimentos, mistérios e ciências? Quem ele pensa que é para falar por nós, povos de santo?”. De fato, passou-se o tempo em que intelectuais podiam carregar as supostas verdades sobre as coisas do mundo. Isso levanta uma questão muito importante que a nossa geração de professores e professoras, pesquisadoras e pesquisadores negros (bem como os e as integrantes de movimentos sociais) temos debatido e denunciado nos espaços acadêmicos: nós não aceitamos mais que os discursos ditos científicos digam o que somos sem a nossa participação ativa. Claro que isso não impede que pesquisas e trabalhos, etc, sejam realizados, mas desde a conquista das cotas raciais nas universidades brasileiras que há uma expectativa relacionada a recente entrada de estudantes e professores negros e negras, dos quais me incluo, em transformar urgentemente as metodologias e abordagens que os e as cientistas historicamente utilizaram. Afinal, se antes, nós negros e negras éramos os chamados “objetos” de pesquisa, hoje estamos nas salas de aula e laboratórios na condição de pesquisadoras, pesquisadores e cientistas. Mas ainda somos muito poucos nesta condição (Eu, inclusive, sou professor substituto na Universidade de Brasília. Meu contrato vence este mês de junho). Aliás, qual a porcentagem de docentes negras e negros nas universidades públicas e privadas, estaduais e federais em nosso país podendo falar sobre a história do próprio povo negro, entre outros temas? E professores e professoras indígenas?

O texto que viralizou não traz o meu nome completo e sei que muitas pessoas se referiram a este post associando a imagem do doutor ao branco, não supondo sequer que o “professor Leandro da UnB” poderia ser um homem negro engajado em difundir respeitosamente os conhecimentos ligados às tradições brasileiras de matrizes africanas.

É preciso ressaltar que a falta de conhecimentos que o povo brasileiro tem sobre as religiões de matrizes africanas não é um acidente. É parte do racismo estrutural que demonizou e demoniza, perseguiu e persegue as pessoas que fazem parte destas religiões. São permanências de um Brasil do passado que criminalizou os batuques, a capoeira, os candomblés. Trata-se de desconhecimentos estratégicos que negam as nossas capacidades de pensamento, agência de nossas próprias vidas e soberania intelectual e que trazem à tona a necessidade da Lei 10.639 que em 2003 instaurou a obrigatoriedade do ensino da História e Cultura africana e afro-brasileira nas escolas do nosso país.

Ainda assim, mesmo depois de 14 anos de promulgação desta Lei, o que sabemos sobre as sociedades africanas, especialmente sobre os povos que vieram para o Brasil no tráfico atlântico? O que sabemos sobre a história e a memória das trajetórias dos nossos antepassados negros e sobre os cultos dos orixás, nkises e voduns? As escolas e as universidades estão cumprindo o seu papel no enfrentamento ao racismo e na formação de gente qualificada para lidar com as questões como o racismo religioso? Ora, não é difícil encontrar pessoas que dizem que as oferendas são “coisas do diabo”, nem é difícil encontrarmos irmãos e irmãs negros que já sofreram com o racismo quando tentaram exercer sua fé afro-brasileira. Brasília, por exemplo, nos últimos anos, teve uma série de casos de terreiros de candomblés violentados.

Chego ao fim deste texto, pedindo imensas desculpas, em especial ao povo de santo e aos povos negros deste país, por todo este mal entendido. Sabemos o quanto que áreas como a História foram responsáveis na construção de teorias equivocadas sobre as memórias dos nossos antepassados. Mas a História pode ser também o espaço das releituras do passado, dos novos questionamentos e da elaboração e resinificação dos sentidos.

Quando falamos, não temos controle sobre como nossas ideias podem ser interpretadas. Ontem, uma amiga que está em São Paulo me ligou preocupada porque disseram a ela que estava havendo uma confusão com o meu nome porque teriam me visto fazendo despachos na UnB e que isso tinha virado um escândalo. Eu já recebi diferentes versões do texto que está circulando e parece que já tem diferentes autorias.

Amigos enviaram-me alguns posts de pessoas negras (que se diziam candomblecistas, de outras religiões ou sem religiões) que pareciam encantadas com a história que circulou. O que será que estas pessoas pensam sobre afetividades, solidariedades e quilombismo do nosso povo? O que será que sabem sobre os candomblés? Fiquei pensando: o que será que a minha mãe que está na Bahia e que é negra, sabe sobre os candomblés? E meu pai que morreu e que era branco, que ele sabia sobre tudo isso? Eu também estou aprendendo. Mas sei que quando passei a frequentar alguns terreiros de candomblé, ainda quando eu estava na minha cidade da Bahia, mainha ficou muito preocupada e demorou para compreender que eu e, posteriormente, o meu irmão caçula estávamos nos aproximando do universo das religiões de matrizes africanas. Ela achava que poderia estar perdendo seus filhos para alguma coisa ruim. É muito triste pensar que as nossas ancestralidades permanecem potencialmente negativadas, inclusive entre nós, povo negro. O racismo promoveu e ainda promove muita desinformação e isso afeta a todos nós.

Desta experiência ficaram alguns aprendizados. Entre eles, que os ensinamentos são constantes e que seguimos aprendendo sobre as histórias do nosso povo, tão mal contadas.

Palavra é encruzilhada.

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Leandro Bulhões – Doutor em História – Universidade de Brasília


Fonte: xapuri