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sexta-feira, 30 de maio de 2014

Fora do mapa: documentário levanta debate sobre marginalização das favelas


Por Adital,
A marginalização das favelas

Moradores das favelas do Rio de Janeiro afirmam que o governo do estado teria solicitado à empresa Google Maps a retirada do nome “favela” do mapa, causando indignação nos moradores, que se sentiram ainda mais diminuídos e excluídos da sociedade. Tal iniciativa implicaria que as favelas e suas comunidades seriam invisíveis, não apenas para o Estado, mas para o resto do mundo. Diante desses questionamentos e reivindicações é que foi desenvolvido o documentário “Todo mapa tem seu discurso”, realizado pela Rede Jovem e dirigido por Francine Albernaz e Thaís Inácio.

Segundo os realizadores do documentário, a ideia surgiu quando o projeto “Wikimapa”, um aplicativo que promove o mapeamento das favelas de forma colaborativa com os moradores, começou a ganhar popularidade na comunidade e entre turistas que iam visitar as favelas.

Durante o filme, moradores das comunidades Cidade de Deus, Capão Redondo, Favela da Maré, entre outras, falam sobre a vida cotidiana nas favelas e verbalizam a indignação de serem tratados como uma população invisível, ao ponto de não constarem no mapa oficial da sua própria cidade.

Depoimentos como o de Dálcio Marinho, geógrafo do Observatório de Favelas, afirma que o fato de não constar no mapa implica problemas políticos, econômicos e sociais em grande proporção. Ele declara que quando a favela não consta no mapa da cidade não há como se destinarem os devidos recursos financeiros, pois não se tem dimensão real do tamanho geográfico dessas áreas e tampouco sobre as adversidades sofridas pelos moradores.

A obra se destaca pela iniciativa de tentar desmistificar a ideia de que o mapa seja apenas um objeto simbólico, uma simples ferramenta de localização. O filme mostra que cada mapa representa muito mais do que uma cartografia geográfica de um determinado local; cada mapa possui uma história social e política, um discurso. Os questionamentos e reivindicações afloradas durante o filme servem de base para reflexões e debates sobre a exclusão social das favelas.

Assista:


Filme mostra que cada mapa representa muito mais do que uma cartografia geográfica de um determinado local, possuindo uma história social e política, um discurso

Ficha técnica:
Título: Todo mapa tem seu discurso
Gênero: documentário
Direção: Francine Albernaz e Thaís Inácio
País: Brasil

KL Jay festeja 25 anos de Racionais e fala sobre racismo, mídia e ostentação


Por Paulo Motoryn,
KL Jay é o DJ do grupo Racionais MC’s, uma das maiores referências do rap nacional. No vigésimo quinto ano de carreira ao lado de Mano Brown, Ice Blue e Edi Rock, Kléber Geraldo Lelis Simões já não é exatamente o mesmo jovem que começou a carreira em 1987 tocando em bailes nas madrugadas da zona norte de São Paulo. Hoje, aos 44 anos, é conhecido do centro às periferias. Mas nem por isso é possível dizer que sua revolução acabou. Longe disso.

Não é a quarta década de vida que fez KL Jay perder seu brilho. No comando do som do Sintonia Dj Club, casa nos Jardins em que apresenta um eclético repertório às quintas-feiras e onde recebeu a Revista Vaidapé, ele mostra a mesma disposição com que faz um discurso forte e politizado. A idade o faz refletir. Perguntado sobre os filhos, ele respondeu: “Meu filho mais novo tem 17 anos. Quando eu tinha 17, já era pai e o rap ainda estava chegando aos poucos”.

No espaço urbano, desde então, ele vê poucas mudanças: “Lá no meu bairro na zona norte chegou um shopping monstro. De resto, basicamente as coisas não mudaram”. A passagem do tempo só assusta KL Jay no que diz respeito ao crescimento do hip-hop: “O rap está cada vez mais forte. A internet ajudou para caralho e a gente está cada vez mais foda. Para você ver, todos os meus filhos curtem. Três deles são DJs”, afirma, orgulhoso pela expansão do gênero.

As reflexões de KL Jay sobre as transformações do rap não fogem dos pontos mais polêmicos, como a presença de rappers em programas de televisão ou a realização de shows em casas noturnas “de playboy”: “O segredo é não querer ser aceito. A questão é: como você vai? Vai lá e seja autêntico. É seu som, seu visual”, argumenta. O assunto é justamente o maior ponto de discórdia entre as novas figuras no cenário do rap.

Em pouco mais de meia hora, a conversa da Revista Vaidapé com KL Jay caminhou também para assuntos não diretamente ligados ao rap. Sobre a Copa do Mundo, por exemplo, ele afirmou: “Não aprovo, não quero estar perto e não quero nem ver”. Mas fez uma ressalva: “O dinheiro que foi gasto para estádios é ínfimo se comparado com o que é desviado e roubado. Não pode ser ingênuo e falar que ao invés de construir hospital e escola, estão construindo estádios. Não é nada o que foi investido para a Copa se você for ver”, analisa.

O DJ do Racionais ainda comentou a campanha #somostodosmacacos criada após o caso de racismo envolvendo o jogador Daniel Alves em partida de futebol no Campeonato Espanhol: “Eu não sou macaco. Sou ser humano”. Além de criticar o oportunismo da venda de camisas com a hashtag, fez questão de lembrar: “O grande racista filha da puta é o Estado. O racismo que tem no Brasil é o espelho da mentalidade do Estado e de sua polícia racista”, finaliza.

Assista: 


Fonte: Vai da Pé

Joaquim Barbosa antecipa saída do STF sem explicar por quê


Brasília – Vinte e oito dias antes de completar onze anos no cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), para o qual foi nomeado em 25 de junho de 2003, o presidente do Supremo e primeiro negro a ocupar este cargo na história do país, Joaquim Barbosa anunciou nesta quinta-feira (29/05) que se aposenta no mês que vem.

Barbosa tem 59 anos e poderia ser ministro por mais 11 anos, quando teria de se aposentar compulsoriamente aos 70. As razões para a saída precoce não foram esclarecidas por ele. Coube ao ministro Marco Aurélio de Mello que falou após a despedida na abertura da sessão, em nome dos colegas, cogitar que teria sido por razões de saúde “já que ninguém vira as costas a uma cadeira no Supremo”.

Barbosa, no entanto não confirmou essa versão, e ao abrir a sessão plenária foi lacônico: “Tive a felicidade, a satisfação e a alegria de compor esta Corte, no que é talvez seu momento mais fecundo, de maior criatividade e de importância no cenário político-institucional do nosso país. Sinto-me deveras honrado de ter feito parte deste colegiado e ter convivido com diversas composições”, limitou-se a dizer. Como presidente da corte o seu mandato terminaria no dia 22 de novembro.

Segundo observadores dos bastidores do Supremo Tribunal Federal e próximos a assessoria do ministro, as razões da renúncia ao mandato e da aposentadoria podem estar explicitadas em declaração feita por Barbosa após o julgamento da Corte que decidiu, por maioria, retirar a acusação do crime de quadrilha dos dirigentes do PT acusados no mensalão. Veja: 


A decisão sobre a renúncia ao cargo e a aposentadoria precoce de Barbosa foi comunicada por ele próprio pela manhã ao presidente da Câmara Federal, Renan Calheiros, e a presidente Dilma Rousseff, que o receberam em audiência.

O ministro se tornou peça chave da política brasileira depois que se tornou relator do mensalão - a Ação Penal 470, na qual foram condenados os ex-dirigentes do PT - inclusive o todo poderoso ministro chefe da Casa Civil, José Dirceu, e os ex-presidente e tesoureiro do Partido, respectivamente, José Genoínio e Delúbio Soares.

Candidato

Até abril, seu nome era cogitado como candidato candidato a Presidente da República por algum micro-partido por conta da sua enorme popularidade, detectada nas sondagens de todos os institutos de pesquisa. Ele ficava atrás apenas da Presidente Dilma Rousseff e da ex-ministra Marina Silva, quando esta última ainda não tinha aderido a candidatura do ex-governador Eduardo Campos, de quem se tornou vice.

Passado o dia 05 de abril – o prazo para desincompatilização – no entanto, a possibilidade de candidatura pelo menos para esta eleição foi descartada.

Agora com a decisão de deixar o Supremo antes mesmo de terminar o mandato de presidente da Corte, especula-se com duas alternativas: que se engaje no apoio aos candidatos de oposição - o senador Aécio Neves, ou o ex-governador de Pernambuco, Eduardo Campos, considerando a campanha de setores expressivos do PT que nunca o perdoaram pelos votos duros no mensalão; ou fique um tempo fora do país, atendendo a convite de alguma universidade da Europa ou dos Estados Unidos, onde passou a ter grande prestígio.

Fonte: Afropress

Um debate sobre a Lei de Migrações

Nos últimos anos o Brasil tem sido o destino de imigrantes de diversos países, principalmente de comunidades de origem indígena, bolivianos, peruanos e paraguaios e de negros de origem dos países da áfrica e agora mais visivelmente, de haitianos.

É mais que necessária uma política que garanta uma recepção digna aos povos destes e de outros países, numa condição de igualdade.

O CDHIC, organização que acompanha de perto esse processo, divulgou a nota reproduzida abaixo:



CDHIC emite opinião sobre Comigrar e Anteprojeto de Lei de Migrações

O Centro de Direitos Humanos e Cidadania dos Imigrantes/CDHIC, organização que integra a rede sulamericana Espaço Sem Fronteiras e o Fórum Social Mundial de Migrações, vem pautando desde seu surgimento a necessidade de uma mudança nos paradigmas que orientam as leis e os órgãos responsáveis pela imigração no Brasil, hoje baseados em um modelo legal herdado do regime ditatorial civil-militar, com ênfase na segurança nacional, controle policial dos imigrantes, diversas restrições para a vida civil, além de procedimentos caros e burocratizados.

Desta forma, vem a público expor sua opinião diante do marco de realização da Conferência Nacional sobre Migrações e Refúgio - COMIGRAR e da elaboração do Anteprojeto de Lei de Migrações e Promoção dos Direitos dos Migrantes por parte do Ministério da Justiça e demais setores governamentais envolvidos:

Introdução e contexto:

Segundo a ONU, a quantidade de pessoas que deixaram seus países de origem cresceu de 154 milhões em 1990, a 232 milhões em 2014. Estes números demonstram por si só a enorme dimensão e a importância que possui o tema das migrações. O Brasil é hoje reconhecido por sua liderança na América do Sul. O país foi primeiramente um emissor de migrantes, mas hoje a tendência se reverte: não só os expatriados estão retornando, mas novos fluxos migratórios têm como alvo o Brasil, especialmente de países da América do Sul, Caribe (Haiti), países africanos e recentemente uma expressiva migração de refugiados sírios e libaneses.

Resgate histórico:

Existe um histórico de lutas e mobilizações referentes aos direitos dos imigrantes e refugiados no Brasil e temos a certeza de que como resultado dessas reivindicações hoje se realiza a COMIGRAR, antiga exigência dentro da temática migratória. É importante resgatar momentos anteriores, citando como exemplos recentes a Lei da Anistia, consulta pública e formulação da “Política Nacional de Imigração e Proteção ao Trabalhador Migrante”, pelo Conselho Nacional de Imigração/CNIG em 2010, precedido seminário “Diálogo Tripartite sobre Políticas Públicas de Migração para o Trabalho”, que culminou com o documento“Contribuições para a Construção de Políticas Públicas Voltadas à Migração para o Trabalho”.Ademais, diversas Portarias e Resoluções foram implementadas nos últimos anos a nível nacional, suprindo lacunas legais.

No plano regional, houve a adesão da maioria dos países da América do Sul ao Acordo de Livre Trânsito e Residência para Nacionais do Mercosul que estabelece os requisitos para a residência permanente e temporária, um avanço, mas ainda com entraves na prática diária, afetando principalmente grupos como mulheres, crianças e adolescentes e trabalhadores imigrantes em geral.

A Comigrar, os novos marcos legais e a afirmação de um paradigma de Direitos Humanos

Ao analisar e debater junto às comunidades migrantes, e organizações da sociedade civil, e defensores dos direitos humanos dos imigrantes o texto do Anteprojeto de Lei de Migrações e Promoção dos Direitos dos Migrantes se faz necessário registrar muitas críticas desde uma perspectiva construtiva para que os responsáveis da formulação desta lei tenham por bem considerar. O CDHIC defende os processos de diálogos horizontais e para o impulso da construção de uma política migratória baseada nos direitos humanos de tod@s os migrantes e refugiados.

O mesmo se diz da futura legislação, que deve alcançar todas as dimensões da cidadania da pessoa migrante, desde a premissa de que estes são sujeitos plenos de direitos e protagonistas de suas vidas, e mais, que as políticas migratórias entendam a migração como uma característica inerente ao ser humano, que por isso não deve ser criminalizada.

Faltou à COMIGRAR – e isso pode ser corrigido doravante, possibilidade de escuta e interação com a sociedade civil, desde seu processo de propositura, metodologia, deliberações e encaminhamentos que serão dados. Obviamente por ser uma primeira Conferência deste perfil, faltaram também compromisso e envolvimentos de outros atores governamentais, ministérios, secretarias e prefeituras, dada a dimensão continental de nosso pais. Sabemos que a democracia no Brasil está em permanente aperfeiçoamento e mais do que nunca precisamos por em prática construções que venham da base. Não se formulam políticas públicas (ou mesmo uma conferência nacional) de cima pra baixo.

Lamenta-se também o pequeno (ou nenhum) interesse por parte do Governo Estadual de São Paulo e outros Estados neste processo e sua omissão no período preparatório e mobilizador.

Para isso, além das contribuições já formuladas por entidades, é preciso se aprimorar e prever na nova legislação:

  • A necessidade de se descentralizar serviços públicos para o conjunto de situações do dia a dia dos imigrantes e suas famílias, como assistência social, educação, saúde, capacitação, inserção em programas sociais, atenção a crianças e adolescentes migrantes, entre outros e não somente seu registro e controle documental como é hoje.
  • O compromisso e a institucionalidade, com órgãos e políticas migratórias nos Municípios e Estados da Federação, com repasse de recursos e políticas localizadas;
  • A criação de uma Secretaria Nacional de Migração, reivindicação apresentada à Presidenta Dilma por um conjunto de entidades em 2010, com status ministerial e que possa formular e executar políticas e atuar de modo autônomo;
  • Ampliação de canais de Ouvidoria, Controle e Participação Social, como CONARE, CNIG e outros em fase inicial a nível local. Um exemplo: será importante que o Comitê de Acompanhamento pela Sociedade Civil sobre Ações de Migração e Refúgio/CASC-Migrante tenha abertura à participação de outros atores, como associações de imigrantes, lideranças comunitárias e grupos locais muitas vezes fragilizados, mas com grande potencial de colaboração para o objetivo proposto.
  • Outras preocupações referentes ao anteprojeto de lei foram enviadas por organizações de direitos humanos, todas de vital importância, sobretudo quanto a isonomia entre imigrantes e nacionais, direitos já consagrados na Constituição Federal e em Acordos Internacionais e apontamento para futura políticas nacional, como dito, que vá além da lógica securitária ou da mão de obra do imigrante.

Também do acúmulo político da sociedade civil, através de dezenas de audiências públicas, seminários e debates, se faz urgente efetivar três instrumentos político-legislativos (todos em andamento) prioritários:

a) Que o Estado Brasileiro aprove em tramite urgente uma nova Lei Federal de Migrações, baseada em direitos humanos, em substituição ao PL 5.655/2009 e ao Estatuto do Estrangeiro;

b) Que o Congresso ratifique a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros de suas Famílias;

c) Que o Congresso, com o apoio do Governo Federal, aprove a alteração na Constituição Federal, por meio de uma PEC que garanta a elegibilidade e direito ao voto aos estrangeiros em todas as eleições brasileiras;

Tais medidas são passo inicial e base para a visibilidade da causa, reconhecimentos de sua importância e o fortalecimento das premissas da COMIGRAR e a imensa articulação social que se pode depreender posteriormente à sua realização, para que não se perca o resultado dela emanado, assim como da Conferência Municipal de Políticas para Imigrantes em São Paulo/2013 e as outras Conferências realizadas na etapa de mobilização em todo pais.

São Paulo, Maio de 2014.

Centro de Direitos Humanos e Cidadania dos Imigrantes/CDHIC.

Fonte: Negrobelchior

Carolina Maria de Jesus: A mídia racista e a literatura no “quarto de despejo”

“Eu disse: o meu sonho é escrever!

Responde o branco: ela é louca.

O que as negras devem fazer…

É ir pro tanque lavar roupa.”

(JESUS, 1996b, Quadros, p.201)


Falar de Carolina Maria de Jesus, escritora mineira (Sacramento, 14 de março de 1914 – São Paulo, 13 de fevereiro de 1977) é uma tarefa que em minha vida virou um dos instrumentos de militância. Na verdade, escrever sobre a literatura produzida pela mulher negra e reivindicar seu espaço e voz em meio à uma sociedade machista, racista e uma literatura idem, é tarefa cotidiana.

Quando conheci Carolina, estava à procura de poesia e prosa escrita por mulheres negras (minha adolescência), era momento em que me via em crise sem me sentir “representada” (controvérsia no meio literário) e queria saber afinal, aonde estavam as escritoras negras? Por que não as via nos livros, exposições, palestras ou na escola? Em meio à pesquisas, achava poucos materiais e com eles fui contando a fim de conhecer as escritoras. Nos caminhos à essa procura, que também me ajudaram a traçar meu caminho como escritora, eis que me veio “Quarto de despejo – diário de uma favelada”. A primeira vez em que li foi um soco no estômago, mas ao mesmo tempo bateu a identificação com a mulher que ali escrevia, em papéis achados em meio ao lixo, costurou um retrato do Brasil, na época camuflado pelas classes dominantes – como chavama a própria autora, a “sala de visitas” (qualquer semelhança com o quadro atual, não é mera coincidência). A sensação pode ser ilustrada na seguinte citação: “Quem não conhece a foma há de dizer: “quem escreve isto é louco”. Mas quem passa fome há de dizer: – Muito bem, Carolina!” (JESUS, 1961, p. 34).

A partir daí, quis conhecer toda sua vasta obra, constituída não só de diários, como também músicas e poesias. Mas a dúvida principal na minha descoberta sobre Carolina era: Por que Carolina permanece esquecida? Por que tão pouco material a seu respeito? Qual o motivo do silêncio em seu centenário? (já que aconteceram alguns eventos, mas foram pouquíssimos e um dos principais locais de São Paulo que recebem exposições, o Museu da Língua Portuguesa não apresentou nenhuma atividade sequer sobre a escritora.). Queria entender porque uma escritora que foi sucesso na década de 60 por todo o país, teve uma queda tão repentina cujo apagamento possui reflexos até hoje.

O fato é que comecei a investigar vida e obra de Carolina, para tentar compreender profundamente o contexto no qual estava inserida, a sociedade e como a sua literatura havia sido exaltada de maneira tão efêmera, tanto quanto sua queda.

Sobre a literatura, seguem alguns dados que nos ajudarão a pensar: foram vendidos dez mil exemplares nos três primeiros dias de publicação do seu diário “Quarto de despejo” (em 19 de agosto de 1960) e imediatos os convites para programas de TV, debates, encontros com intelectuais, viagens nacionais e internacionais.Outras obras de escritores já consagrados foram lançadas na mesma época de “Quarto de despejo” contudo, não alcançaram o mesmo número de vendas tão imediato de Carolina Maria de Jesus, como por exemplo a obra Gabriela Cravo e Canela de Jorge Amado. Em outubro de 1960, seu diário é o livro mais vendido no Brasil. O momento literário e histórico estava voltado às obras literárias ligadas aos aspectos sociais.


A vida da escritora mudou completamente no que se refere à moradia, já que do “quarto de despejo” (a Favela do Canindé, às margens do Rio Tietê na qual residia com os filhos), mudou-se para uma “casa de alvenaria”, no Centro da cidade (como chamava, inclusive virou um outro diário que contava sua vida na “casa de alvenaria”). Embora tenha mudado de endereço, Carolina continuava sendo mulher, negra, mãe solteira e inserida numa sociedade racista, logo não houve tanta mudança assim.

Alguns usos linguísticos de Carolina fizeram com que muitos dissessem que não passava de uma farsa a sua produção literária, ignorando todos os aspectos de seu texto que carregava muito mais que linhas e números notáveis de venda, era retrato da sociedade agora contado em primeira pessoa, por quem viveu a cidade de São Paulo que não estava na televisão ou nos livros, de quem viveu a favela. Se por um lado alguns defendiam que a autora não seria capaz de escrever visto sua classe, raça e pouco letramento, por outro lado diziam que algumas palavras presentes no diário, seriam de quem “dominava a linguagem” alegando até mesmo que tratava-se de uma obra de Audálio Dantas, repórter da Folha de São Paulo que descobriu Carolina em uma visita à favela do Canindé para uma matéria em mais ou menos década de 50/60. Esses argumentos nos dão base para que vejamos o racismo escancarado que vai ser uma espécie de “mola” para que se deslegitime a literatura negra produzida, nos demonstra a face cruel de “exotificação” racismo sob uma mulher negra, residente da favela ao fazer literatura e penetrar num campo que foi por muito tempo construído e constituído por poucos, não só para leitura, como também para a escrita. Espaço literário do qual, Carolina raramente poderia ser inserida, por escrever uma literatura que não era consagrada pelo cânone – com temas e lugares comuns palatáveis aos gostos “refinados” (burgueses, diga-se de passagem) – presentes até hoje em nossa literatura. Era a literatura escrita em primeira pessoa, sobre uma realidade que ninguém queria ler ou enxergar .Só quem viveu poderia, enfim dissertar. Como cita a própria autora “Eu sei que vou angariar inimigos, porque ninguém está habituado com este tipo de literatura. Seja o que Deus quiser. Eu escrevi a realidade porque eu pensava que o repórter não ia publicar”(JESUS, 1961, p. 30).

O sucesso de Carolina foi tão efêmero quanto a sua queda. Não faltaram críticas à seu respeito no Brasil, mas seu livro principal “Quarto de despejo” foi sucesso mundial e continua até hoje sendo traduzido para diversas línguas. Sobre os livros teóricos a seu respeito, pouco são achados no Brasil. Poderia listar vários elementos dos quais colaboraram para que a literatura da autora voltassem ao quarto de despejo, contudo teria que me estender muito e correria o risco de fazer uma análise muito rasa e problemática a respeito, por isso decidi focar em um elemento: a mídia.

A mídia brasileira esperava que Carolina Maria de Jesus, ocupasse “o seu lugar”, como mulher negra, mãe solteira e favelada, ou seja, que ela obedecesse papéis dos quais a sociedade racista sempre espera de nós negrxs, para que se mantenham as hierarquias, e nós, claro, sempre carregando em nossas cabeças as “latas d’água sociais”. Por um lado era acusada de imitar uma classe da qual não fazia parte, de outro era vista com desdém e ridicularizada por não corresponder à estereótipos, como é dito em sua biografia “Muito bem, Carolina!”: Carolina não corresponde aos estereótipos e sempre surpreende. Negra, espera-se que seja humilde, mas não é. Mulher, espera-se que seja submissa, mas não é. Semi-analfabeta, espera-se que seja ignorante, mas não é. E não sendo o que se espera dela, é rejeitada como pessoa pela sociedade e incompreendida como escritora. (CASTRO; MACHADO, 2007, p. 77)

O fato é que a mídia colaborou diretamente para o apagamento de Carolina Maria de Jesus. Não podemos negar a forte ideologia que sustenta a mídia – racista, machista e classista - sua grande influência do mesmo modo que deu repercussão à sua obra, não pelo que foi escrito, mas por quem escreveu escondendo por trás de todo esse “pseudo-interesse” uma visão racista da autora, também colaborou para seu declínio. Não era mais interessante para aquela sociedade saber da realidade da favela, que até hoje continua sendo o “quarto de despejo”, e todas as obras publicadas depois não conseguiam atingir metade do sucesso do seu primeiro diário publicado.

Para além da análise literária que tentei fazer, está Carolina Maria de Jesus como seu próprio texto, escritora e personagem de uma sociedade racista, machista e classista que a condenou antes mesmo que publicasse o seu primeiro livro. Infelizmente, várias Carolinas permanecem esquecidas, sua literatura apagada pelo cânone. É importante que se produzam textos, trabalhos e possamos redescobrir a escritora que teve papel importantíssimo na literatura negra produzida no Brasil. Não é à toa que por tantos anos permaneceu apagada dos livros, homenagens, eventos, estudos e afins, trata-se de uma ideologia que vem marcando a história negra e tentando nos dispor em “quartos de despejo” sociais.

Carolina Maria de Jesus foi agente de sua própria história, escritora, cantora, mãe e mulher negra que através da escrita pintou a realidade que daquela época ainda se arrasta aos dias de hoje. Retomando o foco do texto, não devo esquecer de mencionar que até o fim da vida a autora foi vítima da mídia racista, que a fotografou catando papéis pelas ruas, que fez entrevistas com a escritora, cujos textos saíram a ridicularizando e sua vida após sair da cidade grande e mudar-se para Parelheiros (extremo Sul de São Paulo). É necessário investigar e levantar vários elementos que sustentam ideologias, que colaboram diariamente para uma violência que passa muitas vezes despercebida, invisível.



Referências bibliográficas:

CASTRO; MACHADO, Muito bem, Carolina! – Biografia de Carolina Maria de Jesus. Belo Horizonte: C/ Arte, 2007

JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo. Diário de uma favelada. São Paulo, Francisco Alves, 1960.Acompanhe nossas atividades, participe de nossas discussões e escreva com a gente.

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Luma de Lima Oliveira, feminista, negra, poeta, socialista, periférica, educadora popular, estudante de Letras e blogueira no Entre Luma e Frida.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

1ª EXPO HIP HOP DO BRASIL

Mulheres da Periferia, por elas mesmas


Surge coletivo disposto a expressar o que é ser mulher nas bordas das metrópoles — longe dos preconceitos da mídia e produzindo jornalismo crítico e de profundidade

por Andressa Pellanda,
“Somos a irmã que cuida dos irmãos mais novos até a mãe voltar do serviço e que lava a louça do almoço enquanto o irmão vai jogar bola. Somos aquelas que amam os filhos das patroas. Somos as ‘mãezinhas’ que gritam nos corredores das maternidades. Somos quem chora quando nossos filhos são mortos por serem suspeitos. Somos mães de abril, maio, de junho, setembro. Somos as mães que trabalham para as filhas estudarem. Somos as filhas que se formam na universidade para as mães voltarem para a escola.

“Somos aquela que, depois de oito horas de trabalho e quatro horas no transporte público, ainda passa a roupa e nina o bebê. Somos quem vai no posto atrás de remédio e pra agendar consulta pra daqui a cinco meses. Somos quem cria abaixo-assinados para pedir creches. Somos quem denuncia que a vizinha apanha do marido. Somos operárias, empreendedoras, manicures, jornalistas, costureiras, motoristas, advogadas. Somos esposas, mães, irmãs, primas, tias, comadres, vizinhas. Somos maioria. Somos minoria. Pobres, pretas, brancas, periféricas. Migrante, nordestina, baianinha, quilombola, indígena.”

Elas são as milhões de mulheres que moram nas periferias deste país. São o coletivo “Nós, Mulheres da Periferia”, que desde dia 8 de março de 2014, Dia Internacional da Mulher, vem tentando expressar, nas redes sociais, o que é ser uma mulher nas bordas das metrópoles. Enquanto preparam o lançamento do site que pretende inaugurar o jornalismo voltado às mulheres da periferia, Bianca Pedrina, Jéssica Moreira, Semayat Oliveira, Aline Kátia, Priscila Gomes, Mayara Penina, Lívia Lima, Cíntia Gomes e Regiany Silva já militam por essa causa, que é tão delas, mas também de milhões de mulheres brasileiras.

Em 2013, 56 milhões de brasileiros, 29% da população, viviam nas periferias urbanas, de acordo com levantamento da consultoria Serasa Experian. A proposta do coletivo é dar visibilidade e voz às milhões de mulheres que integram esse contingente em tantos aspectos marginalizado, inclusive pela maneira como são representadas na mídia.

Elas mesmas contam a que vieram, em entrevista a Outras Palavras.

Quais são os desafios de ser uma mulher da periferia, em São Paulo?

Em uma sociedade machista, ser mulher já é um grande desafio. Ser mulher e ser da periferia torna essa missão pelo menos duas vezes mais difícil. Além de tudo que a mulher, de forma geral, já precisa enfrentar para alcançar seu espaço no meio social, nós, mulheres da periferia, enfrentamos os desafios presentes na vida de qualquer pessoa que viva na periferia de uma grande metrópole como São Paulo. Assim, entendemos que homens e mulheres sofrem com a falta de serviços públicos, como saúde, moradia e educação. Porém, a mulher, de forma específica, sofre mais que o homem, uma vez que na maioria das vezes é ela a chefe do lar. Sofre mais que o homem nos longos percursos de ônibus ou metrô, pois além do aperto, sofre abuso sexual. Sofre mais que o homem na questão da educação, uma vez que ela é quem cuida da vida escolar do filho. Sofre mais também na questão da saúde pública, pois precisa utilizá-la para questões ginecológicas bem mais cedo que o sexo masculino. Sofre mais, pois é ela que visita o marido quando vai preso. Sofre mais quando o filho morre ou entra para o tráfico de drogas. Sofre mais ao subir a rua escura, já que seu maior medo não é o assalto, mas o estupro.

Por estarmos mais longe dos bairros centrais, muitos serviços nos são negados. É impossível trabalhar por perto. Estudar por perto. Não há empregos nesses lugares, por isso percorremos longas distâncias, da Zona Norte à Zona Sul da cidade. Não há um número grande de faculdades nas regiões periféricas, o que nos obriga a sair cedo de casa e voltar depois da meia-noite. Não há opções de lazer também. E sair de casa para se divertir significa voltar no primeiro ônibus do outro dia.

Ser mulher nas periferias de São Paulo é conviver com as diferenças geográficas impostas por um sistema que afasta o pobre cada vez para mais longe, enquanto a especulação imobiliária encarece tudo, até mesmo em nossos bairros.

Como vê o espaço que a mulher da periferia ocupa na sociedade? E como ela é retratada?

A mulher da periferia é retratada de forma genérica, estereotipada. Ela é, infelizmente, estigmatizada apenas por ser da periferia. Por sua localização geográfica, acreditam que ela se expressa, fala e se veste apenas de uma forma. A periferia é composta por pessoas muito diversas e, pelas dificuldades todas que passam, muito criativas. Porém, os meios de comunicação de massa ou grande mídia, como dizemos, traz em seus anúncios, novelas e comerciais um único tipo de mulher da periferia, sempre é a empregada doméstica ou a periguete. Somos empregadas domésticas, sim, somos também periguetes, mas somos várias outras também. Somos a mãe, a tia, a irmã, a mulher guerreira desde o nascimento.

Antigamente, a mulher da periferia não tinha acesso à faculdade, não trabalhava além do serviço que já realiza diariamente em sua casa. Essa realidade, no entanto, vem mudando em todas as classes sociais. A mulher vem abrindo espaço no mundo do trabalho, com cargos até melhores que os dos homens. Mas ainda ganha menos que eles. Isso é um desafio a ser enfrentado. Com a mulher da periferia, não é diferente. Ela também vem ocupando espaço, mas sempre tendo de provar que é capaz, mesmo vindo de um lugar distante. É preciso explicar que a questão da moradia longínqua vem acompanhada de preconceitos. “Se mora na periferia, não teve estudo qualificado. Se é da periferia, vai chegar atrasada. Se é da periferia, não sabe falar direito” são afirmações que podemos ouvir por aí.

O que é o “Nós, Mulheres da Periferia”? Como e por que surgiu a ideia de criar esse projeto?

O coletivo é formado por oito jornalistas e uma designer, todas moradoras de bairros da periferia do município de São Paulo. No dia 7 de março de 2012, quatro das nove mulheres jornalistas que integram o coletivo publicaram o artigo “Nós, Mulheres da Periferia” na seção “Tendências/Debates” do jornal Folha de S. Paulo, atentando para a invisibilidade e os direitos não atendidos das mulheres que moram em bairros periféricos de metrópoles. O texto obteve grande repercussão, sendo replicado em outros veículos de mídia, como na Rádio CBN. O artigo encontrou eco entre nossas iguais, outras jovens ou não tão jovens, mulheres moradoras da periferia de São Paulo que finalmente tinham se sentido representadas, lembradas e retratadas. Foi lido e registrado em vídeo no Sarau do Itaim Paulista, na Zona Leste da capital.

Para escrever, as autoras se basearam principalmente em sua visão e experiências cotidianas. Mas perceberam naquele momento que o vazio de representatividade não era sentido apenas por elas. Iniciou-se então um processo de pesquisa e consolidação do coletivo, que tem como objetivo principal dar visibilidade aos direitos não atendidos das mulheres, problematizar os preconceitos e estereótipos limitadores, que se cruzam com as questões de classe social, etnia e raça, muito presentes em razão de serem moradoras das bordas da cidade.

A primeira ação concreta do coletivo foi o lançamento de uma página no Facebook, no 8 de março de 2014. Na mesma data publicou o artigo “Nós, Moradoras da Periferia”, na seção “Tendências/Debates” da Folha de S. Paulo, jogando luz na questão do direito à moradia das mulheres de baixa renda.

Com mais de 2.500 curtidas em menos de dois meses, a página recebe conteúdo inédito diariamente e um post sobre a violação de direitos chegou a alcançar 597 compartilhamentos. Nos comentários da página é possível perceber que um grande número de mulheres da periferia se identificam e se reconhecem em nossas produções. Desde a criação até agora, temos uma média de 119 curtidas, 14 comentários e 23 compartilhamentos por dia.

Nesta quarta-feira, 28 de maio, será o lançamento oficial do site, um canal de comunicação e encontro com a missão de fomentar o protagonismo das moradoras de regiões afastadas do centro paulistano. A primeira grande reportagem trará a luta das mulheres pela casa própria e moradia digna.

Quem são as pessoas que formam o coletivo? Quais suas relações com a comunidade?

São nove mulheres que nasceram, cresceram e ainda moram nas periferias de Norte a Sul da cidade. Todas são jornalistas comunitárias do Blog Mural e, por isso, já têm uma relação diferente ao olhar para o território periférico. Com a experiência adquirida no Mural, de contar aquilo de que a grande mídia não fala, é que vamos basear nosso trabalho, tentando fugir do senso comum.

Quais as principais diferenças entre o “Nós, Mulheres” e os veículos já existentes? Como o projeto pretende dialogar com a comunidade – e ajudar, talvez, a transformá-la?

Hoje em dia, não há nenhum veículo da grande mídia voltado apenas para a mulher. Mesmo entre os alternativos, não encontramos esse viés. E, naqueles da periferia, encontramos alguns assuntos, mas nenhum com foco na mulher. Além disso, um dos principais diferenciais de nosso projeto é que fazemos parte do universo que iremos retratar, pois todas moramos em bairros periféricos de São Paulo. Assim, observador e observado se fundem, marcando as nossas matérias com a sensibilidade de quem vive aquilo que escreve. O jornalismo é a ferramenta que escolhemos para dar voz às mulheres que nunca são ouvidas pela mídia e, quando são, é de forma sensacionalista ou sexista. Além disso, temos como objetivo pautar a grande imprensa, servindo de ponte entre a mídia e as mulheres não ouvidas da periferia.

O coletivo “Nós, Mulheres da Periferia” pretende contribuir para o empoderamento das mulheres moradoras da periferia de São Paulo, promovendo espaços de reflexão, debate, informação, troca de conhecimento, experiências e visibilidade sobre seus protagonismos, histórias e dilemas.

Poetisa e defensora dos direitos humanos, Maya Angelou morre aos 86 anos de idade


Escritora foi encontrada morta em sua casa no estado americano da Carolina do Norte. As causas ainda não foram divulgadas

A escritora e líder do movimento pelo direitos civis, Maya Angelou, morreu na manhã de hoje nos Estados Unidos. Ela estaria lutando contra problemas de saúde e cancelou recentemente uma aparência programada em um evento especial a ser realizado em sua homenagem.

Angelou é considerada a principal escritora da comunidade afroamericana e ainda jovem tornou-se a primeira mulher negra a ser roterista e diretora em Hollywood. Nos anos 60 ela foi amiga de Martin Luther King Jr. e Malcolm X e serviu no SCLC com Dr. King, trabalhando durante anos para o movimento de direitos civis. Também nos anos 60, ela trabalhou e viajou pela África, como jornalista e professora, ajudando vários movimentos de independência africanos. Ela tinha 86 anos e nasceu em St. Louis, Missouri.


ESCRITORA MAYA ANGELOU FOI HOMENAGEADA COM A MEDALHA PRESIDENDIAL DA LIBERDADE PELO PRESIDENTE BARACK OBAMA (FOTO: GETTY IMAGES)

A poetisa e defensora dos direitos humanos Maya Angelou foi encontrada morta na manhã desta quarta-feira (28) em sua casa no estado da Carolina do Norte, nos Estados Unidos. Um zelador teria sido o primeiro a vê-la sem vida na residência em que morava, informou o site “New York Daily News”

Aos 86 anos de idade, Angelou sofria com problemas de saúde, que não foram divulgados, e chegou a cancelar uma aparição em um evento em sua homenagem na sexta-feira (30).

Angelou se tornou um ícone da literatura após publicar mais de 30 livros durante sua carreira. Uma de suas obras mais conhecidas é “I Know Why The Caged Bird Sings”, que relata detalhes de sua vida desde a infância até a adolescência.

Ela foi indicada ao prêmio Pulitzer, o maior do gênero, e recebeu mais de 50 diplomas honorários. Em 2011, o presidente Barack Obama lhe entregou a Medalha da Liberdade, uma das maiores honras civis do país.

Fonte: Marie Claire

Curta sobre a vida de universitários africanos em Floripa na UFSC


No dia 27 de maio, terça-feira ás 19h, aconteceu a estreia do documentário de curta-metragem “Eu Sou de Lá”, que aborda a presença da comunidade de estudantes africanos na UFSC. O curta será exibido no FAM – Florianópolis Audiovisual Mercosul, e o festival acontecerá no Centro de Cultura e Eventos, com entrada gratuita.

Eu Sou de Lá 

A mudança para um novo bairro faz uma jornalista perceber a existência de uma comunidade de universitários africanos vivendo perto de sua casa. Curiosa para saber quem são seus novos vizinhos, ela vai ao encontro deles para ouvir suas histórias, conhecer suas origens, seus sonhos e desafios no sul do Brasil, na cidade de Florianópolis.

Nesses encontros, conhece jovens de países como Moçambique, Cabo Verde e Guiné-Bissau. Além de entrevistá-los, ela deixa uma câmera com eles para que registrem seu cotidiano e suas impressões sobre o Brasil. O resultado é um dinâmico diálogo de ideias e imagens que revelam diversos aspectos da vida desses estudantes, dentro e fora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Jeff estuda filosofia, mas também é um talentoso instrumentista. Por meio da música, ele reflete sobre as semelhanças entre Cabo Verde e Brasil. Para Jeff, a morna cabo-verdiana e o choro brasileiro são ritmos irmãos, extremamente compatíveis.

Se na música as semelhanças com o continente africano são muitas, nas relações pessoais há relatos de estranhamentos e preconceitos. Fristtram e Ermelinda, da Guiné Bissau, tiveram que sair da casa que dividiam com brasileiros, pois eles não gostavam das receitas africanas preparadas por eles e seus conterrâneos, e reclamavam do barulho. O jovem casal ainda tem que lidar com a saudade do filho que ficou na África para que eles pudessem estudar no Brasil.

Enquanto trança os cabelos, forte tradição das mulheres africanas, Mirene, estudante de jornalismo, revela o sonho de ser uma famosa apresentadora de TV, na Guiné-Bissau.

Esses são alguns dos personagens de “Eu Sou de Lá“, documentário de curta-metragem de estreia da jornalista Sansara Buriti. O projeto foi contemplado pelo VII Prêmio Armando Carreirão, edital de estímulo à produção audiovisual catarinense do Funcine (Fundo Municipal de Cinema).

É a primeira vez que a comunidade de estudantes africanos em Florianópolis é tema de um documentário. Gravado entre 2012 e 2013, o filme faz parte da seleção oficial da 18ª edição do Florianópolis Audiovisual Mercosul (FAM), e estreia na Mostra Catarinense.

Assista:


Estudando no Brasil

Atualmente, cerca de dois mil universitários da África vivem no Brasil. Eles foram selecionados pelo Programa de Estudantes-Convênio de Graduação (PEC-G), programa de cooperação do governo brasileiro com países em desenvolvimento.

A maioria vem dos países africanos de língua portuguesa: Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe.

Sobre a diretora

Sansara Buriti é formada em Comunicação Social, desde 2005 trabalha como jornalista para televisão, rádio e jornal, em Santa Catarina. Como correspondente internacional, produz reportagens para a rádio alemã DW – Português para África.

Equipe
Sansara Buriti – direção, roteiro e produção executiva
Alan Langdon – roteiro, câmera, edição e finalização
Guilherme Ledoux – direção musical
Tatiana Lee – produção
Masta Free e Congo Brasil Funk – trilha sonora original

Fonte: Sinter

Dez anos da ocupação militar no Haiti: "o povo quer que as tropas saiam já"


Segundo o pesquisador haitiano Franck Seguy, o Brasil colabora com os EUA, que terceirizaram a invasão militar no Haiti por interesses comerciais próprios.

Por Fábio Nassif,
A ocupação militar no Haiti, comandada pelas tropas brasileiras do Exército, completa dez anos no dia 1 de junho. A Minustah (Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti) foi iniciada a partir de decisão da Organização das Nações Unidas em 2004, quando estávamos sob o governo Lula (PT).

O fato chama a atenção para uma reflexão sobre o papel brasileiro em um país que conhecidamente foi espoliado durante sua história. A imagem muitas vezes transmitidas por veículos de mídia oficiais e pela grande mídia empresarial é de que os soldados brasileiros desempenham um papel de paz e de solidariedade. Essa não é a opinião do pesquisador haitiano Franck Seguy. Ele acompanhou de perto a atuação das tropas militares até vir em 2008 estudar no Brasil. Em 2011 voltou a morar lá e acaba de concluir seu doutorado na Unicamp, com a tese "A catástrofe de janeiro de 2010, a ‘Internacional Comunitária’ e a recolonização do Haiti”. Orientado pelo sociólogo Ricardo Antunes, Franck pretende lançar a tese em livro.

Na entrevista que nos concedeu, Franck ressalta os interesses do Brasil na missão militar, destacando a busca por uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU e o aprofundamento de laços comerciais. Em sua visão, o Brasil desempenha um papel subimperialista no país e colabora com os Estados Unidos – que passaram a terceirizar a invasão militar no Haiti por interesses comerciais próprios.

Ele destacou a atuação repressiva e violenta das tropas militares, rejeita o nome de “missão de paz” e afirmou que o objetivo é “establizar a ordem existente, que mantém o haitiano na precariedade que ele está hoje”. Sobre a retirada das tropas, Franck acredita que o cenário mais provável é que a Minustah saia do país “somente quando eles tiveram garantia de que já existe uma força nacional capaz de garantir o mesmo papel da Minustah”. Apesar disso, reforça: o povo haitiano quer a saída imediata. Leia a seguir a entrevista:

Carta Maior - Quais os principais interesses do Brasil no comando da Minustah?

Franck Seguy - Essa ocupação se deu em decorrência de uma situação social e política haitiana na qual havia uma possibilidade de mudança social no país, impedida por uma intervenção militar.

O país estava passando por um processo, onde havia um movimento social plural mas significativo nas ruas: uma parte da burguesia na rua, os estudantes da principal universidade – que é a Universidade do Estado do Haiti – muitos grupos organizados e alguns partidos políticos. Era um movimento muito plural que não tinha uma única direção, mas que tinha também uma ala radical.

Houve uma primeira intervenção no dia 29 de fevereiro de 2004, realizada pelos Estados Unidos, apoiada pelo Canadá e pela França. A intervenção militar tomou o poder no país e mandou o presidente Jean-Bertrand Aristide embora – ou seja, foi um golpe de Estado. Ele foi exilado, e essa força multinacional composta pelos exércitos norte-americano, francês e canadense tomou conta do país do dia 29 de fevereiro até o dia 31 de maio. A partir de 1 de junho, depois de um voto do Conselho de Segurança da ONU, uma força multinacional foi enviada ao Haiti para tomar conta da ocupação. Assim foi criada a Minustah (Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti), liderada pelo Brasil.

O primeiro interesse do Brasil é o seguinte: com dois anos e pouco no primeiro mandato do Lula, ele queria conseguir o que nenhum presidente havia conseguido antes - uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU. Mas o imperialismo não dá essa vaga de graça para ninguém. Quer dizer, o governo brasileiro precisava comprovar ao mundo inteiro que tinha essa capacidade para lidar com essa vaga. O Haiti foi o laboratório oferecido para o Brasil comprovar isso. Em um artigo chamado “Haiti: a primeira vítima da tentação imperial do Brasil”, Joël Léon, da Anistia Internacional, está corretíssimo em sua análise de que o Brasil está pagando por esta tentação imperial. Na minha análise, o Brasil está desempenhando um papel subimperialista na América Latina e o Haiti está pagando por isso.

O segundo ponto é que o Haiti oferece uma extensão para o mercado brasileiro em alguns sentidos, principalmente na área têxtil. É preciso lembrar que o Brasil tinha um dos maiores empresários do mundo na questão de vestuários, que era o José Alencar (ex-vice presidente no governo Lula). E o filho dele é bastante ativo no Haiti. [veja aqui documento do Wikileaks sobre o lobby de Josué Gomes da Silva, presidente da Coteminas, no Haiti]. Ele já foi ao Haiti junto com Bill Clinton – que é hoje o enviado especial do secretário-geral da ONU e leva regularmente empresários para fazer negócios no Haiti. Hoje o lema oficial do governo haitiano é: “o Haiti está aberto aos negócios” e o principal deles é com a indústria têxtil.

Existe um estudo realizado antes do terremoto de 2010 por um economista da Universidade de Oxford chamado Paul Collier que aponta a criação de zonas francas no Haiti como única saída para explorar o que ele identifica como a mão de obra mais barata existente hoje – ele diz que a mão de obra haitiana é mais barata que a chinesa.

Esses dois fatores são fundamentais para explicar porque o Brasil está ocupando o Haiti hoje e prestando um serviço ao imperialismo, que precisa do Haiti não somente para explorar essa mão de obra mas também para produzir para um mercado norte-americano, muito próximo ao Haiti.

Para explicar um pouco melhor, existe entre o Haiti e os Estados Unidos um acordo, a partir de uma lei adotada pelo Congresso norte-americano, chamada HOPE. De acordo com essa lei o produto vestuário feito no Haiti é comercializado nos Estados Unidos como sendo norte-americano. Ou seja, entra no mercado norte-americano sem pagar nenhuma taxa. O Paul Collier diz no relatório dele que o Haiti, localizado próximo ao maior mercado mundial, tendo mão de obra barata, não exigindo pagamento de taxas de acordo com a lei HOPE e sendo um país pouco regulamentado – com poucas leis que protegem direitos trabalhistas – é o lugar mais seguro para produzir. Por isso o Brasil está desempenhando este papel.


Carta Maior - Por que você considera que o Brasil desempenha um papel subimperialista e qual a diferença com um imperialismo no sentido clássico?

Vou responder a partir da realidade haitiana.

Como o imperialismo clássico costuma atuar no Haiti? Se você olhar para a história do Haiti, no final do século XIX, a batalha era entre quatro potências: França, Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos. Cada um tinha um plano de controle. Eles precisavam controlar o Haiti porque o país estava em processo de liberalização e era necessário disputar quem financiaria isso. Em segundo lugar, pela localização geográfica, pelo fato do Haiti estar no caminho do canal do Panamá. Quem controlasse o Haiti controlava quem ia passar no canal do Panamá. Terceiro que, pelo Haiti, era possível ter controle de Cuba também. E neste período era muito importante comprovar que o Haiti, por ser um país negro, era incapaz de ser governado por si mesmo.

Na luta entre essas potências, os norte-americanos, prevalecendo-se da Doutrina Monroe – segundo a qual a América pertence aos Estados Unidos – decidiram que não deixariam um país europeu ocupar o Haiti. Por isso em 1915 o imperialismo norte-americano decidiu intervir no Haiti e ocupar o país militarmente durante 19 anos.

Durante esta primeira ocupação o que eles fizeram? Expropriaram, pegaram as terras do povo haitiano e mandaram os camponeses para Cuba nas plantações de cana e para o Panamá, terminar a construção do canal. Nas serras implementaram algumas empresas, por exemplo de extração de borracha, banana e algodão, e depois continuaram tomando conta do país. Por exemplo, no início da década de 80 havia 164 empresas norte-americanas no Haiti. Na mesma época eles mataram parte da economia haitiana que era baseada no gado e no rebanho suíno. Eles mataram os porcos para liberar uma mão de obra que precisavam para trabalhar nas zonas francas e nos parques industriais. Estou falando isso para exemplificar que o imperialismo norte-americano sempre que precisava tomava conta do país, econômica, política e militarmente. Ocuparam também em 1994.

Mas o que aconteceu? A partir de 2004 os norte-americanos fizeram a escolha de terceirizar as ocupações. Quer dizer, hoje eles não mais ocupam o Haiti militarmente. Eles fizeram isso por alguns dias só por ocasião do terremoto em 2010. Enquanto o Exército brasileiro já estava lá, eles interviram com 15 mil soldados e o general brasileiro que comandava a Minustah ameaçou ir embora. O Exército brasileiro nestes dias distribuía água nas ruas e o general justificou a ação dizendo que era preciso marcar presença ali. Ou seja, a “ajuda” ficou explicitamente em segundo plano.

Hoje, a ocupação do Haiti é terceirizada. Os países que têm tropas lá são todos periféricos em relação aos Estados Unidos e ao imperialismo de um modo geral. Países como Argentina, Bolívia, Uruguai, Paraguai, Chile, Senegal, Burkina Faso, Bangladesh, Iêmen, etc. Essa terceirização acontece militarmente e economicamente porque as zonas francas que estão sendo implementadas no Haiti são com empresas de países periféricos como Coréia do Sul e República Dominicana. A produção, porém, é destinada ao mercado norte-americano a favor do seu próprio capitalismo.

Carta Maior - Na visão do povo haitiano e dos movimentos sociais, a Minustah pode ser considerada uma missão de estabilização como o nome sugere?

O que é uma missão de estabilização? Estabilizar o quê? Establizar a ordem existente, que mantém o haitiano na precariedade que ele está hoje. Às vezes eles a chamam de Missão de Paz, e eu acho que não são a mesma coisa. Uma missão de escravização não é uma missão de paz e vice-versa. A Minustah não é uma missão de paz e sim de estabilização. Estabilizar o país para que o trabalhador continue ganhando 4 dólares por dia – que é o salario no Haiti hoje – enquanto os capitalistas exploram a barata mão de obra haitiana – e como se esse barateamento fosse uma coisa natural. O papel da Minustah é exatamente esse: reprimir os movimentos sociais e operários de um modo geral toda vez que eles procuram mudanças na estrutura social do país.

O Exército brasileiro já deu as provas sobre isso. Em 2009, quando houve um movimento a favor do reajuste do salario mínimo, as tropas brasileiras, principalmente em Porto Príncipe, baixaram a mais tremenda repressão no movimento. Quando o Exército brasileiro chegou no Haiti em 2004, foi aplaudido como herói. Em agosto a seleção brasileira de futebol foi jogar no Haiti, ganhou de seis a zero, foi aplaudida pelos haitianos. Os haitianos são torcedores loucos por futebol, principalmente pelas seleções – muito mais do que no Brasil – e não seria exagero afirmar que 70% torce pela seleção brasileira. E gostam do Brasil porque a imprensa fora do seu território o apresenta como um país que não tem racismo, miscigenado e integrado.

Em 2004 era muito fácil o Exército brasileiro chegar no Haiti. Como eles começaram a baixar a repressão nos movimentos sociais e nos bairros populares, o povo haitiano passou a perceber que o papel da Minustah não era ajudar aquele povo mas ajudar a estabilizar o Haiti para o imperialismo. Os haitianos hoje não têm mais essa ilusão. Eles sabem que é uma missão para o que haitiano fique na dele e seja explorado. Quando não há lutas abertas para o Exército brasileiro, qual é o papel do Brasil? O povo haitiano usa a palavra “turistah”. É um jogo de palavras entre “turista” e “Minustah”. Ou seja, é para o soldado que está fazendo turismo. Ele só tem duas coisas a fazer: repressão em momentos de luta aberta e passeio nas belas praias quando não há luta. É isso que faz o soldado brasileiro no Haiti.

Claro que a grande mídia mostra um soldado brasileiro ajudando alguém individualmente, chorando, para mostrar o soldado brasileiro como um sujeito simpático e sensível à miséria humana. Claro que a grande mídia faz isso, para enganar quem não vai analisar com profundidade. Mas quem convive com os haitianos sabe que o Exército está fazendo um papel muito repressivo em relação ao povo.

Carta Maior - Como você enxerga a missão no Haiti sendo utilizada como argumento para as intervenções das forças armadas nas favelas brasileiras?

Os generais brasileiros no Haiti admitem isso, do Haiti como campo de treinamento. Um comandante de um contingente assumiu que o Haiti serve para treinar o Exército para atuar nos morros do Rio de Janeiro depois. E isso está sendo demonstrado agora porque boa parte dos soldados que já passaram pelo Haiti estão no Rio.

Carta Maior - Qual o balanço que você faz desses dez anos, do ponto de vista da violação dos direitos do povo haitiano?

Deixa eu te contar um evento. Havia um general brasileiro [Urano Teixeira da Mata Bacelar] no Haiti que foi morto, mas oficialmente foi considerado um suicídio. Disseram que ele cometeu suicídio e ponto. Mas as pessoas que têm mais conhecimento do que eu sobre perícia já disseram que não foi suicídio. Ele não era canhoto e recebeu a bala do lado esquerdo, abaixo da orelha, e uma série de argumentos que pelo menos colocam em dúvida a tese do suicídio. É porque naquele período esse general recebeu uma ordem para reprimir o povo que mora numa favela enorm, chamada Cité Soleil. O general brasileiro, deve ter esquecido que era general, pensou que era sociólogo, e começou a dizer que aquele povo não precisava de repressão e sim uma ajuda para sair da miséria. Um militar que pensa é perigoso. [Veja matéria do The Guardian, com documentos do Wikileaks, que aponta suspeitas sobre a morte de Bacelar.]

Eu conheço alguns soldados que foram pro Haiti e eles não voltam com o mesmo ânimo que foram pro Haiti. Alguns voltam e nunca mais falam no Haiti. Porque eles fazem coisas diferentes do que estavam esperando. Muitos deles vão para o Haiti pensando que vão pacificar um país em guerra e outros pensam que vão ajudar um povo em dificuldade. Quando eles chegam não há nenhuma guerra para pacificar. E não há nenhuma ajuda a favor deste povo. Então eles voltam muitas vezes desapontados em relação à expectativa inicial.

Carta Maior - Sobre a retirada das tropas, você acredita que ela deva ser gradual ou imediata? O que ficará do Haiti depois dessa saída?

O povo haitiano e os movimentos sociais querem que a Minustah saia do país. E não é amanhã ou depois de amanhã. É sair agora. Esse é o desejo e entre o desejo e a realidade a diferença é grande. O povo haitiano não é soberano hoje, não é ele quem decide sobre isso. O Estado haitiano só existe no nome. É a própria ONU que vai decidir. Como a Minustah está lá para desenvolver determinado papel, do ponto de vista do imperialismo, a Minustah vai sair somente quando eles tiverem garantia de que já existe uma força nacional capaz de garantir o mesmo papel da Minustah. Na minha análise, esse é o cenário mais provável no Haiti. Esse ano tem eleição legislativa e a presidencial é no final de 2015 para tomar posse em 2016. Do ponto de vista do povo, é saída já; do ponto de vista do imperialismo, saída gradual – seja para colocar outra força ou para treinar as forças haitianas até que seja tão repressiva quanto a Minustah.

Carta Maior - Acredita que existe relação entre a presença das tropas brasileiras no Haiti e a vinda de haitianos para o Brasil?

Eu vejo relação mas tem mais do que isso. Há relação no sentido que o projeto de zonas francas que está sendo implementado no Haiti hoje – que prevê a construção de 42 delas – e a mais recente inaugurada pretende fornecer entre 65 e 75 mil empregos. Mas o salário vai ser de 4 dólares por dia. Quer dizer, o imperialismo diz que quer criar emprego como forma de reconstrução do país, mas é um emprego que não garante a sobrevivência do haitiano. Assim, o haitiano procura saídas e uma delas é a migração. Portanto, a relação se dá porque o Exército brasileiro está lá para garantir essa estabilização com um salário de miséria.

Mas é muito mais do que isso, no sentido de que esta obrigação pela migração não é uma situação que vem de 2004. É de antes porque o país foi destruído sistematicamente do século XIX pra cá. Em todos os sentidos. As finanças do país foram roubadas – como verdadeiros assaltos principalmente pela França, Alemanha e Estados Unidos. Aliás, a primeira medida da ocupação norte-americana em 1915 foi pegar a reserva do Banco Central do Haiti para levar a Washington. O imperialismo destruiu sistematicamente o meio ambiente haitiano fragilizando cada vez mais o país em relação a qualquer fenômeno da natureza. Por isso um terremoto tão fraco de 7.2 matou 300 mil pessoas no Haiti enquanto a gente vê um terremoto de 8.9 no Chile matar aproximadamente 100 pessoas. E o país foi fragilizado também pela migração de sua força de trabalho mais qualificada. Hoje, mais de 80% dos haitianos com diploma de ensino superior estão fora do Haiti. No Canadá, somente no Quebec, existem mais médicos haitianos, formados no seu país, do que no próprio Haiti.

A tragédia do Haiti não é o terremoto de 2010. É essa situação que evolui ano a ano até hoje. A migração do haitiano se coloca como necessidade que não é do século XXI e é feita em vários sentidos. Mas a migração para o Brasil é da chamada mão de obra menos qualificada. A mais qualificada também está migrando mas não para o Brasil. Porque hoje a precariedade é a norma do cotidiano no Haiti. 

Fonte: Cartamaior

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Mobilização Nacional Indígena promove uma série de manifestações em Brasília


Objetivo dos atos é impedir a aprovação de projetos contra os direitos indígenas; mobilizações iniciam hoje (26) e vão até quinta-feira (29)

Povos e organizações indígenas de todo o país irão realizar manifestações e eventos em defesa de suas terras e seus direitos, em Brasília (DF), a partir desta segunda-feira (26). Os atos, que fazem parte da Mobilização Nacional Indígena e que vão até esta quinta-feira (29), têm como objetivo impedir a aprovação de uma série de projetos contra os direitos territoriais dos índios, que estão em tramitação no parlamento.

Um dos projetos que os indígenas dizem ser anticonstitucionais é a PEC 215, que pretende transferir aos congressistas a atribuição de aprovar a demarcação das Terras Indígenas (TIs). Outro Projeto de Lei contrário a demarcação de terras dos povos tradicionais é o PL 227, que visa abrir essas áreas à exploração econômica.

Também serão alvos dos protestos a proposta de alteração do procedimento de demarcação das terras indígenas, encaminhada pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e a Portaria 303 da Advocacia-Geral da União (AGU). Essa Portaria objetiva generalizar todos as territórios indígenas às condicionantes definidas para a TI Raposa Serra do Sol (RR), contrariando a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

Para a coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sônia Guajajara, há um pacto entre Estado e representantes do capital contra os direitos indígenas.

“Está em curso uma virulenta campanha de criminalização, deslegitimação, discriminação, racismo e extermínio dos povos indígenas”, alerta.

Por outro lado, as organizações explicam que a tramitação de projetos que consolidam os direitos indígenas e que são bandeiras do movimento, como o Estatuto dos Povos Indígenas e o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), está paralisada há anos nos corredores do Congresso, sem qualquer avanço.

A Mobilização Nacional Indígena é promovida pela Apib, com apoio do Centro de Trabalho Indigenista (CTI), Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Instituto Socioambiental (ISA), Greenpeace, Instituto de Educação do Brasil (IIEB), entre outras organizações indígenas e indigenistas.


Fonte: Brasildefato

Nos caminhos do poder, repressão e medo


Egon Heck | Cimi,
Brasília amanheceu em tom acinzentado. Para os 600 representantes indígenas de todo o país, reunidos no décimo acampamento Terra Livre, era um dia de intensa mobilização e manifestações na capital federal.

Parece que procuraram testar o esquema de segurança e repressão com os povos indígenas. O local do acampamento foi permanentemente vigiado e tentaram intimidar as lideranças parando os ônibus na BR-040, rumo aos três poderes.

Nada mais simbólico do que ocupar, com rituais, danças, flechas, maracás e bordunas, a Praça dos Três Poderes. Ecoou forte o grito: “Estamos vivos! E estamos aqui!” Na praça já estavam manifestantes dos atingidos por barragens – MAB.

A parte da manhã desse memorável dia 27 de maio terminou com os indígenas protocolando uma queixa-crime contra os parlamentares Luiz Carlos Heinze e Alceu Moreira por declarações racistas e incitamento à violência contra os índios. A bancada ruralista está aproveitando a Comissão Especial da PEC 215/2000 como palanque anti-indígena e ataques aos direitos constitucionais desses povos.

Sob um sol escaldante, com o refrigério de algumas nuvens densas, os indígenas deram sequencia às manifestações dirigindo-se em passeata até à frente do Palácio do Planalto. Forte esquema de segurança já estava armado. Os índios deram seu recado em frente à rampa do palácio e seguiram em direção do Congresso. De repente irromperam para a plataforma que envolve os plenários da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Ali fizeram rituais e danças, à semelhança de 1988 quando da conquista dos direitos indígenas na Carta Magna. Com a diferença que desta vez a manifestação era para evitar a retirada de direitos conquistados. Esse espaço público especial foi fechado ao povo. Porém assim como visitaram o plenário por dentro, em abril do ano passado, desta vez o visitaram, pelo lado de fora. Os povos primeiros visitam os lugares proibidos!

A manifestação seguiu, acompanhada de veementes falas das lideranças, até o Ministério da inJustiça. De maneira incisiva e dura, cobraram do ministro Cardozo a retomada das demarcações de terras indígenas e garantia dos direitos desses povos. Foi também o momento de um bom grupo se refrescar nas cachoeiras do ministério.

Nos caminhos da Copa, a repressão

O dia já avançava para seu final, com um agradável clima para os manifestantes que se dirigiram ao Estádio Internacional Mané Garrincha. Como brasileiros tinham o direito de ver a taça ali exposta. Porém, no caminho, já próximo ao estádio a marcha foi brutalmente interrompida com cavalaria, gás lacrimogêneo e de efeito moral, balas de borracha e spray de pimenta. Seis índios foram feridos com balas de borracha. A caminhada havia sido convocada pelo Comitê Popular da Copa – DF, numa caminhada pacífica até o estádio mais caro do país, que mostra o encastelamento do poder da FIFA.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil distribuiu nota de repúdio contra mais essa violência sofrida pelos povos indígenas. Repetiu-se a repressão cometida em Coroa Vermelha, no ano 2000.

Quanto mais presos, maior o lucro


Quase 600 mil pessoas estão presas no Brasil. Temos a quarta maior população carcerária do planeta, atrás apenas dos Estados Unidos (2,2 milhões), da China (1,6 milhão) e Rússia (740 mil). O caráter racial da violência é explicito: enquanto a taxa de homicídios de negros é de 36,5 por 100 mil habitantes, no caso de brancos, a relação é de 15,5 por 100 mil habitantes.

Não bastasse a lástima da violência tradicional, promovida pelo Estado por suas próprias mãos, percebemos agora o interesse privado sobrepondo direitos humanos e subjulgando vidas em razão do lucro.

A espetacular reportagem de de Paula Sacchetta para a A Pública, explicita mais um retrato de nossos dias.

Leia. Vale a pena!




O início dos presídios privados no Brasil: Quanto mais presos, maior o lucro


por Paula Sacchetta | A Pública | 27 maio, 2014




Na primeira penitenciária privada desde a licitação, o Estado garante 90% de lotação mínima e seleciona os presos para facilitar o sucesso do projeto. Veja o Mini Documentário e a reportagem.






Em janeiro do ano passado (2013), assistimos ao anúncio da inauguração da “primeira penitenciária privada do país”, em Ribeirão das Neves, região metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais. Porém, prisões “terceirizadas” já existem em pelo menos outras 22 localidades, a diferença é que esta de Ribeirão das Neves é uma PPP (parceria público-privada) desde sua licitação e projeto, e as outras eram unidades públicas que em algum momento passaram para as mãos de uma administração privada. Na prática, o modelo de Ribeirão das Neves cria penitenciárias privadas de fato, nos outros casos, a gestão ou determinados serviços são terceirizados, como a saúde dos presos e a alimentação.

Hoje existem no mundo aproximadamente 200 presídios privados, sendo metade deles nos Estados Unidos. O modelo começou a ser implantado naquele país ainda nos anos 1980, no governo Ronald Reagan, seguindo a lógica de aumentar o encarceramento e reduzir os custos, e hoje atende a 7% da população carcerária. O modelo também é bastante difundido na Inglaterra – lá implantado por Margareth Thatcher – e foi fonte de inspiração da PPP de Minas, segundo o governador do estado Antônio Anastasia. Em Ribeirão das Neves o contrato da PPP foi assinado em 2009, na gestão do então governador Aécio Neves.

O slogan do complexo penitenciário de Ribeirão das Neves é “menor custo e maior eficiência”, mas especialistas questionam sobretudo o que é tido como “eficiência”. Para Robson Sávio, coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos (Nesp) da PUC-Minas e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, essa eficiência pode caracterizar um aumento das prisões ou uma ressocialização de fato do preso. E ele acredita que a privatização tende para o primeiro caso. Entre as vantagens anunciadas está, também, a melhoria na qualidade de atendimento ao preso e na infra-estrutura dos presídios.

Bruno Shimizu e Patrick Lemos Cacicedo, coordenadores do Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo questionam a legalidade do modelo. Para Bruno “do ponto de vista da Constituição Federal, a privatização das penitenciárias é um excrescência”, totalmente inconstitucional, afirma, já que o poder punitivo do Estado não é delegável. “Acontece que o que tem impulsionado isso é um argumento político e muito bem construído. Primeiro se sucateou o sistema penitenciário durante muito tempo, como foi feito durante todo um período de privatizações, (…) para que então se atingisse uma argumentação que justificasse que esses serviços fossem entregues à iniciativa privada”, completa.

Laurindo Minhoto, professor de sociologia na USP e autor de Privatização de presídios e criminalidade, afirma que o Estado está delegando sua função mais primitiva, seu poder punitivo e o monopólio da violência. O Estado, sucateado e sobretudo saturado, assume sua ineficiência e transfere sua função mais básica para empresas que podem realizar o serviço de forma mais “prática”. E essa forma se dá através da obtenção de lucro.

Patrick afirma que o maior perigo desse modelo é o encarceramento em massa. Em um país como o Brasil, com mais de 550 mil presos, quarto lugar no ranking dos países com maior população carcerária do mundo e que em 20 anos (1992-2012) aumentou essa população em 380%, segundo dados do DEPEN, só tende a encarcerar mais e mais. Nos Estados Unidos, explica, o que ocorreu com a privatização desse setor foi um lobby fortíssimo pelo endurecimento das penas e uma repressão policial ainda mais ostensiva. Ou seja, começou a se prender mais e o tempo de permanência na prisão só aumentou. Hoje, as penitenciárias privadas nos EUA são um negócio bilionário que apenas no ano de 2005 movimentou quase 37 bilhões de dólares.



Como os presídios privados lucram

Nos documentos da PPP de Neves disponíveis no site do governo de Minas Gerais, fala-se inclusive no “retorno ao investidor”, afinal, são empresas que passaram a cuidar do preso e empresas buscam o lucro. Mas como se dá esse retorno? Como se dá esse lucro?

Um preso “custa” aproximadamente R$ 1.300,00 por mês, podendo variar até R$ 1.700,00, conforme o estado, numa penitenciária pública. Na PPP de Neves, o consórcio de empresas recebe do governo estadual R$ 2.700,00 reais por preso por mês e tem a concessão do presídio por 27 anos, prorrogáveis por 35. Hamilton Mitre, diretor de operações do Gestores Prisionais Associados (GPA), o consórcio de empresas que ganhou a licitação, explica que o pagamento do investimento inicial na construção do presídio se dá gradualmente, dissolvido ao longo dos anos no repasse do estado. E o lucro também. Mitre insiste que com o investimento de R$ 280 milhões – total gasto até agora – na construção do complexo esse “payback”, ou retorno financeiro, só vem depois de alguns anos de funcionamento ou “pleno vôo”, como gosta de dizer.

Especialistas, porém, afirmam que o lucro se dá sobretudo no corte de gastos nas unidades. José de Jesus Filho, assessor jurídico da Pastoral Carcerária, explica: “entraram as empresas ligadas às privatizações das estradas, porque elas são capazes de reduzir custos onde o Estado não reduzia. Então ela [a empresa] ganha por aí e ganha muito mais, pois além de reduzir custos, percebeu, no sistema prisional, uma possibilidade de transformar o preso em fonte de lucro”.

Para Shimizu, em um país como o Brasil, “que tem uma das mais altas cargas tributárias do mundo”, não faz sentido cortar os gastos da população que é “justamente a mais vulnerável e a que menos goza de serviços públicos”. No complexo de Neves, os presos têm 3 minutos para tomar banho e os que trabalham, 3 minutos e meio. Detentos denunciaram que a água de dentro das celas chega a ser cortada durante algumas horas do dia.
O cúmulo da privatização

Outra crítica comum entre os entrevistados foi o fato de o próprio GPA oferecer assistência jurídica aos detentos. No marketing do complexo, essa é uma das bandeiras: “assistência médica, odontológica e jurídica”. Para Patrick, a função é constitucionalmente reservada à Defensoria, que presta assistência gratuita a pessoas que não podem pagar um advogado de confiança. “Diante de uma situação de tortura ou de violação de direitos, essa pessoa vai buscar um advogado contratado pela empresa A para demandar contra a empresa A. Evidentemente isso tudo está arquitetado de uma forma muito perversa”, alerta.

Segundo ele, interessa ao consórcio que, além de haver cada dia mais presos, os que já estão lá sejam mantidos por mais tempo. Uma das cláusula do contrato da PPP de Neves estabelece como uma das “obrigações do poder público” a garantia “de demanda mínima de 90% da capacidade do complexo penal, durante o contrato”. Ou seja, durante os 27 anos do contrato pelo menos 90% das 3336 vagas devem estar sempre ocupadas. A lógica é a seguinte: se o país mudar muito em três décadas, parar de encarcerar e tiver cada dia menos presos, pessoas terão de ser presas para cumprir a cota estabelecida entre o Estado e seu parceiro privado. “Dentro de uma lógica da cidadania, você devia pensar sempre na possibilidade de se ter menos presos e o que acontece ali é exatamente o contrário”, afirma Robson Sávio.

Para ele, “na verdade não se está preocupado com o que vai acontecer depois, se está preocupado com a manutenção do sistema funcionando, e para ele funcionar tem que ter 90% de lotação, porque se não ele não dá lucro”.
Para garantir a lei, a ordem e a imagem


Na foto, o complexo de Neves é realmente diferente das penitenciárias públicas. É limpo, organizado e altamente automatizado, repleto de câmeras, portões que são abertos por torres de controle, etc, etc, etc. Mas que tipo de preso vai pra lá? Hamilton Mitre, diretor do GPA afirma que “não dá pra falar que o Estado coloca os presos ali de forma a privilegiar o projeto”.

No entanto, Murilo Andrade de Oliveira, subsecretário de Administração Penitenciária do Estado de Minas, diz exatamente o contrário: “nós estabelecemos inicialmente o critério de que [pode ir para a PPP] qualquer preso, podemos dizer assim, do regime fechado, salvo preso de facção criminosa – que a gente não encaminha pra cá – e preso que tem crimes contra os costumes, estupradores. No nosso entendimento esse preso iria atrapalhar o projeto”.

Na visão dos outros entrevistados, a manipulação do perfil do preso pode ser uma maneira de camuflar os resultados da privatização dos presídios. “É muito fácil fazer desses presídios uma janela de visibilidade: ‘olha só como o presídio privado funciona’, claro que funciona, há todo um corte e uma seleção anterior”, diz Bruno Shimizu.

Robson Sávio explica que presos considerados de “maior periculosidade”, “pior comportamento” ou que não querem trabalhar ou estudar são mais difíceis de ressocializar, ou seja, exigiriam investimentos maiores nesse sentido. Na lógica do lucro, portanto, eles iriam mesmo atrapalhar o projeto.

Se há rebeliões, fugas ou qualquer manifestação do tipo, o consórcio é multado e perde parte do repassa de verba. Por isso principalmente o interesse em presos de “bom comportamento”. O subsecretário Murilo afirma ainda que os que não quiserem trabalhar nem estudar podem ser “devolvidos” às penitenciárias públicas: “o ideal seria ter 100% de presos trabalhando, esse é nosso entendimento. Agora, tem presos que realmente não querem estudar, não querem trabalhar, e se for o caso, posteriormente, a gente possa tirá-los (sic), colocar outros que queiram trabalhar e estudar porque a intenção nossa é ter essas 3336 vagas aqui preenchidas com pessoas que trabalhem e estudem”.

Hoje, na PPP de Ribeirão das Neves ainda não são todos os presos que trabalham e estudam e os que têm essa condição se sentem privilegiados em relação aos outros. A reportagem só pôde entrevistar presos no trabalho ou durante as aulas, não foi permitido falar com outros presos, escolhidos aleatoriamente. Foram mostradas todas as instalações da unidade 2 do complexo, tais como enfermaria, oficinas de trabalho, biblioteca e salas de aula, mas não pudemos conversar com presos que não trabalham nem estudam e muito menos andar pelos pavilhões, chamados, no eufemismo do luxo de Neves, de “vivências”.
O trabalho do preso: 54% mais barato

O Estado e o consórcio buscam empresas que se interessem com o trabalho do preso. As empresas do próprio consórcio não podem contratar o trabalho deles a não ser para cuidar das próprias instalações da unidade, como elétrica e limpeza. Então o lucro do consórcio não vem diretamente do trabalho dos presos, mas sim do repasse mensal do estado.

Mas a que empresa não interessaria o trabalho de um preso? As condições de trabalho não são regidas pela CLT, mas sim pela Lei de Execução Penal (LEP), de 1984. Se a Constituição Federal de 1988 diz que nenhum trabalhador pode ganhar menos de um salário mínimo, a LEP afirma que os presos podem ganhar ¾ de um salário mínimo, sem benefícios. Um preso sai até 54% mais barato do que um trabalhador não preso assalariado e com registro em carteira.

O professor Laurindo Minhoto explica: “o lucro que as empresas auferem com esta onda de privatização não vem tanto do trabalho prisional, ou seja, da exploração da mão de obra cativa, mas vem do fato de que os presos se tornaram uma espécie de consumidores cativos dos produtos vendidos pela indústria da segurança e da infra-estrutura necessária à construção de complexos penitenciários”.

Helbert Pitorra, coordenador de atendimento do GPA, na prática, quem coordena o trabalho dos presos, orgulha-se que o complexo está virando um “pólo de EPIs” (equipamentos de proteção individual), ou seja, um pólo na fabricação de equipamentos de segurança. “Eles fabricam dentro da unidade prisional sirenes, alarmes, vários circuitos de segurança, (…) calçados de segurança como coturnos e botas de proteção (…), além de uniformes e artigos militares”.

O que é produzido ali dentro, em preços certamente mais competitivos no mercado alimenta a própria infra-estrutura da unidade. A capa dos coletes à prova de balas que os funcionários do GPA usam é fabricada ali dentro mesmo, a módicos preços, realizados por um preso que custa menos da metade de um trabalhador comum a seu empregador.

Em abril deste ano, o Governo de Minas Gerais foi condenado por terceirização ilícita no presídio de Neves. A Justiça do Trabalho confirmou a ação civil pública do Ministério Público do Trabalho e anulou várias das contratações feitas pelo GPA.

“Entre os postos de trabalho terceirizados estão atividades relacionadas com custódia, guarda, assistência material, jurídica e à saúde, uma afronta à Lei 11.078/04 que classifica como indelegável o poder de polícia e também a outros dispositivos legais. Além de ser uma medida extremamente onerosa para os cofres públicos, poderá dar azo a abusos sem precedentes”, disse o procurador que atuou no caso, Geraldo Emediato de Souza, ao portal mineiro Hoje em dia.
Panorama final

Como na maioria das penitenciárias, as visitas do Complexo passam por revista vexatória. A., mulher de um detento que preferiu não se identificar, entregou à reportagem uma carta dos presos e explicou como é feita a revista: “temos que tirar a roupa toda e fazer posição ginecológica, agachamos três vezes ou mais, de frente e de costas, temos que tapar a respiração e fazer força. Depois ainda sentamos num banco que detecta metais”. Na mesma carta entregue por A., os presos afirmam que os diretores do presídio já têm seus “beneficiados”, que sempre falam “bem da unidade” à imprensa, e são, invariavelmente, os que trabalham ou estudam.

Na carta, eles ainda afirmam que na unidade já há presos com penas vencidas que não foram soltos ainda. Fontes que também não quiseram se identificar insistem que o consórcio da PPP já “manda” na vara de execuções penais de Ribeirão das Neves.

José de Jesus filho, da Pastoral Carcerária, não vê explicação para a privatização de presídios que não a “corrupção”.Tem seus motivos. Em maio de 2013, a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e a Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô) foram alvo de ações por corrupção e má utilização de recursos públicos. Na ação da CPTM foi citado o ex-diretor, Telmo Giolito Porto, hoje à frente do consórcio da PPP de Ribeirão das Neves, assim como a empresa Tejofran de Saneamento e Serviços Gerais LTDA., que faz parte do mesmo consórcio.

Nesse sentido, Robson Sávio alerta: “será que o estado quando usa de tanta propaganda para falar de um modelo privado ele não se coloca na condição de sócio-interesseiro nos resultados e, portanto, se ele é sócio-interesseiro ele também pode maquiar dados e esconder resultados, já que tudo é dado e planilha? Esse sistema ainda tem muita coisa que precisa ser mais transparente e melhor explicada”.
Pelo Brasil

O modelo mineiro de PPP já inspirou projetos semelhantes no Rio Grande do Sul, em Pernambuco e no Distrito Federal. As licitações já aconteceram ou estão abertas e, em breve, as penitenciárias começarão a ser construídas. O governo do Estado de São Paulo e a Secretaria de Administração Penitenciária também pretendem lançar em breve um edital para a construção de um grande complexo no Estado, com capacidade para 10.500 presos. O governador Geraldo Alckmin já fez consultas públicas e empresas já se mostraram interessadas no projeto.

No Ceará, uma decisão judicial obrigou à iniciativa privada devolver a gestão de penitenciárias para o Governo do estado. No Paraná, o próprio Governo decidiu retomar a administração de uma série de penitenciárias, após avaliar duas questões: a jurídica e a financeira.

No Brasil, país do “bandido bom é bandido morto”, da “bancada da bala” e onde presos não têm direitos simplesmente por estarem presos, a privatização também assusta do ponto de vista da garantia dos direitos humanos dos presos. “Será que num sistema que a sociedade nem quer saber e não está preocupada, como é o prisional, haverá fiscalização e transparência suficiente? Ou será que agora estamos criando a indústria do preso brasileiro?”, pergunta Sávio.

Os entrevistados dão um outro alerta: nesse primeiro momento, vai se investir muito em marketing para que modelos como o de Neves sejam replicados Brasil afora. Hamilton Mitre diz que a unidade será usada como um “cartão de visitas” e fontes afirmam que o modelo de privatização de presídios será plataforma de campanha de Aécio Neves, candidato à presidência nas eleições do fim deste ano.

Para Minhoto, a partir do momento em que você enraíza um interesse econômico e lucrativo na gestão do sistema penitenciário, “o estado cai numa armadilha de muitas vezes ter que abrir mão da melhor opção de política em troca da necessidade de garantir um retorno ao investimento que a iniciativa privada fez na área”, diz. E Bruno Shimizu completa “e isso pode fazer com que a gente crie um monstro do qual a gente talvez não vá mais conseguir se livrar”.

“Para quem investe em determinado produto, no caso o produto humano, o preso, será interessante ter cada vez mais presos. Ou seja, segue-se a mesma lógica do encarceramento em massa. A mesma lógica que gerou o caos, que justificou a privatização dos presídios”, arremata Patrick.
Para entender: dados e números

Brasil
- Existem no Brasil aproximadamente 550 mil presos.
- São aproximadamente 340 mil vagas no sistema prisional.
- O Brasil está em 4o lugar no ranking dos países com maior população carcerária no mundo, atrás de EUA, China e Rússia.
- Entre 1992 e 2012 o Brasil aumentou sua população carcerária 380%.
- Empresas dividem a gestão de penitenciárias com o poder público em pelo menos 22 presídios de sete estados: Santa Catarina, Minas Gerais, Espírito Santo, Tocantins, Bahia, Alagoas e Amazonas.

Minas Gerais
- Em 2003 o Estado de Minas tinha aproximadamente 23 mil presos.
- Em 10 anos essa população mais do que duplicou: hoje são 50 mil presos.
- Em 2003 eram 30 unidades prisionais no Estado, hoje são mais de 100.
- Em 2011 o Estado de Minas já gastava aproximadamente um bilhão de reais por ano com o sistema penitenciário.


O complexo de Ribeirão das Neves
- O consórcio Gestores Prisionais Associados (GPA), que ganhou a licitação do complexo penitenciário de Ribeirão das Neves é formado por cinco empresas, são elas:

- Em 18 de janeiro de 2013 começaram a ser transferidos os primeiros presos para o Complexo Penitenciário de Ribeirão das Neves.
- A inauguração aconteceu no dia 28 de janeiro de 2013, com uma ala já ocupada por 75 presos.
- Hoje (maio de 2014) estão funcionando duas das cinco unidades do complexo, cada uma com 672 presos.
- A capacidade do complexo é de 3336 vagas.
- O consórcio de empresas tem 27 anos da concessão do complexo, sendo dois para construção e 25 para operação.
- Já foram gastos 280 milhões de reais na construção do complexo até agora. O GPA estima que no total serão gastos 380 milhões.
- O Estado repassa R$2.700 por preso mensalmente; nas penitenciárias públicas o custo é de R$ 1.300,00 a R$ 1.700,00 por mê
- As celas têm capacidade máxima para quatro presos.
- Detalhes sobre a PPP de Ribeirão das Neves e documentos podem ser acessados neste site.