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terça-feira, 31 de março de 2015

Deixa o crespo crescer, irmão!


Poucos questionam o padrão capilar empurrado aos homens negros. Com a desculpa da “boa aparência”, nossa cultura continua lutando para esconder os cabelos crespos. Não por acaso, vivemos um fenômeno social de homens negros com cabelos raspados

Por Jarid Arraes,
Apesar de haver poucas mulheres negras com cabelos crespos naturais, elas existem – principalmente nos movimentos pela valorização do cabelo natural, como o Meninas Black Power, e entre as blogueiras de beleza negra que se esforçam para promover os crespos femininos. No entanto, os homens negros que possuem cabelos crespos ainda estão invisíveis, esquecidos devido ao racismo brasileiro.

Culturalmente, até mesmo os cabelos humanos são separados de acordo com o gênero: às mulheres, a sociedade impõe cabelos longos, pois seriam um suposto símbolo de feminilidade. Por esse motivo, é comum que homens tenham cabelos curtos, para que não deixem de transmistir uma imagem masculina. No caso dos homens negros, no entanto, o “curto” exigido vai além, já que a cabeça raspada é, muitas vezes, a única alternativa socialmente aceitável.

Não por acaso, poucos questionam esse padrão capilar empurrado aos homens negros. Com a desculpa cínica da “boa aparência”, nossa cultura continua lutando para esconder qualquer característica negra. De fato, muitos racistas acreditam que traços negros jamais poderiam ser belos e que, portanto, é melhor que sejam omitidos.

Pode ser incômodo ser confrontado a respeito do racismo de suas “preferências estéticas”. Felizmente, há homens negros com cabelos crescidos e naturais que apontam o problema. É preciso rever as opiniões, pois ninguém nasce racista. Não é por acaso que o homem negro de cabelo natural, trançado ou com dreads, é sempre retratado como figura perigosa, como um bandido ou vagabundo; ao longo da vida recebemos uma enorme carga de ensinamentos tendenciosos, espalhados pela mídia, pela indústria de beleza e até mesmo na escola. O nome disso é, sim, racismo.

Deixa o black crescer!

O estudante de Letras Franklin Arruda tinha um sonho muito simples: ele queria amarrar seu cabelo. Para tal, o deixou crescer após ter acesso ao movimento negro e passar a se identificar como negro. Com reconhecimento da própria negritude, Arruda entendeu muito mais sobre sua relação com seu cabelo e o que isso implica na sociedade.

“De certo modo, os homens negros não têm relação com os cabelos afro”, afirma Arruda. “A influência histórica tem o seu papel no encurtamento do cabelo masculino afro, como tem influência no cabelo feminino, alisando-o”, afirma. Para ele, a questão é muito mais do que estética: “Lutamos por uma causa maior”, explica.

Franklin Arruda (Foto: Arquivo Pessoal)

O assessor de imprensa Diogo Oliveira, que também exibe seus belos cachos naturais, compartilha posturas similares. Ele comenta o fenômeno social que é encontrar homens negros de cabelo raspado: “O grande número de homens negros de cabelo muito baixo ou raspado definitivamente é reflexo do racismo. Aprendemos que o nosso cabelo é ruim, que o nosso cabelo é feio e que raspar é a única opção de corte; no máximo deixamos um pouco de cabelo no topo da cabeça e raspamos as laterais. A vaidade é negada ao homem negro e mesmo quando há algum movimento em busca de recuperá-la, como aqueles desenhos na cabeça, grafismos ou descolorir os fios, mesmo assim essas mudanças são vistas como motivos de chacota ou são marginalizadas”.

É interessante que os processos de alisamento ou relaxamento, tão presentes na relação das mulheres com seus cabelos crespos, também fizeram parte da história de Oliveira. “Eu, como muitos homens negros, usei durante muito tempo o cabelo raspado. Antes disso, na infância e adolescência, tentei ‘dar um jeito’ no meu cabelo de diversas maneiras, como relaxamento, cortes diferentes, hidratações, mas tudo tentando mascarar meu cabelo crespo, com o desejo de torná-lo mais liso, mais dentro dos padrões das revistas e do que era considerado ‘bonito’”, explica.

Não por acaso, Oliveira chegou a essas reflexões por meio de discussões femininas sobre a valorização do cabelo afro. “O meu processo de assumir os cabelos crespos começou graças ao feminismo realizado por mulheres negras, foi lendo algumas autoras que eu entendi que o cabelo crespo era lindo e que as mulheres negras não precisavam alisá-los para se sentirem mais bonitas. Nessa época, eu raspava o cabelo bem curtinho e, me achando muito esclarecido, tentava passar esse conceito para amigas que alisavam o cabelo. Foi quando eu percebi que raspar a cabeça para mim estava como o alisamento para algumas pessoas. Era a busca por ser aceito, por parecer mais branco”, constata.

Diogo ainda conta que, quando decidiu deixar o cabelo crescer, não tinha nenhum conhecimento sobre a textura dos seus fios, não sabia se seriam de cachos mais abertos ou fechados, ou se seriam crespos com mais volume e sem definição de cachos. Ele mantinha sua intenção de ter os cabelos crescidos e naturais ainda escondida, pois tinha muita vergonha. No início, recebeu diversas críticas e comentários ofensivos que lhe trouxeram momentos de baixa autoestima. Apesar disso, Oliveira buscou na internet uma alternativa diferente das opiniões depreciativas e, por meio de blogs e página no Facebook, encontrou a representação positiva que precisava. “Hoje, lá se vão quase dois anos sem cortar o cabelo e o melhor de tudo é que consegui influenciar algumas pessoas à minha volta a assumirem os fios crespos também”, conta com alegria.

Gênero e racismo

Embora os cabelos compridos sejam considerados símbolos de feminilidade e não sejam tão comuns em homens, homens brancos de cabelos lisos ainda enfrentam menos hostilidade do que homens negros de cabelos crespos. Para os brancos, há referências como músicos, artistas e atletas, pessoas em quem podem se inspirar. “Fora que há uma inegável valorização da beleza branca, eurocêntrica. Mesmo que um homem branco tenha cabelos crespos e ostente um Black Power, ele será muito mais valorizado e reconhecido do que um homem negro; é o que vemos com os dreads, por exemplo. Ao pesquisar sobre dreads na internet, há uma enxurrada de imagens de homens brancos com dreads, todos em uma pose de sex symbol alternativo e quase nenhuma imagem de homens negros”, argumenta Diogo Oliveira.

Para ele, que é gay, essa separação é ainda mais evidente. “O meio gay é um ambiente racista, existem homens gays que abertamente declaram que não se relacionam com homens negros e o preocupante é que isso é visto de maneira natural e quase cultural. Há uma nova moda de festas que se apropriam da cultura negra e das músicas voltadas ao público gay, que são muito bem sucedidas e recorde de público; no entanto, a cultura negra é muito bacana, mas os negros não”.
Diogo Oliveira (Foto: Arquivo Pessoal)

Construindo o diálogo entre as questões raciais e as de gênero, ainda é possível identificar muito machismo barrando a liberdade capilar dos homens negros. Para Franklin Arruda, esse ponto sempre lhe foi muito familiar: “Posso dizer que sou um exemplo ótimo pra isso. Em casa, meu cabelo é visto como feio para um homem, pelo simples fato de que o cabelo masculino é o cabelo curto e o longo carrega um contexto, um conceito machista. Alguns familiares perguntavam: ‘vai amarrar o cabelo que nem mulher?’, como se parecer-se com uma mulher fosse descer o nível”, relata. Arruda ainda deixa três dicas para os homens que não têm o cabelo crescido e natural: “Primeiramente, é preciso mostrar que ‘se parecer com uma mulher’ não é ruim, no caso de cabeleiras que se pareçam com cabelos femininos longos; segundo, você pode ter o cabelo que quiser, o cabelo não define ninguém; e terceiro, entenda o porquê de seu cabelo estar como está e o porquê de deixá-lo grande ou curto”.

Apesar dos obstáculos, Diogo Oliveira se mostra encorajado e diz que as coisas podem, sim, mudar no sentido de mais aceitação e mais liberdade para os cabelos crespos masculinos. “Eu vejo que algumas mães e pais começaram a valorizar os cabelos crespos dos filhos e isso é muito legal! Acho que o principal é a representatividade, o que vai demorar muito para acontecer nas grandes emissoras e revistas, mas pode ser encontrado na internet e nas ruas também. Em um dia desses, uma senhora me parou na rua e me pediu dicas para o cabelo do filho dela, ou seja, mais um crespo na rua”, comemora.

Oliveira também compartilha sua postura de encorajamento, estimulando outros homens negros para que tenham associações positivas com seus cabelos. “Outra ação que eu tomo é sempre elogiar o cabelo de um irmão que está na transição ou que está deixando o cabelo crescer. Não vão nos valorizar, então nós temos que nos valorizar por nós mesmos, cuidando um do outro, mas claro que sempre cobrando nosso espaço”, afirma.

Para os homens negros, quebrar as barreiras do racismo e aprender a amar, cuidar e exibir suas características naturais, negras, é algo que rompe estruturas opressivas e propaga transformação social. “Eu costumo falar que deixar meu cabelo crescer foi uma decisão política e não estética. Nesses dois anos em que eu tenho o cabelo grande, minha relação com a cultura negra, com os projetos que valorizam os negros e também com os principais problemas que nos afligem ficou muito maior. À medida que meu cabelo crescia, eu tomei consciência do que representava ser um jovem negro na nossa sociedade”, conta Oliveira. “É a valorização da sua beleza, da sua origem e do seu posicionamento político”.

Foto de capa: Reprodução / Facebook

Fonte: Revista Forum.

Para Brasília, só com passaporte




    A proposta inconstitucional da redução da maioridade penal vai mostrar quem é mais corrupto: se o povo ou o Congresso

    No filme Branco Sai, Preto Fica, em cartaz nos cinemas do Brasil, para alcançar Brasília é preciso passaporte. O elemento de ficção aponta a brutal realidade do apartheid entre cidades-satélites como Ceilândia, onde se passa a história, e o centro do poder, onde a vida de todos os outros é decidida. Aponta para um apartheid entre Brasília e o Brasil. Ao pensar no Congresso Nacional, é como a maioria dos brasileiros se sente: apartada. O Congresso mal iniciou o atual mandato e tem hoje uma das piores avaliações desde a redemocratização do Brasil: segundo o Datafolha, só 9% considera sua atuação ótima ou boa, 50% avalia como ruim ou péssima. É como se houvesse uma cisão entre os representantes do povo e o povo que o elegeu. É como se um não tivesse nada a ver com o outro, como se ninguém soubesse de quem foram os votos que colocaram aqueles caras na Câmara e no Senado, fazendo deles deputados e senadores, é como se no dia da eleição tivéssemos sido clonados por alienígenas que elegeram o Congresso que aí está. É como se a alma corrompida do Brasil estivesse toda lá. E, aqui, o que se chama de povo brasileiro não se reconhecesse nem na corrupção nem no oportunismo nem no cinismo.

    Há, porém, uma chance desse sentimento de cisão desaparecer, e o Brasil testemunhar pelo menos um grande momento de comunhão entre o Congresso e o povo. Alma corrompida com alma corrompida. Cinismo com cinismo. A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara pode decidir, nesta semana, pela admissibilidade da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171/93. Ela reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos. Se isso acontecer, a proposta, que estava engavetada desde o início dos anos 90, terá vencido uma barreira importante e seguirá seu caminho na Câmara e no Senado. Diante do Congresso mais conservador desde a redemocratização, com o crescimento da "bancada da bala", formada por parlamentares ligados às forças de repressão, há uma possibilidade considerável de que seja aprovada. E então o parlamento e o povo baterão com um só coração. Podre, mas uníssono.

    A redução da maioridade penal como medida para diminuir a impunidade e aumentar a segurança é uma fantasia fabricada para encobrir a verdadeira violência. Segundo o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), dos 21 milhões de adolescentes brasileiros, apenas 0,013% cometeu atos contra a vida. Mas são eles que estão sendo assassinados sistematicamente: o Brasil é o segundo país no mundo em número absoluto de homicídios de adolescentes, atrás apenas da Nigéria. Hoje, os homicídios já representam 36,5% das causas de morte por fatores externos de adolescentes no país, enquanto para a população total corresponde a 4,8%. Mais de 33 mil brasileiros de 12 a 18 anos foram assassinados entre 2006 e 2012. Se as condições atuais prevalecerem, afirma o Unicef, até 2019 outros 42 mil serão assassinados no Brasil.

    Quem está violando quem? Quem não está protegendo quem? Quem deve ser responsabilizado por não garantir o direito de viver à parte das crianças e dos adolescentes?

    Há uma verdade mais dura sobre nós: a da nossa alma corrompida

    Ainda assim, mais de 90% dos brasileiros, segundo pesquisa realizada em 2013 pela Confederação Nacional dos Transportes, aprovam que se coloque adolescentes em prisões que violam as leis e os direitos humanos mais básicos, no quarto sistema carcerário mais populoso do mundo, em flagrante colapso e incompetente na garantia de condições para que uma pessoa construa um outro destino que não o do crime. Se aprovada essa violação da Constituição, a segurança não vai aumentar: o que vai aumentar é a violência. E a capacidade da sociedade brasileira de produzir crime disfarçado de legalidade.

    Parte da sensação de que há um exército de crianças e adolescentes perversos, prontos para atacar “os cidadãos de bem”, costuma ser atribuída à enorme repercussão de crimes macabros com a participação de menores de idade. Aquilo que é exceção, ao ser amplificado como se fosse a regra, regra se torna. As estatísticas desmentem com clareza esse imaginário, mas o sentimento, reforçado por parte da mídia, seria mais forte do que a razão. Viraria então uma crença sobre a realidade, manipulada por todos aqueles que dela se beneficiam para justificar seus lucros, seus empregos e sua própria violência, esta sim amparada em números bem eloquentes.

    Essa é uma parte da verdade, mas não toda. É a parte da verdade benigna para a sociedade brasileira, que só apoiaria a redução da maioridade penal por ser iludida e manipulada pela mídia ou pelos deputados ou pela indústria da segurança. Manipulada por alguém, um outro esperto e diabólico, que a levaria a conclusões erradas para obter benefícios pessoais ou para corporações públicas e privadas. Seria um alento se essa fosse a melhor explicação, porque bastaria o esclarecimento e o tratamento correto dos fatos, para que a sociedade chegasse a uma análise coerente da realidade e à óbvia conclusão de que a redução da maioridade penal só serviria para produzir mais crime contra os mesmos de sempre.

    Os mesmos que clamam pela redução da maioridade penal convivem sem espanto com o genocídio da juventude negra e pobre das periferias

    Há, porém, uma verdade mais dura sobre nós. É a da nossa alma apodrecida por um tipo de corrupção muito mais brutal do que a revelada pela Operação Lava Jato, com consequências mais terríveis do que aquela apontada com tanta veemência nas ruas. A cada ano, uma parte da juventude brasileira, menor e maior de idade, é massacrada. E a mesma maioria que brada pela redução da maioridade penal não se indigna. Sequer se importa. No Brasil, sete jovens de 15 a 29 anos são mortos a cada duas horas, 82 por dia, 30 mil por ano. Esses mortos têm cor: 77% são negros. Enquanto o assassinato de jovens brancos diminui, o dos jovens negros aumenta,como mostra o Mapa da Violência de 2014.

    Há uma parcela crescente da juventude negra, pobre e moradora das periferias que morre antes de chegar à vida adulta. Num país em que a expectativa de vida alcançou os 74,9 anos, essa parcela morre com idade semelhante à de um escravo no século 19. E isso não causa espanto. Ninguém vai para as ruas denunciar esse genocídio, clamar para que ele acabe. São poucos os que se indignam e menos ainda os que tentam impedir esse massacre cotidiano.

    Como é que vivemos enquanto eles morrem? Como é que dormimos com os gritos de suas mães? Possivelmente porque naturalizamos a sua morte, o que significa compreender o incompreensível, que dentro de nós acreditamos que o assassinato anual de milhares de jovens negros e pobres é normal. E, se essa é a realidade, a de que somos ainda piores do que os senhores de escravos, o que essa verdade faz de nós?

    Acontece a cada dia. E a maioria das mortes nem merece uma menção na imprensa. Quando eu era repórter de polícia e ligava para as delegacias perguntando o que tinha acontecido nas madrugadas, sempre tinha acontecido, mas era visto como um desacontecido. “Não aconteceu nada”, era a invariável resposta dos policiais de plantão. Tinham morrido vários, mas eram da cota (sim, as cotas sempre existiram) dos que podem morrer. Estas seriam as mortes não investigadas, as mortes que não seriam notícia. Crime que merecia investigação e cobertura, já era bem entendido, era de branco e, de preferência, rico, ou pelo menos classe média. Dizia-se, no passado, que a melhor escola do jornalismo era a editoria de polícia. Era, de fato, a melhor escola para compreender em profundidade as engrenagens que movem a sociedade brasileira, porque já na primeira aula se aprendia que a morte de uns é notícia, a de outros é estatística.

    Assim como os senhores de escravos internalizaram que os negros eram coisas, ou, conforme o momento histórico, uma categoria inferior na hierarquia das gentes, mais de um século depois da abolição oficial da escravatura, a sociedade brasileira naturalizou que existe uma parte da juventude negra que pode ser morta ao redor dos 20 anos sem que ninguém se espante. Se de fato fôssemos pessoas decentes, não era isso o que deveríamos estar gritando em desespero nas ruas? Mas nos corrompemos, ou nunca conseguimos deixar a condição de corruptos de alma.

    Em vez disso, clama-se pela redução da maioridade penal, para colocar aqueles que a sociedade não protege cada vez mais cedo em prisões onde todos sabem o quanto é corriqueira a rotina de torturas e estupros, sem contar a superlotação que faz com que em muitas celas seja preciso alternar os que dormem com os que ficam acordados, porque não há espaço para todos ficarem deitados. Como se já não soubéssemos que as unidades que internam adolescentes infratores, contrariando a lei, são na prática prisões, infernos em miniatura, com todo o tipo de violações dos direitos mais básicos. Alguém, nos dias de hoje, pode alegar desconhecer que é assim? E então, como é possível conviver com isso?

    O debate na Comissão de Constituição e Justiça desceu a níveis de cloaca

    Em 24 de março, no debate sobre a redução da maioridade penal na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, o deputado “delegado” Éder Mauro (PSD-PA) afirmou, conforme cobertura do portal jurídico Jota no Twitter: “Não podemos aceitar que, assim como o Estado Islâmico, que mata sob a proteção da religião, os menores infratores, bandidos infratores, menores desse país, matam sob a proteção do ECA”. Como uma asneira desse porte não vira escândalo? Comparar a lei que ampara as crianças e os adolescentes com as (des)razões alegada pelo Estado Islâmico para decapitar e queimar pessoas é uma afronta à inteligência, mas a discussão na Câmara sobre um tema tão crucial desce a esse nível de cloaca. A sessão foi encerrada depois de um bate-boca em que foi preciso separar outros dois deputados. E, assim, o Estatuto da Criança e do Adolescente, uma das leis mais admiradas e copiadas no mundo inteiro, mas que infelizmente até hoje não foi totalmente implementada, é colocada na mesma frase que o Estado Islâmico. Colegas me sugeriram que não deveria dar espaço a uma declaração e a um deputado desse calibre, mas ele está lá, eleito, bem pago e vociferando bobagens perigosas no parlamento do país. É preciso levar muito a sério a estupidez com poder, uma lição que já deveríamos ter aprendido.

    Os manifestantes de 15 de março, que protestaram contra a corrupção, tiraram selfies com uma das polícias que mais mata no mundo

    É verdade que “a carne mais barata do mercado é a carne negra”. É o que descobriu Alan de Souza Lima, de 15 anos, em fevereiro, na favela de Palmeirinha, em Honório Gurgel, subúrbio do Rio. Morreu com o celular na mão, e só por isso deixou de ser apenas estatística para virar narrativa, com nome e sobrenome e uma história nos jornais. Alan estava conversando com mais dois amigos e gravava um vídeo no celular. Acabou documentando a sua agonia, depois de ser baleado pela polícia. Como de hábito, a corporação alegou o famoso “confronto com a polícia”, o argumento padrão com que a PM costuma justificar sua assombrosa letalidade, uma das campeãs do mundo. E de imediato acusaram os três de estarem armados e de resistirem à prisão. Mas Alan morria e gravava. A gravação, que foi para a internet, mostrava que não resistiram. Chauan Jambre Cezário, de 19 anos, foi baleado no peito. Ele vende chá mate na praia e sobreviveu para dizer que nunca usou uma arma. A culpa dos garotos era a de viver numa favela, lugar onde a lei não escrita, mas vigente, autoriza a PM a matar. No vídeo há uma frase que deveria estar ecoando sem parar na nossa cabeça. Quando um dos policiais pergunta aos garotos por que estavam correndo, um deles responde:

    - A gente tava brincando, senhor.

    A frase deveria ficar ecoando na nossa cabeça até que tivéssemos o respeito próprio de nos levantarmos contra o genocídio cotidiano de parte da juventude do Brasil.

    A gente tava brincando, senhor.

    A gente tava brincando, senhor.

    A gente tava brincando, senhor.

    A gente tava brincando, senhor.

    A gente tava brincando, senhor.

    A gente tava brincando, senhor.

    A gente tava brincando, senhor.

    A gente tava brincando, senhor.

    A gente tava brincando, senhor.

    A gente tava brincando, senhor.

    A gente tava brincando, senhor.

    A gente tava brincando, senhor. E então o senhor atirou. Feriu. Matou.

    Aqueles que foram para as ruas bradar contra a corrupção tiraramselfies com uma das polícias que mais mata no mundo. Só a Polícia Militar do Estado de São Paulo, governado há mais de 20 anos pelo PSDB, matou, em 2014, uma pessoa a cada dez horas. Se os manifestantes que tiraram selfies com a PM no protesto de 15 de março na Avenida Paulista admiram a corporação pela eficiência, precisamos compreender o que esses brasileiros entendem por corrupção, no sentido mais profundo do conceito.

    Numa pesquisa da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), intitulada “Desigualdade Racial e Segurança Pública em São Paulo”, as pesquisadores Jacqueline Sinhoretto, Giane Silvestre e Maria Carolina Schlittler chegaram a conclusões estarrecedoras. Pelo menos 61% das vítimas mortas por policiais são negras. E mais da metade tem menos de 24 anos. Já 79% dos policiais que mataram são brancos. O fator racial é determinante: as ações policiais vitimam três vezes mais negros do que brancos. As mortes são naturalizadas: apenas 1,6% dos autores foram indiciados como responsáveis pelos crimes. É a Polícia Militar a responsável por 95% da letalidade policial no estado de São Paulo.

    Em fevereiro, a PM de Salvador executou 12 jovens no bairro de Cabula. Um. Dois. Três. Quatro. Cinco. Seis. Sete. Oito. Nove. Dez. Onze. Doze.

    O que o governador da Bahia disse, depois dos corpos tombados no chão pela polícia que comanda? A comparação jamais deve ser esquecida. Depois de parabenizar a PM, Rui Costa (PT-BA) comparou a posição do policial diante de suspeitos a de “um artilheiro em frente ao gol, que tenta decidir, em alguns segundos, como é que ele vai botar a bola dentro do gol, pra fazer o gol”. Rui Costa foi aplaudidíssimo.

    O futebol continua dizendo muito sobre o Brasil: botar uma bala no corpo de um negro é o mesmo que fazer gol, diz o governador baiano

    É isso. Enfiar uma bala no corpo de jovens negros e pobres das periferias é fazer como a Alemanha no icônico 7X1 contra o Brasil: “botar a bola dentro do gol”. E isso dito não nos tempos de Antônio Carlos Magalhães, o poderoso coronel da Bahia, mas pelo governador do Partido dos Trabalhadores, supostamente de esquerda. O futebol continua dizendo muito sobre o Brasil.

    É por isso que, no filme Branco Sai, Preto Fica, quem é negro e pobre precisa de passaporte para entrar em Brasília. O título do filme é a frase berrada pela polícia ao invadir um baile no “Quarentão”, na Ceilândia, na noite de 5 de março de 1986, onde jovens dançavam, depois de passar a semana ensaiando os passos. A PM entrou gritando: “Puta de um lado, Veado do outro. Branco sai, Preto fica". Quase três décadas depois, Marquim do Tropa e Shockito são atores interpretando em grande parte o seu próprio papel. Marquim para sempre numa cadeira de rodas pelo tiro que levou, Shockito com uma perna mecânica depois de ter perdido a sua pisoteada por um cavalo da polícia. Resultado do Branco Sai, Preto Fica daquela noite. Sem passaporte para fora do massacre porque, na condição de pretos, eles ficaram.

    Branco Sai, Preto Fica tem sido descrito como uma mistura especialmente brilhante entre documentário e ficção científica, com nuances de humor. Ganhou o prêmio de melhor filme no Festival de Brasília de 2014 e chegou há pouco aos cinemas do país. Para mim, o filme de Adirley Queirós se iguala, na potência do que diz sobre o Brasil e na forma criativa como diz, às dimensões do já mítico Bye Bye Brasil, de Cacá Diegues. São filmes que falam de Brasis diferentes, em momentos históricos diferentes, e, também por isso, falam do mesmo Brasil.

    É do futuro, do ano de 2073, que vem outro personagem, Dimas Cravalanças, cuja máquina do tempo é um contêiner. A Ceilândia do presente lembra, sem necessidade de nenhum esforço de produção, um cenário pós-apocalíptico. Cravalanças tem a missão de encontrar provas para uma ação contra o Estado pelo assassinato da população negra e pobre das periferias. A voz que o orienta do futuro alerta: “Sem provas, não há passado”.

    A Comissão da Verdade da Democracia vai investigar os crimes cometidos pelo Estado

    Só na ficção para responsabilizar o Estado pelo genocídio cotidiano da juventude pobre e negra? Quase sempre, sim. Mas algo se move na realidade, com pouco apoio da maioria da sociedade e escassa atenção da mídia. No fim de fevereiro, foi instalada na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo a Comissão da Verdade da Democracia “Mães de Maio”. Sua criação é uma enormidade na história do Brasil, um marco. Depois de apurar os crimes da ditadura, uma comissão para investigar os crimes praticados pelo Estado na democracia. Em busca de provas no passado recente para que tenhamos um futuro.

    “Mães de Maio”, que empresta o nome à comissão, é um grupo de mulheres que perderam seus filhos entre 12 e 20 de maio de 2006, quando uma onda de violência tomou São Paulo a partir de confrontos da polícia com o crime organizado. Foram 493 mortes neste período, pelo menos 291 delas ligadas ao que se convencionou chamar de “crimes de maio”. Pelo menos quatro pessoas continuam desaparecidas. Edson Rogério, 29 anos, filho de Debora Maria da Silva, líder do “Mães de Maio”, foi executado com cinco tiros. A suspeita é de que os autores do assassinato sejam policiais. Segundo Debora, seu filho gritava antes de ser morto: “Sou trabalhador!”. Seu assassinato segue impune. Edson morreu na mesma rua que, como gari, havia varrido pela manhã.

    Nem as centenas de assassinatos de maio de 2006, nem as mortes aqui relatadas ocorridas há pouco, exemplos do genocídio cotidiano, moveram sequer um milésimo da revolta provocada por crimes com a participação de menores em que foram assassinados brancos de classe média ou alta. Seria demais esperar que um assassinato fosse um assassinato, independentemente da cor e da classe social? Menos que isso é aceitar que a vida de uns vale mais do que a de outros, e que essa hierarquia é dada pela cor da pele e pela classe social. Se é assim que você compreende o valor de uma pessoa, diga o que você é diante do espelho. Não para o mundo inteiro, para você mesmo já basta.

    Sim, esse Congresso comandado por dois políticos investigados por corrupção é, ressalvando as exceções, que também existem, uma vergonha. Mas minha esperança é que, no que se refere à proposta inconstitucional da redução da maioridade penal, o Congresso seja melhor do que o povo brasileiro. Tenha grandeza histórica pelo menos uma vez e diga não a nossas almas tão corrompidas.

    Enquanto isso se desenrola em Brasília, vá ver Branco Sai, Preto Fica. Ao sair do cinema, você saberá que um jovem, quase certamente negro, morreu assassinado no Brasil enquanto você estava lá.

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    Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficçãoColuna Prestes - o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos e do romance Uma Duas. Site:descontecimentos.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter:@brumelianebrum

    Fonte: Elpais.

    Protesto contra a PEC 171/93 na Câmara dos Deputados, em Brasília/DF


    A Câmara dos Deputados, em Brasília/DF, foi palco, ontem, segunda-feira (30/03), de protesto contra a PEC 171/93, que trata da redução da maioridade penal, de 18 para 16 anos. A Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH) esteve representada no ato. Veja fotos.



    Fonte: Smdh.

    Médica sofre racismo por usar dreads


    Boa noite coordenadores do Programa Mais Médicos

    Sou médica brasileira formada no exterior e revalidada, alocada no município do Paraná, na cidade de Santa Helena na segunda chamada.

    Hoje pela tarde, a Secretária municipal de saúde, Sra Teresinha Bottega e sua secretária, Cristiane, me chamaram para organizarmos as atividades a serem realizadas na estratégia de saúde da família. Porém ao entrar na sala da Secretária de saúde, a mesma verbalizou que sentia muito falar disso, porém havia um problema: meu cabelo. Que os pacientes estavam acostumados com um padrão de médicos, e que eu poderia encontrar dificuldades pelo preconceito que meus pacientes poderiam ter com meu cabelo. A Sra Cristiane perguntou se eu usava aplique, que meu cabelo exalava um cheiro forte, estranho, e a Sra Teresinha completou que parecia incenso. Eu falei que estamos dentro de uma sociedade onde 50% e mais da população é negra, e que o contexto sócio-histórico no qual estamos inseridos de racismo, discriminação e preconceito, faz com que as pessoas tenham reações racistas, discriminatórias e preconceituosas, porém que estes fatos não iriam influenciar na minha capacidade profissional e relação médico paciente. Que sim o racismo existe e que enquanto intelectual e profissional da saúde, não poderia responder de outra forma que não intelectualmente apenas emanando e demandando respeito enquanto ser humano e profissional, e que as diferenças existem para que sejam superadas da melhor forma possível. E que eu não gostaria de nenhum comentário a respeito do meu cabelo, simplesmente isso. Cada pessoa deve ser respeitada independentemente de seu cabelo, cor da pele, crenças ou escolhas pessoais, e que as mesmas não podem interferir na qualidade profissional, portanto nem deveria ser ponto de pauta de uma reunião para definição de trabalho.

    Sinceramente me senti sim discriminada, posto que o que pensam a respeito da minha aparência, é pessoal de cada indivíduo, porém não necessariamente deve ser verbalizado sem saber que podem gerar consequências para além das legais, psicológicas, físicas, mentais e espirituais.

    Sou preta, africana, mulher, de dreadlocks e médica. Quer queiram quer não.

    Ao final desta pauta seguimos com as realmente relativas ao trabalho, sem nenhum tipo de retratação de ambas por conta de suas infelizes colocações.

    Aguardando uma posição do Ministério da Saúde.

    Att,
    Thatiane Santos da Silva.
    Médica Clínica Geral

    O que cabelo tem a ver com racismo?


    Por: Bruna de Paula,
    Hoje me deparei com o seguinte comentário nessa rede social de meu Deus: “O que tem a ver racismo com mandar a Blue Ivy pentear o cabelo?

    Bom, vamos por partes né? Embora muita gente não saiba (nem sei se ela sabe), mas a Beyoncé é negra (OOOHHH). Sério, ela não é moreninha, café com leite, queimadinha, mulata e outros eufemismos que vocês acham interessante usar porque acham que é muito pesado dizer que uma pessoa é de fato NEGRA. Jay Z também, mas isso ninguém discute porque a negritude dele é indisfarçável.
    Logo, Blue Ivy nasceu com cabelos crespos… cabelos esses que crescem pra cima e acreditem não há nada de monstruoso nisso.

    Querer submeter um bebê a padrões estéticos eurocêntricos é querer que ela esconda suas origens, porque essas são aparentemente não convencionais e não encontro outra palavra pra definir que não seja racismo.

    Uma amiga em um post do seu Blog Reapresentando Cores usou um termo interessante: “Ativismo de Cabelo”. Muita gente pode não entender a necessidade de estarmos o tempo todo afirmando que cabelos crespos não necessitam ser “domados”, não estamos carregando nenhum animal raivoso em nossas cabeças (às vezes eu queria que ele fosse pra abocanhar pessoas que acham certo criar uma petição online para pedir que uma criança de 2 anos penteie seu cabelo). Falaram para “pentear para baixo”, “prender com um arquinho”. Bom, vou contar pra vocês a realidade de uma criança de cabelo crespo, vou contar a realidade que graças a Deus não é a da Blue, caso fosse não causaria tanto incômodo. Nossas mães na tentativa de deixar com a aparência que determinaram como “boa”, penteavam nossos cabelos muitas vezes a seco, causando uma tremenda dor, desembaraçavam e prendiam todo pra trás, nossos olhos chegavam a ficar puxados. Mas okay, nosso crespo socialmente inaceitável, estava domado, era o que esperavam da gente até que chegasse uma idade onde finalmente poderíamos fazer usos de químicas altamente corrosivas, ferros quentes e assim tentassem embranquecer nossos traços.

    Bruna de Paula

    Recebo mensagens de amigas professoras falando que cada vez mais cedo percebem que as mães buscam procedimentos químicos para alisarem ou relaxarem os cabelos de suas crianças. Eu acho um ato criminoso, porque além de fazer mal a saúde, faz mal a identidade. Essa criança vai crescer entendendo que alisar é o procedimento padrão, que é tão natural quanto se alimentar. Por isso muita gente não considera racismo falar de cabelo, diz que é questão de gosto. Não é estranho ser senso comum considerar justamente um determinado tipo de cabelo como ruim? Não é estranho que o bom seja aquilo que seja mais próximo de uma característica branca?

    Sabemos que a população negra enfrentam vários outros desafios sociais, que muitos consideram essa questão de cabelo como secundária ou como algo que nem há necessidade de ser abordado. Mas o corpo é aquilo que somos e essa relação precisa ser bem desenvolvida. O racismo desumaniza, nos faz criar rejeição pelo nosso próprio corpo. Os padrões de beleza cerceiam a liberdade a ponto de atingir uma criança que não deve ter preocupação com cabelo ou qualquer outra coisa. Que mais mães tenham consciência de que o cabelo tem forte significado na construção da identidade da pessoa negra. Que ninguém mais tenha que se envergonhar pelo seu corpo livre de padrões.

    E sim, seremos ativistas de cabelo enquanto for necessário.

    Fonte: Cultura Upload, Geledés.

    segunda-feira, 30 de março de 2015

    Filho de líder de movimento negro é assassinado em Sobradinho 2

    Bruno Alves de Oliveira Feitosa, 27 anos, morto a facadas

    O jovem de 26 anos foi esfaqueado após uma discussão

    Morreu, na madrugada deste sábado (28/3), Bruno Alves de Oliveira Feitosa, 27 anos, filho de Santa Alves, presidente da União de Negros pela Igualdade (Unegro), organização ligada ao PCdoB. O jovem, que faria aniversário no domingo (29/3), foi esfaqueado enquanto andava com um grupo de amigos, em Sobradinho 2. Bruno chegou a ser levado para o Hospital de Sobradinho, mas não resistiu aos ferimentos. O velório do jovem está marcado para domingo às 9h na capela 4 do Cemitério de Sobradinho. O sepultamento às 15h.

    De acordo com informações da Polícia Civil, Bruno, acompanhado de alguns amigos, estava andando da quadra AR 01 para a AR 05, quando avistaram uma pessoa agachada na esquina na altura do conjunto 10. Essa pessoa falou algo que não foi compreendido pelo grupo e a partir daí, começou uma confusão. Após o bate-boca, Bruno Feitosa se virou para ir embora, mas foi atacado pelo suspeito e os dois entraram em luta corporal.

    Bruno e a mãe, Santa Alves

    Segundo informações das testemunhas, os amigos conseguiram tirar Bruno da posse do envolvido. No entanto, notaram que o jovem estava sangrando. A vítima foi atingida na altura do tórax. Logo em seguida, o suspeito perseguiu o grupo com uma faca por meio quarteirão, antes de fugir do local do crime. A 35ª Delegacia de Polícia (Sobradinho 2) investiga o caso.

    18 RAZÕES PARA A NÃO REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL

    Foto: Ike Bittencourt

    A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Federal está discutindo a redução da maioridade penal e o tema é considerado prioritário pela Bancada da Bala. A votação da Proposta de Emenda Constitucional PEC 171/93 foi adiada mas a discussão continua quente no congresso e também na sociedade civil. Separamos aqui 18 motivos que explicam porque reduzir a maioridade penal não resolve o problema na segurança pública.

    1°. Porque já responsabilizamos adolescentes em ato infracional

    A partir dos 12 anos, qualquer adolescente é responsabilizado pelo ato cometido contra a lei. Essa responsabilização, executada por meio de medidas socioeducativas previstas no ECA, têm o objetivo de ajudá-lo a recomeçar e a prepará-lo para uma vida adulta de acordo com o socialmente estabelecido. É parte do seu processo de aprendizagem que ele não volte a repetir o ato infracional.

    Por isso, não devemos confundir impunidade com imputabilidade. A imputabilidade, segundo o Código Penal, é a capacidade da pessoa entender que o fato é ilícito e agir de acordo com esse entendimento, fundamentando em sua maturidade psíquica.

    2°. Porque a lei já existe, resta ser cumprida

    O ECA prevê seis medidas educativas: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação. Recomenda que a medida seja aplicada de acordo com a capacidade de cumpri-la, as circunstâncias do fato e a gravidade da infração.

    Muitos adolescentes, que são privados de sua liberdade, não ficam em instituições preparadas para sua reeducação, reproduzindo o ambiente de uma prisão comum. E mais: o adolescente pode ficar até 9 anos em medidas socioeducativas, sendo três anos interno, três em semiliberdade e três em liberdade assistida, com o Estado acompanhando e ajudando a se reinserir na sociedade.

    Não adianta só endurecer as leis se o próprio Estado não as cumpre!

    3°. Porque o índice de reincidência nas prisões é de 70%

    Não há dados que comprovem que o rebaixamento da idade penal reduz os índices de criminalidade juvenil. Ao contrário, o ingresso antecipado no falido sistema penal brasileiro expõe as(os) adolescentes a mecanismos/comportamentos reprodutores da violência, como o aumento das chances de reincidência, uma vez que as taxas nas penitenciárias são de 70% enquanto no sistema socioeducativo estão abaixo de 20%.

    A violência não será solucionada com a culpabilização e punição, mas pela ação da sociedade e governos nas instâncias psíquicas, sociais, políticas e econômicas que as reproduzem. Agir punindo e sem se preocupar em discutir quais os reais motivos que reproduzem e mantém a violência, só gera mais violência.

    4°. Porque o sistema prisional brasileiro não suporta mais pessoas

    O Brasil tem a 4° maior população carcerária do mundo e um sistema prisional superlotado com 500 mil presos. Só fica atrás em número de presos para os Estados Unidos (2,2 milhões), China (1,6 milhões) e Rússia (740 mil).

    O sistema penitenciário brasileiro NÃO tem cumprido sua função social de controle, reinserção e reeducação dos agentes da violência. Ao contrário, tem demonstrado ser uma “escola do crime”.

    Portanto, nenhum tipo de experiência na cadeia pode contribuir com o processo de reeducação e reintegração dos jovens na sociedade.

    5°. Porque reduzir a maioridade penal não reduz a violência

    Muitos estudos no campo da criminologia e das ciências sociais têm demonstrado que NÃO HÁ RELAÇÃO direta de causalidade entre a adoção de soluções punitivas e repressivas e a diminuição dos índices de violência.

    No sentido contrário, no entanto, se observa que são as políticas e ações de natureza social que desempenham um papel importante na redução das taxas de criminalidade.

    Dados do Unicef revelam a experiência mal sucedida dos EUA. O país, que assinou a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aplicou em seus adolescentes, penas previstas para os adultos. Os jovens que cumpriram pena em penitenciárias voltaram a delinquir e de forma mais violenta. O resultado concreto para a sociedade foi o agravamento da violência.

    6°. Porque fixar a maioridade penal em 18 anos é tendência mundial

    Diferentemente do que alguns jornais, revistas ou veículos de comunicação em geral têm divulgado, a idade de responsabilidade penal no Brasil não se encontra em desequilíbrio se comparada à maioria dos países do mundo.

    De uma lista de 54 países analisados, a maioria deles adota a idade de responsabilidade penal absoluta aos 18 anos de idade, como é o caso brasileiro.

    Essa fixação majoritária decorre das recomendações internacionais que sugerem a existência de um sistema de justiça especializado para julgar, processar e responsabilizar autores de delitos abaixo dos 18 anos.

    7°. Porque a fase de transição justifica o tratamento diferenciado

    A Doutrina da Proteção Integral é o que caracteriza o tratamento jurídico dispensado pelo Direito Brasileiro às crianças e adolescentes, cujos fundamentos encontram-se no próprio texto constitucional, em documentos e tratados internacionais e no Estatuto da Criança e do Adolescente.

    Tal doutrina exige que os direitos humanos de crianças e adolescentes sejam respeitados e garantidos de forma integral e integrada, mediando e operacionalização de políticas de natureza universal, protetiva e socioeducativa.

    A definição do adolescente como a pessoa entre 12 e 18 anos incompletos implica a incidência de um sistema de justiça especializado para responder a infrações penais quando o autor trata-se de um adolescente.

    A imposição de medidas socioeducativas e não das penas criminais relaciona-se justamente com a finalidade pedagógica que o sistema deve alcançar, e decorre do reconhecimento da condição peculiar de desenvolvimento na qual se encontra o adolescente.

    8°. Porque as leis não podem se pautar na exceção

    Até junho de 2011, o Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei (CNACL), do Conselho Nacional de Justiça, registrou ocorrências de mais de 90 mil adolescentes. Desses, cerca de 30 mil cumprem medidas socioeducativas. O número, embora seja considerável, corresponde a 0,5% da população jovem do Brasil, que conta com 21 milhões de meninos e meninas entre 12 e 18 anos.

    Sabemos que os jovens infratores são a minoria, no entanto, é pensando neles que surgem as propostas de redução da idade penal. Cabe lembrar que a exceção nunca pode pautar a definição da política criminal e muito menos a adoção de leis, que devem ser universais e valer para todos.

    As causas da violência e da desigualdade social não se resolverão com a adoção de leis penais severas. O processo exige que sejam tomadas medidas capazes de romper com a banalização da violência e seu ciclo. Ações no campo da educação, por exemplo, demonstram-se positivas na diminuição da vulnerabilidade de centenas de adolescentes ao crime e à violência.

    9°. Porque reduzir a maioridade penal é tratar o efeito, não a causa

    A constituição brasileira assegura nos artigos 5º e 6º direitos fundamentais como educação, saúde, moradia, etc. Com muitos desses direitos negados, a probabilidade do envolvimento com o crime aumenta, sobretudo entre os jovens.

    O adolescente marginalizado não surge ao acaso. Ele é fruto de um estado de injustiça social que gera e agrava a pobreza em que sobrevive grande parte da população.

    A marginalidade torna-se uma prática moldada pelas condições sociais e históricas em que os homens vivem. O adolescente em conflito com a lei é considerado um ‘sintoma’ social, utilizado como uma forma de eximir a responsabilidade que a sociedade tem nessa construção.

    Reduzir a maioridade é transferir o problema. Para o Estado é mais fácil prender do que educar.

    10°. Porque educar é melhor e mais eficiente do que punir

    A educação é fundamental para qualquer indivíduo se tornar um cidadão, mas é realidade que no Brasil muitos jovens pobres são excluídos deste processo. Puni-los com o encarceramento é tirar a chance de se tornarem cidadãos conscientes de direitos e deveres, é assumir a própria incompetência do Estado em lhes assegurar esse direito básico que é a educação.

    As causas da violência e da desigualdade social não se resolverão com adoção de leis penais mais severas. O processo exige que sejam tomadas medidas capazes de romper com a banalização da violência e seu ciclo. Ações no campo da educação, por exemplo, demonstram-se positivas na diminuição da vulnerabilidade de centenas de adolescentes ao crime e à violência.

    Precisamos valorizar o jovem, considerá-los como parceiros na caminhada para a construção de uma sociedade melhor. E não como os vilões que estão colocando toda uma nação em risco.

    11°. Porque reduzir a maioridade penal isenta o estado do compromisso com a juventude

    O Brasil não aplicou as políticas necessárias para garantir às crianças, aos adolescentes e jovens o pleno exercício de seus direitos e isso ajudou em muito a aumentar os índices de criminalidade da juventude.

    O que estamos vendo é uma mudança de um tipo de Estado que deveria garantir direitos para um tipo de Estado Penal que administra a panela de pressão de uma sociedade tão desigual. Deve-se mencionar ainda a ineficiência do Estado para emplacar programas de prevenção da criminalidade e de assistência social eficazes, junto às comunidades mais pobres, além da deficiência generalizada em nosso sistema educacional.

    12°. Porque os adolescentes são as maiores vitimas, e não os principais autores da violência

    Até junho de 2011, cerca de 90 mil adolescentes cometeram atos infracionais. Destes, cerca de 30 mil cumprem medidas socioeducativas. O número, embora considerável, corresponde a 0,5% da população jovem do Brasil que conta com 21 milhões de meninos e meninas entre 12 e 18 anos.

    Os homicídios de crianças e adolescentes brasileiros cresceram vertiginosamente nas últimas décadas: 346% entre 1980 e 2010. De 1981 a 2010, mais de 176 mil foram mortos e só em 2010, o número foi de 8.686 crianças e adolescentes assassinadas, ou seja, 24 POR DIA!

    A Organização Mundial de Saúde diz que o Brasil ocupa a 4° posição entre 92 países do mundo analisados em pesquisa. Aqui são 13 homicídios para cada 100 mil crianças e adolescentes; de 50 a 150 vezes maior que países como Inglaterra, Portugal, Espanha, Irlanda, Itália, Egito cujas taxas mal chegam a 0,2 homicídios para a mesma quantidade de crianças e adolescentes.

    13°. Porque, na prática, a pec 33/2012 é inviável

    A Proposta de Emenda Constitucional quer alterar os artigos 129 e 228 da Constituição Federal, acrescentando um paragrafo que prevê a possibilidade de desconsiderar da inimputabilidade penal de maiores de 16 anos e menores de 18 anos.

    E o que isso quer dizer? Que continuarão sendo julgados nas varas Especializadas Criminais da Infância e Juventude, mas se o Ministério Publico quiser poderá pedir para ‘desconsiderar inimputabilidade’, o juiz decidirá se o adolescente tem capacidade para responder por seus delitos. Seriam necessários laudos psicológicos e perícia psiquiátrica diante das infrações: crimes hediondos, tráfico de drogas, tortura e terrorismo ou reincidência na pratica de lesão corporal grave e roubo qualificado. Os laudos atrasariam os processos e congestionariam a rede pública de saúde.

    A PEC apenas delega ao juiz a responsabilidade de dizer se o adolescente deve ou não ser punido como um adulto.

    No Brasil, o gargalo da impunidade está na ineficiência da polícia investigativa e na lentidão dos julgamentos. Ao contrário do senso comum, muito divulgado pela mídia, aumentar as penas e para um número cada vez mais abrangente de pessoas não ajuda em nada a diminuir a criminalidade, pois, muitas vezes, elas não chegam a ser aplicadas.

    14°. Porque reduzir a maioridade penal não afasta crianças e adolescentes do crime

    Se reduzida a idade penal, estes serão recrutados cada vez mais cedo.

    O problema da marginalidade é causado por uma série de fatores. Vivemos em um país onde há má gestão de programas sociais/educacionais, escassez das ações de planejamento familiar, pouca oferta de lazer nas periferias, lentidão de urbanização de favelas, pouco policiamento comunitário, e assim por diante.

    A redução da maioridade penal não visa a resolver o problema da violência. Apenas fingir que há “justiça”. Um autoengano coletivo quando, na verdade, é apenas uma forma de massacrar quem já é massacrado.

    Medidas como essa têm caráter de vingança, não de solução dos graves problemas do Brasil que são de fundo econômico, social, político. O debate sobre o aumento das punições a criminosos juvenis envolve um grave problema: a lei do menor esforço. Esta seduz políticos prontos para oferecer soluções fáceis e rápidas diante do clamor popular.

    Nesse momento, diante de um crime odioso, é mais fácil mandar quebrar o termômetro do que falar em enfrentar com seriedade a infecção que gera a febre.

    15°. Porque afronta leis brasileiras e acordos internacionais

    Vai contra a Constituição Federal Brasileira que reconhece prioridade e proteção especial a crianças e adolescentes. A redução é inconstitucional.

    Vai contra o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) de princípios administrativos, políticos e pedagógicos que orientam os programas de medidas socioeducativas.

    Vai contra a Doutrina da Proteção Integral do Direito Brasileiro que exige que os direitos humanos de crianças e adolescentes sejam respeitados e garantidos de forma integral e integrada às políticas de natureza universal, protetiva e socioeducativa.

    Vai contra parâmetros internacionais de leis especiais para os casos que envolvem pessoas abaixo dos dezoito anos autoras de infrações penais.

    Vai contra a Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente da Organização das Nações Unidas (ONU) e a Declaração Internacional dos Direitos da Criança compromissos assinados pelo Brasil.

    16°. Porque poder votar não tem a ver com ser preso com adultos

    O voto aos 16 anos é opcional e não obrigatório, direito adquirido pela juventude. O voto não é para a vida toda, e caso o adolescente se arrependa ou se decepcione com sua escolha, ele pode corrigir seu voto nas eleições seguintes. Ele pode votar aos 16, mas não pode ser votado.

    Nesta idade ele tem maturidade sim para votar, compreender e responsabilizar-se por um ato infracional.

    Em nosso país qualquer adolescente, a partir dos 12 anos, pode ser responsabilizado pelo cometimento de um ato contra a lei.

    O tratamento é diferenciado não porque o adolescente não sabe o que está fazendo. Mas pela sua condição especial de pessoa em desenvolvimento e, neste sentido, o objetivo da medida socioeducativa não é fazê-lo sofrer pelos erros que cometeu, e sim prepará-lo para uma vida adulta e ajuda-lo a recomeçar.

    17°. Porque o brasil está dentro dos padrões internacionais

    São minoria os países que definem o adulto como pessoa menor de 18 anos. Das 57 legislações analisadas pela ONU, 17% adotam idade menor do que 18 anos como critério para a definição legal de adulto.

    Alemanha e Espanha elevaram recentemente para 18 a idade penal e a primeira criou ainda um sistema especial para julgar os jovens na faixa de 18 a 21 anos.

    Tomando 55 países de pesquisa da ONU, na média os jovens representam 11,6% do total de infratores, enquanto no Brasil está em torno de 10%. Portanto, o país está dentro dos padrões internacionais e abaixo mesmo do que se deveria esperar. No Japão, eles representam 42,6% e ainda assim a idade penal no país é de 20 anos.

    Se o Brasil chama a atenção por algum motivo é pela enorme proporção de jovens vítimas de crimes e não pela de infratores.

    18°. Porque importantes órgãos têm apontado que não é uma boa solução

    O UNICEF expressa sua posição contrária à redução da idade penal, assim como à qualquer alteração desta natureza. Acredita que ela representa um enorme retrocesso no atual estágio de defesa, promoção e garantia dos direitos da criança e do adolescente no Brasil. A Organização dos Estados Americanos (OEA) comprovou que há mais jovens vítimas da criminalidade do que agentes dela.

    O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) defende o debate ampliado para que o Brasil não conduza mudanças em sua legislação sob o impacto dos acontecimentos e das emoções. O CRP (Conselho Regional de Psicologia) lança a campanha Dez Razões da Psicologia contra a Redução da idade penal CNBB, OAB, Fundação Abrinq lamentam publicamente a redução da maioridade penal no país.

    Mais de 50 entidades brasileiras aderem ao Movimento 18 Razões para a Não redução da maioridade penal.

    Crianças da periferia do DF carregam faixa em ato da PM

    Fonte: Culturaverde.

    Conselheiro sinaliza que OAB vai ao Supremo contra redução da maioridade penal

    por Rodrigo Gomes,
    Organizações nacionais também estão se posicionando contra a medida, por considerarem que não haverá redução da violência e que o Brasil deve primeiro garantir os direitos previstos no ECA


    ALEX FERREIRA/CÂMARA DOS DEPUTADOS
    Sessões da CCJ da Câmara têm sido palco de protestos de grupos contrários à redução da maioridade penal

    São Paulo – O conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Pedro Paulo de Medeiros disse na quinta-feira (26) que, caso a proposta de redução da maioridade penal de 18 para 16 anos seja aprovada no Congresso Nacional, a entidade vai recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a medida. “Diante da posição firme e histórica que o conselho da OAB tem frente às propostas de redução da maioridade penal, não tenha dúvida de que o conselho federal proporia uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin)”, afirmou.

    A decisão de ingressar com uma ação no STF é do colegiado da ordem. Na última segunda-feira (23), a OAB encaminhou um ofício com manifestação contraria à redução da maioridade penal para todos os deputados federais, reafirmando posicionamento já expressado em outras oportunidades, quanto à ilegalidade da medida. Além da OAB, a Procuradoria-Geral da República, os partidos políticos com representação no Congresso e entidades de classe em nível nacional podem propor Adin.

    A OAB argumenta que está implícito na Constituição Federal o princípio da vedação do retrocesso. “Esse princípio caracteriza-se pela impossibilidade de o legislador reduzir os direitos sociais amparados na Constituição, ou que tenham sido positivados em normas infraconstitucionais, garantindo ao cidadão o acúmulo e proteção de seu patrimônio jurídico e a sedimentação da cidadania”, diz um trecho da nota técnica, assinada pelo presidente nacional da entidade, Marcus Vinicius Furtado Coêlho.

    Medeiros também esteve presente na audiência pública realizada na terça-feira pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, para debater a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171, de 1993 – de autoria do deputado Benedito Domingos (PP/DF) –, que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos, justamente para defender a posição contrária da Ordem.

    No entanto, o conselheiro da OAB concorda que, muitas vezes, a aprovação de leis no Congresso Nacional tem um caráter meramente político e despreocupado com a legalidade das propostas. “O controle de constitucionalidade que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) faz é o mínimo do mínimo. Em várias oportunidades, o Supremo Tribunal Federal acaba por declarar leis inconstitucionais”, salientou.

    Na manhã de quarta-feira, o presidente da CCJ da Câmara, deputado federal Arthur Lira (PP-AL), decidiu que vai colocar a PEC 171 em pauta como item único em todas as sessões extraordinárias convocadas na próxima semana, até que a admissibilidade do projeto seja votada. A primeira sessão será amanhã (30), às 14h.

    “Vai ter tempo para discutir o projeto na comissão especial da Câmara, depois nas duas votações na Câmara, mais a comissão especial no Senado, mais as duas votações”, disse Lira aos deputados que queriam mais tempo para debater a PEC.

    Trâmite no Congresso

    Se a PEC for considerada legal pela CCJ – admissibilidade – será criada uma comissão especial na Câmara para analisar a proposta. A comissão terá o prazo de 40 sessões do plenário para fazer o trabalho. Depois disso, o projeto tem de passar por duas votações plenárias, em que deve ser aprovado por 3/5 dos parlamentares (308 deputados). Aprovada, a matéria vai para o Senado, onde será analisada pela CCJ da casa e terá de passar por mais duas votações e ser aprovada por 54 senadores. Se o texto for alterado, a PEC volta para a Câmara. O processo só termina quando as duas casas concordarem sobre a redação final da proposta.

    Falsos motivos

    Para o militante da União de Núcleos de Educação Popular para Negros e Classe Trabalhadora (Uneafro) Douglas Belchior, os parlamentares pretendem forçar o projeto para conseguir algum avanço na causa da redução da maioridade penal. “A estratégia é clara. Paralelo à PEC 171 tramitam projetos de lei propondo aumentar o tempo de internação. Os deputados favoráveis vão forçar o máximo que puderem e então vão propor o aumento do tempo de internação como uma solução de meio termo”, defendeu.

    Belchior defende que os argumentos de aumento da violência dos jovens, de impunidade, não se sustentam e que não é verdade que existe apoio quase unânime à proposta. “O que há é um posicionamento superficial e despolitizado em relação ao tema”, afirmou.

    O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê seis medidas aplicáveis ao menor de 18 anos que comete algum ato infracional – termo utilizado para definir conduta descrita como crime ou contravenção penal: advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade; internação. Todas podem ser aplicadas a partir dos 12 anos.

    Cada uma das medidas é aplicada de acordo com a gravidade do ato praticado. As quatro primeiras são aplicadas, geralmente, a casos menos graves, em que não houve ato contra a vida de outra pessoa, como furto, roubo e tráfico de drogas, por exemplo.

    De acordo com dados do Censo do Sistema Único de Assistência Social, elaborado em 2014, o Brasil tinha 108.554 adolescentes cumprindo algum tipo de medida socioeducativa em 2012. O número corresponde a 0,18% dos 60 milhões de brasileiros com menos de 18 anos. Destes, 20.532 (19%) cumpriam medida de internação ou semiliberdade e 88.022 (81%) estavam em prestação de serviço à comunidade ou liberdade assistida.

    No entanto, os atos contra a vida registrados eram: homicídios (9%), latrocínio (2,1%), estupro (1,4%), lesão corporal (0,8%). No total, esses crimes corresponderam a 13,3% do total, índice menor do que o de adolescentes implicados em restrição de liberdade. A prática de roubo respondeu por 38,6% dos casos e o tráfico de drogas, por 27%.

    A legislação brasileira trata o adolescente como alguém que vive um período de transformações, o que deve ser considerado na responsabilização. Por isso, a maior parte dos atos deve ser tratada com medida socioeducativa sem restrição de liberdade, com oferta de cursos e garantia do acesso à escola. Mas o sistema socioeducativo nacional e nos estados ainda não conseguiu universalizar as parcerias para garantir o atendimento de todos os adolescentes.

    Os Centros de Referência Especializados em Assistência Social (Creas), estatais, são responsáveis pelo atendimento de aproximadamente 90% dos adolescentes em medida socioeducativa. Mas 14,6% deles não têm parcerias com escolas. Outros 55,6% não conseguem parcerias para profissionalização dos jovens e 59,6% não têm parceiros com atividades culturais. “O problema é que o Estado brasileiro e os governos estaduais nunca se empenharam em transformar o texto do ECA em realidade”, afirmou Belchior.
    'Confusão gigantesca'

    Outro ponto questionado pelos contrários a redução da maioridade penal é a ideia de que no resto do mundo crianças e adolescentes são punidos severamente e no Brasil reina a impunidade. “Existe uma confusão gigantesca entre responsabilidade penal e maioridade penal. No Brasil, a responsabilidade se dá a partir dos 12 anos. No mundo, somos um dos países que responsabiliza mais cedo e o ECA é internacionalmente reconhecido como uma das melhores legislações do planeta”, explicou Belchior.

    Segundo dados do Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente do Ministério Público Estadual do Paraná, o Brasil tem um dos sistemas de responsabilização mais rígido entre 53 países.

    Na Alemanha, na Áustria, na Itália e no Japão, por exemplo, a responsabilização se inicia aos 14 anos. E a idade penal, aos 21. Entre 18 e 21 anos, existe um sistema chamado “jovens adultos”, que atenua e diferencia a punição para a prática de crimes. Na Inglaterra, onde a responsabilidade é aplicada a partir dos 10 anos, a criança ou adolescente não pode ter a liberdade restringida até os 15. E a Justiça inglesa também possui o sistema de “jovens adultos”.

    No Canadá, o adolescente de 14 anos pode ser punido como adulto em casos de crimes graves. E nos Estados Unidos, país signatário da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança da ONU, a idade mínima é 10 anos.


    Posicionamentos

    Na última segunda-feira, a Rede Evangélica Nacional de Ação Social (Renas) conclamou os parlamentares, especialmente os que se declaram evangélicos, a se posicionarem contra a redução da maioridade penal e se envolverem na efetivação do ECA e do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase). “Nossos parlamentares e a sociedade em geral estaremos sendo hipócritas ao propor a redução da idade penal enquanto não garantirmos todas as oportunidades de desenvolvimento para as nossas crianças e adolescentes”, defendeu a entidade, em nota.

    Também na segunda, o Núcleo Especializado de Infância e Juventude da Defensoria Pública de São Paulo enviou uma nota técnica a todos os deputados federais manifestando-se contra a PEC 171 e todas as demais propostas no mesmo sentido. O documento ressalta que outras medidas de endurecimento do sistema penal adotadas no passado se mostraram ineficientes para reduzir a criminalidade e garantir segurança à população.

    Utilizando uma pesquisa do Ministério da Justiça, o núcleo destaca que a aprovação de leis sob forte clamor social, vista como esperança de imediata redução dos índices de criminalidade, é ineficaz. A promulgação da Lei dos Crimes Hediondos (Lei n.º 8.072/1990) tinha este apelo. No entanto, a população carcerária no Brasil aumentou de 148 mil presos para 361.402, entre 1995 e 2005. O crescimento de 143,91%. “O que demonstra a incapacidade do sistema penal para, sozinho, garantir à população a tão almejada segurança pública”, diz um trecho do documento.

    Na última terça-feira, o presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Técio Lins e Silva, enviou ao presidentes da Câmara Federal, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e o da CCJ, Arthur Lira, parecer elaborado pelo jurista Evandro Lins e Silva, em 1995, contrário à proposta de redução da maioridade penal que voltou à pauta. O instituto também encaminhou aos parlamentares outros pareceres contrários à medida produzidos pelas Comissões de Direito Penal e Constitucional.

    No ofício, o presidente do IAB defende que a diminuição da idade penal “inviabilizaria o sistema de Justiça Penal e não iria solucionar, minimamente, as questões de segurança pública”. No parecer de 1995, Lins e Silva afirmou que “a proposta viola a Constituição Federal” e já defendia que “antecipar para 16 anos a imputabilidade penal é abreviar a corrupção, o aviltamento e a degradação do menor, fazendo-o ingressar mais cedo nas escolas de crimes que são as nossas penitenciárias”.

    Além destes, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, a Cáritas brasileira, organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP-SP), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), movimentos sociais, sindicatos e ONGs também já se manifestaram contra a proposta de reduzir a maioridade penal para 16 anos.

    Projeto Onda, Grito da Periferia


    O Projeto "Onda: adolescentes em movimento pelos direitos" foi criado desde 2008 pelo Inesc com o apoio da Kindernothife (KNH). O principal enfoque da iniciativa é assegurar o envolvimento de crianças e adolescentes na discussão sobre direitos e cidadania, observando como esses itens se relacionam com o orçamento público. A ideia é fortalecer a capacidade de atuação dos/as jovens na conquista de seus direitos e no monitoramento das políticas públicas e eles/as destinadas.

    Os integrantes do projeto participam de uma série de encontros baseados nos princípios da educação popular e da arte-educação.Em formato de oficinas, os encontros tratam de questões referentes à democrática e organização do Estado, à educação de qualidade,às noções de justiça ambiental e à comunicação.

    Os/as adolescentes passam a frequentar espaços políticos importantes, como a Câmara Legislativa do Distrito Federal e o Congresso Nacional.Além de participarem de diálogos com o poder executivo, Fórum Orçamento Criança e Adolescente do Distrito Federal e de acompanharem Audiência Pública nas quais são debatidas as principais questões que afetam seus direitos.

    Ao longo do processo os/as adolescentes aprendem que podem apresentar sugestões de emendas,e que a comunidade escolar precisa monitorar o orçamento durante o ano para garantir que haja a aplicação adequada dos recursos.

    Locais de atuação do projeto

    Inicialmente, o Onda foi desenvolvida somente em escolas do Distrito Federal (DF), a maioria delas localizadas em regiões de grande exclusão social. Em 2001, o projeto começou a ser realizado em uma instituição que abriga adolescentes em conflito com a lei. Neste mesmo ano, o Inesc teve a oportunidade,com apoio da Fundação Banco do Brasil (FBB),de realizar um programa piloto intitulado "Adolescentes Protagonistas de Olho no São Bartolomeu". A experiência ocorreu em torno de duas extremidades do rio participam de um intercâmbio para que juntos pudessem pensar e expressar suas preocupações e propostas sobre as respectivas comunidades e,especialmente, sobre o rio. Como resultado,o grupo produziu um boletim,no qual foram autores dos textos e das fotografias, além da participarem de exposição sobre o Rio São Bartolomeu.

    Em 2012, o Onda acrescentou ao projeto piloto a comunidade quilombola de Mesquita,grupo de indivíduos que também moram em torno do Rio São Bartolomeu. Este ano intercâmbio ocorrerá entre três comunidades. O grupo irá debater acerca de direito e orçamento público, tendo a cultura como eixo. Desta experiência, o Inesc produzirá uma metodologia para trabalho com adolescentes quilombolas, remanescentes de escravos, e um vídeo feito de forma participativa reunindo as comunidades envolvidas.

    Em 29 de Março de 2015, no Creas da Cidade Estrutural, foi marcado por uma reunião de jovens do Distrito federal, como parte do Encontro GRITO DA PERIFERIAS, onde coletivos de jovens e adolescentes debateram sobre violência contra a cultura periférica, opressão de gênero e o racismo com base na pesquisa realizada em 2014, dentro do Projeto ONDA!!!

    Fotos: Midía Ninja












    Encontro Grito da Períferia