Por Douglas Belchior,
Véspera de 13 de Maio, data que deveria jogar o Brasil em uma profunda reflexão sobre o que fomos, somos e queremos ser enquanto país, enquanto nação. Há 126 anos a escravidão que durou quase 400 anos seria formalmente abolida. E cabe aqui um paralelo interessante: Foi em um mês de maio há exatamente 20 anos, em 1994, que Nelson Mandela tomou posse como presidente na África do Sul.
São países diferentes e histórias diferentes. Trata-se de um racismo que se construiu, que se deu – e se dá – de maneiras diferentes, mas que nos traz resultados e dores muito parecidas.
Mas os negros sul-africanos superaram o apartheid, elegeram um presidente e depois outro… e em que pese o fato de realmente a vida negra continuar muito dura por lá, poderíamos nos perguntar: Em quê o “Maio de Mandela” pode ajudar na reflexão do “Maio brasileiro”? Maio, o mês de nossa abolição. Abolição?
Recorde o emocionante 10 de Maio de 1994, no post do companheiro Fernando Figueiredo Mello, no Blog efemérides do efeméllo.
Ele ficou 27 anos na prisão. Esperou muito para chegar onde chegou. E, quando chegou, as palavras foram de reconciliação, paz, harmonia. Nunca haverá um ser humano como Nelson Mandela.
Esse post é seu, Madiba!
O discurso:
Hoje, através da nossa presença aqui e das celebrações que têm lugar em outras partes do nosso país e do mundo, conferimos glória e esperança à liberdade recém-conquistada. Da experiência de um extraordinário desastre humano que durou demais, deve nascer uma sociedade da qual toda a humanidade se orgulhará. Os nossos comportamentos diários como sul-africanos comuns devem produzir uma realidade sul-africana que reforce a crença da humanidade na justiça, fortaleça a sua confiança na nobreza da alma humana e alente as nossas esperanças de uma vida gloriosa para todos.
Devemos tudo isto a nós próprios e aos povos do mundo, hoje aqui tão bem representados.
Sem a menor hesitação, digo aos meus compatriotas que cada um de nós está tão intimamente enraizado no solo deste belo país como estão os célebres jacarandás de Pretória e as mimosas do bushveld.
Cada vez que tocamos no solo desta terra, experimentamos uma sensação de renovação pessoal. O clima da nação muda com as estações.
Uma sensação de alegria e euforia nos comove quando a erva se torna verde e as flores desabrocham.
Esta união espiritual e física que partilhamos com esta pátria comum explica a profunda dor que trazíamos no nosso coração quando víamos o nosso país despedaçar-se num terrível conflito, quando o víamos desprezado, proscrito e isolado pelos povos do mundo, precisamente por se ter tornado a sede universal da perniciosa ideologia e prática do racismo e da opressão racial.
Nós, o povo sul-africano, nos sentimos realizados pelo fato de a humanidade nos ter de novo acolhido no seu seio; por nós, proscritos até há pouco tempo, termos recebido hoje o privilégio de acolhermos as nações do mundo no nosso próprio território.
Agradecemos a todos os nossos distintos convidados internacionais por terem vindo tomar posse, juntamente com o nosso povo, daquilo que é, afinal, uma vitória comum pela justiça, pela paz e pela dignidade humana.
Acreditamos que continuarão a nos apoiar à medida que enfrentarmos os desafios da construção da paz, da prosperidade, da democracia e da erradicação do sexismo e do racismo.
Apreciamos sinceramente o papel desempenhado pelas massas do nosso povo e pelos líderes das suas organizações democráticas políticas, religiosas, femininas, de juventude, profissionais, tradicionais e outras para conseguir este desenlace. O meu segundo vice-presidente o distinto F.W. de Klerk, é um dos mais eminentes.
Também gostaríamos de prestar homenagem às nossas forças de segurança, a todas as suas patentes, pelo destacado papel que desempenharam para garantir as nossas primeiras eleições democráticas e a transição para a democracia, nos protegendo das forças sanguinárias que ainda se recusam a ver a luz.
Chegou o momento de sarar as feridas.
Chegou o momento de transpor os abismos que nos dividem.
Chegou o momento de construir.
Conseguimos finalmente a nossa emancipação política. Comprometemo-nos a libertar todo o nosso povo do continuado cativeiro da pobreza, das privações, do sofrimento, da discriminação sexual e de quaisquer outras.
Conseguimos dar os últimos passos em direção à liberdade em condições de paz relativa. Comprometemo-nos a construir uma paz completa, justa e duradoura.
Triunfamos no nosso intento de implantar a esperança no coração de milhões de compatriotas. Assumimos o compromisso de construir uma sociedade na qual todos os sul-africanos, quer sejam negros ou brancos, possam caminhar de cabeça erguida, sem receios no coração, certos do seu inalienável direito a dignidade humana: uma nação arco-íris, em paz consigo própria e com o mundo.
Como símbolo do seu compromisso de renovar o nosso país, o novo governo provisório de Unidade Nacional abordará, com maior urgência, a questão da anistia para várias categorias de pessoas que se encontram atualmente cumprindo penas.
Dedicamos o dia de hoje a todos os heróis e heroínas deste país e do resto do mundo que se sacrificaram de diversas formas e deram as suas vidas para que nós pudéssemos ser livres.
Os seus sonhos se tornaram realidade. A sua recompensa é a liberdade.
Sinto-me simultaneamente humilde e elevado pela honra e privilégio que o povo da África do Sul me conferiu ao me eleger o primeiro presidente de um governo unido, democrático, não racista e não sexista.
Mesmo assim, temos consciência de que o caminho para a liberdade não é fácil.
Sabemos muito bem que nenhum de nós pode ser bem-sucedido agindo sozinho.
Por conseguinte, temos que agir em conjunto, como um povo unido, pela reconciliação nacional, pela construção da nação, pelo nascimento de um novo mundo.
Que haja justiça para todos.
Que haja paz para todos.
Que haja trabalho, pão, água e sal para todos.
Que cada um de nós saiba que o seu corpo, a sua mente e a sua alma foram libertados para se realizarem.
Nunca, nunca e nunca mais voltará esta maravilhosa terra a experimentar a opressão de uns sobre os outros, nem a sofrer a humilhação de ser a escória do mundo.
Que reine a liberdade.
O sol nunca se porá sobre um tão glorioso feito humano.
Que Deus abençoe África!
AMÉM!
Veja o discurso de posse de Mandela:
Fonte: Negrobelchior
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