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sexta-feira, 2 de maio de 2014

O CENTRO NERVOSO DA LUTA NA GUERRA RACIAL

Desta forma, os negros,
Agora incitados pelo novo conhecimento que desenterraram, gritam –
BRUTALIDADE POLICIAL! –
De um extremo a outro, o novo grito de guerra
Eldridge Cleaver


O maior erro que já cometido pelo mundo negro
Foi pressupor que qualquer um que se opusesse ao apartheid
Era um aliado
Bantu Steve Biko


Enterro de Douglas Rafael da Silva Pereira (DG) que foi torturado e
 assassinado por policiais militares no RJ.

1. A continuidade da guerra racial.

Não vou falar de macacos ou bananas por causa da acefalia de um jovem negro multimilionário adoecido pelo racismo. Não irei discorrer sobre macacos ou bananas por causa de uma agenda antiracista facebookiana que muda a cada final de semana. Não vou pronunciar uma palavra sobre macacos ou bananas para alimentar a propaganda pseudo-antirracista oportunista de milionários racistas brancos/as

O assunto aqui nessa porra segue o mesmo de miliano: A política estatal genocida contra negros/as no Brasil,o centro nervoso da luta. Pelas quebradas, favelas, morros e vielas essa política é sintetizada em uma frase recorrente: “OU TÁ PRESO OU TÁ MORTO”. É sempre a mesma resposta, quando se pergunta de um irmão que não se vê há certo tempo e, infelizmente, na maioria das vezes a afirmativa se confirma como um mantra.

Nos mês que se encerra (Abril de 2014) a comunidade negra foi atingida mais uma vez por uma dura investida genocida do Estado programado para matar pretos/as. Reintegrações, chacinas, execuções sumárias, torturas, ameaças de morte a nossas lideranças, ou seja, um avanço na guerra fraticida contra nossas comunidades. Vamos recapitular para quem atualizou demais as páginas com outros “posts”.

No dia 11 de abril um contingente de mais de 1000 policiais, civis, militares e guardas municipais, armados com tanques, helicópteros e submetralhadoras, expulsaram cerca de 2 mil famílias que ocupavam o prédio da Telerj-OI, no bairro do Engenho Novo, Zonza norte do Rio de Janeiro. Três moradores morreram na ação truculenta da polícia e dezenas de policiais saíram feridos após a comunidade partir pro enfrentamento direito com pedaços de paus, pedras, fogo e punhos cerrados. Infelizmente nenhum policial morreu.

Ainda em abril, em um espaço de tempo de uma semana, Edson Silva (Mateuzinho), Douglas Rafael da Silva Pereira (DG), que foi torturado, e Arlinda Bezerra das Chagas, de 72 anos, foram assassinado/as sumariamente por policiais das UPPS do Pavão Pavãozinho e Complexo do Alemão. Em todos os casos a população das comunidades partiram pra cima dos puliça, ateando fogo em ônibus, arremessando pedras ou mesmo chegando às vias de fato no mano a mano.

Também em abril, na Bahia, durante a greve da polícia militar, os dados oficiais da SSP-BA afirmam que cerca de 150 jovens foram assassinados de maneira violenta, em um período de cinco dias na região metropolitana de Salvador, mortes essa, que foram ocasionadas em sua grande maioria por mortes por agentes do Estado fora de serviço, grupos de extermínio pra quem não entendeu o recado. 

Ainda no contexto da greve da PM-BA no interior da Bahia a carnificina também foi assombrosa. Ao conversarmos com Rappers, MCs, b-boys/girls e grafiteiros/as no I encontro de hip hop do recôncavo, só de mortes apontadas pelos jovens em suas respectivas cidades, pudemos contar cerca de 90 assassinatos que abrangiam as cidades de Cruz das almas, Cachoeira, Vitória da Conquista, Poções e Feira de Santana. Eu confio mil vezes nos números apresentados por esses jovens, que conhecem/são a rua, do que os números frios da SPP-BA.
Categoria trabalhista o caralho esses carniceiros de fardas são nossos inimigos. Diante desse contexto de guerra, cabe-nos, talvez, a seguinte reflexão: Quem são nossos reais inimigos?

2. Nossos inimigos.

Irmão/ã, a polícia é nossa inimiga, uma vez que não existe acordo entre leões e hienas. Se você é negro/a e não entendeu isso ainda, ou é ingênuo, burro ou é polícia. As forças de repressão do Estado são as engrenagens que movimentam o principal método de assassinato em massa de nosso povo, o assassinato sistemático de jovens negros/as em idade produtiva. Não é a toa que os jovens negros são seletivamente assassinados pelo sistema da babilônia, pois matar a juventude de um povo é impossibilitar a reprodução social desse grupo, ou seja, é Genocídio. 

A grande verdade é que a violência policial esta mergulhada dentro de um contexto muito amplo de opressões que afligem nosso povo. A violência racial praticada pelas forças de repressão do Estado não esta dissociada das desigualdades estruturais e históricas que nossa comunidade esta sujeitada. A polícia executa nossa juventude, brutaliza nossos corpos, militariza nossas comunidades, destrói nossos focos de resistência, nos expulsa de nossas casas, encarceram-nos em presídios, aterrorizam nossos bairros e farão de tudo para nos destruir ou nos manter no torpor do medo. Ou seja, garantem que o status quo do supremacista branco permaneça como está. Cleaver distinguiu muito bem esse quadro de terror racialquando disse:

O policial e o soldado violarão a sua pessoa, farão você sumir com vários gases. Cada um deles atirará em você, espancará sua cabeça e corpo com paus e cassetetes, com coronhadas e rifles, atravessará você com baionetas, abrirá buracos em sua carne com balas, e o matará. Cada um tem poder ilimitado de fogo. Empregarão tudo que for necessário para fazer você cair de joelhos. Não admitirão um não como resposta. Se resistir a seus cassetetes, apelam aos revolveres. Se resistir aos revolveres, pedem reforços com canhões. Eventualmente virão em tanques, em jatos, em navios. Não descansarão enquanto você não se entregar ou morrer (Eldridge Cleaver, penitenciária de Folson, 1965).

Nesse contexto, temos que encarar a luta contra brutalidade policial e, mais que isso, pela abolição do Estado policial armado contra negros/as, como fator estratégico para construirmos projetos de autodeterminação enquanto povo. Nos EUA, por exemplo, a Coalizão Contra Abuso Policial[1] (CAPA), encampa uma luta de organização da comunidade negra que concilia o enfrentamento a brutalidade policial, assessoria jurídica a familiares e vítimas do Estado e a construção de programas comunitários de desenvolvimento nas comunidades socioracialmente segregadas[2]. Segundo a CAPA, em seus relatórios organizacionais, o enfrentamento a brutalidade policial é uma metodologia de autodefesa, que pode ser um suporte importante na construção coletiva de autonomia política e justiça social plena para nosso povo:

A CAPA vê não apenas a necessidade de se organizar contra o abuso policial (...) Em outras palavras, se os trabalhadores fazem greves por melhores salários, que é chamado? O policial. Se você não pode pagar o aluguel e se recusa a se mudar para as ruas, que é chamado? O policial. E se você organizar manifestações contra um sistema corrupto e injusto, que é chamado? A polícia, seja com força ou como espiões infiltrados. A CAPA acredita que a polícia é um elemento necessário para a manutenção de um sistema controlado por uns poucos milionários e políticos brancos que Colocam o lucro antes das pessoas (RELATÓRIO CAPA, 1989 a 1993).

Ainda falando de inimigos, não podemos esquecer o papel que o atual governo democrático popular tem feito na colaboração sistemática para obliteração de nosso povo. Não estou aqui pronunciando que outra gestão governamental de convergência partidária oposta faria diferente, muito menos, de que outra tendência da esquerda branca no governo mudaria o programa estatal de genocídio em curso, não é isso, pois esquerda e direita compartilham em suas raízes uma mesma matriz cultural supremacista branca. 
O que estou afirmando é que, especificamente na conjuntura governamental da última década, estamos localizados e nos inserimos no programa partidário nos seguintes termos: 1- caímos no erro de estabelecer relações estratégicas com os Partidos e não táticas; 2- investimos energia política na construção de um partido dos brancos e, com isso, pagamos o preço da deterioração da maior organização política que construímos no Brasil pós-FNB[3]; 3- Com a vitória eleitoral desse Partido, fomos guetizados no programa de governo e, hoje, temos secretarias de recursos pífios, com uma expressão política estatal irrisória e militantes negros/as alocados dentro do Partido que na maioria das vezes fazem o papel do fogo amigo; 4- Mesmo com tímidas mudanças na ordem do acesso a políticas públicas e ao mercado, nunca antes o Estado brasileiro assassinou tantos jovens negros em idade produtiva. Como salienta o preso político Múmia Abul Jamal, os Partidos são um obstáculo às demandas autênticas de nosso povo,
[...] A maioria dos partidos políticos, especialmente nas metrópoles, se tornaram descarados servos do capital. Por isso, competem entre si a serviço da riqueza sem sequer fingir que representam o povo. Os partidos são, na verdade, um obstáculo às necessidades e interesses do povo. Isso fica especialmente claro no chamado mundo desenvolvido, onde vemos que os políticos prometem uma coisa para serem eleitos, mas, uma vez que ocupam o cargo, rompem todas as suas promessas (Múmia Abul Jamal, Penitenciaria da Pensilvânia, 2009).

3. O centro nervoso da luta.

No dia 18 de junho de 1978, o trabalhador negro Robson Silveira da luz, 27 anos, foi preso e torturado até a morte no 44º (Quadragésimo Quarto) distrito policial de Guaianazes, São Paulo. Em julho desse mesmo ano, Nilton Lourenço foi espancado e executado com tiro a queima roupa por um policial em serviço no bairro da Lapa. Foi nesse contexto que oMovimento Negro Unificado surgiu na cena política brasileira, em pleno regime militar, sobre a constante vigilância do Serviço Nacional de Informação (SNI) e acometido por olhares tortos da esquerda branca.

Foi com palavras de ordem como “REAJA A VIOLENCIA RACIAL!” ou “TODO PRESIDIRAIO NEGRO/A É UM PRESO POLÍTICO”, que, no contexto da época, o combate ao extermínio sistemático de jovens negros em idade produtiva foi à centelha, inflamando a construção de um movimento social negro a nível nacional. Movimento esse que refundou a maneira de se fazer política racial no Brasil e durante muitos anos esteve comprometido com o centro nervosoda luta pela autodeterminação de nosso povo, ou seja, a luta por nossas vidas.

Três décadas já se passaram desde a última refundação do movimento social negro e talvez nossa maior lição, que estamos aprendendo a duras penas, seja que nem todos que afirmam combater o racismo são de fato nossos aliados/as. Nosso povo está morrendo através de uma política de Estado genocida que mata negros/as todos os dias. Como contraponto a essa matança, nos últimos dez anos nossas comunidades cada vez mais se rebelam contra a brutalidade policial, muitas vezes, auxiliadas por organizações políticas negras que a mais de uma década denunciam e constroem programas comunitários como alternativa ao genocídio em curso. No centro nervoso da luta a marcha por nossas vidas já começou.

Maio de 2014,

Fred Aganju
Militante do Núcleo Akofena
Campanha reaja ou será morta/o
Rumo a II Marcha Nacional de 1 milhão de negras/as Contra o Genocídio da População Negra.

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[1] Coalition Against Police Abuse (CAPA) foi Fundada na década de 80 por antigos membros do Partido dos Panteras negras de Autodefesa que sobreviveram aos programas de espionagem e sabotagem do FBI na década de 70. Contemporaneamente atua nas áreas do centro sul de Los Angeles no enfrentamento a brutalidade policial, assistência jurídica familiares de vítimas do Estado e na construção de programas comunitários de empoderamento da comunidade negra.
[2] Aqui no Brasil os exemplos mais conhecidos e atuantes nessa perspectiva são; Rede de comunidades contra violência (RJ), Mães de Maio (SP) e Campanha Reaja ou Será Morta/o (BA).
[3] Frente Negra Brasileira 


Fonte: Akofena

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