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quinta-feira, 19 de março de 2015

Carta Aberta da CONAQ aos ministros do Supremo Tribunal Federal



“Terra pra plantar, café pra colher, o negro trabalha, pra sobreviver”. 
(Realidade Negra)

Após inúmeras citações em documentos oficiais do Brasil escravocrata, seguidas de exatamente cem anos de esquecimento, período que vai da Lei Áurea em 1888 à nova Constituição Federal em 1988 (o que corresponde ao primeiro século do Brasil Republicano), o tema Quilombo volta para a pauta do Estado brasileiro, não mais tratando-se de grupos marginais que violam a ordem política e econômica e ameaçam a estabilidade do país, mas como sujeito de direito passível de reparação daquilo que foi o crime da escravidão.

Com o objetivo de diminuir os danos causados aos negros e negras no Brasil, durante o período de escravidão e formal e pós-escravidão, a CF de 1988 assegurou o Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, promulgado da nova Constituição Federal. Junto com o artigo 68 do ADCT, um conjunto de novos direitos foram assegurados aos negros e negras e a outros grupos que submetidos ao descaso do Estado, para que estes pudessem acessar políticas públicas instituídas, dando-lhes dignidade e condições de reprodução plena de suas vidas.

Mais de 5.000 (cinco mil) quilombos no Brasil resultantes de uma história de séculos de escravidão e resistência a ela são atores legítimos(as) e interessados(as) diretos na efetivação, consolidação e avanços do ponto de vista dessa construção de direitos, a começar pela regularização e segurança de seus territórios historicamente ocupados, pois trata-se de um espaço necessário para a reprodução física, cultural, espiritual e econômica desses grupos, passando por outras dimensões do direito como à saúde, à educação, ao acesso, à moradia adequada, entre outros direitos igualmente relevantes.

Na perspectiva desses avanços, surge há quase duas décadas a CONAQ – Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas, organização presente em 25 (vinte e cinco) Unidades da Federação, prestes a realizar o seu quinto Encontro Nacional, indiscutivelmente, uma das organizações negras de maior expressão na América Latina.

A CONAQ esteve presente em praticamente todos os momentos em que se discutiu a vida dos quilombos nas últimas décadas, seja junto a outros movimentos sociais ou órgãos governamentais, inclusive na construção do decreto 4887/03, já em sua adolescência, é pra nós um filho que marca a nossa história, pois define com clareza os procedimentos para a regularização dos territórios em questão e institui pela primeira vez no país, uma política de Estado voltada especificamente para as comunidades quilombolas, que nada mais é do que a previsão de um conjunto de medidas “coordenadas” para promover dignidade e qualidade de vida para o povo quilombola.

Todavia, na medida em que o país avança e com ele grupos excluídos asseguram direitos, concomitantemente, grupos reacionários emergem da obscuridade. O modelo de desenvolvimento econômico do país pautado na produção de commodities para exportação força a expansão da fronteira agrícola, consequentemente amplia a grilagem no campo, tornando a vida nesse espaço muito mais tensa e insegura e colocando as comunidades tradicionais muito mais expostas às várias formas de violência impostas por um conjunto de forças conservadoras articuladas entre si, representadas majoritariamente pelo agronegócio e seus interesses.

Essa violência vai desde o enfrentamento às armas dos jagunços e milícias ao conservadorismo dos tribunais Brasil afora, onde a todo instante nossos direitos estão sendo violados e nossos parentes violentados.

Nesse histórico dia 19 de março de 2015 a suprema corte do nosso judiciário tem a oportunidade de avançar na luta por reparação ao julgar constitucional em sua integralidade o decreto 4887/03, portanto, improcedente a ADI 3239/04, ação direta de inconstitucionalidade impetrada pelo DEM (Partido Democratas, ex-PFL – Partido da Frente Liberal, representação clássica da direita brasileira) e é isso que em nossa defesa incondicional ao decreto, esperamos das Senhoras Ministras e dos Senhores Ministros do STF – Supremo Tribunal Federal.

“Terra titulada liberdade conquistada e nenhum direito a menos”.

Brasília – DF, 17 de março de 2015.

Assinam esta carta:
Acteur Sdans Le Monde Agricole et Rural – AMAR – França.
Articulação de Mulheres Brasileiras – AMB.
Associação Brasileira dos Pesquisadores Negros – ABPN.
Associação Coletivista Dom Helder Câmara.
Associação Cultural Aspiral do Reggae – BA.
Associação Cultural de Mulheres Negras – ACMUN.
Associação da Comunidade Remanescente de Quilombo de Serra do Juá – Caucaia –CE.
Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Maranhão – ACONERUQ/MA.
Associação das Comunidades Quilombolas do Estado do Rio de Janeiro – ACQUILERJ.
Associação das Comunidades Quilombolas do Estado do Rio de Janeiro – RJ.
Associação de Afro desenvolvimento Casa Preta.
Associação de Lavradores da Fazenda Bucoco.
Associação dos Pequenos Agricultores de Cangurito.
Associação dos Remanescentes de Quilombo de Nazaré – ARQNA.
Associação dos Remanescentes de Quilombolas de Santa Rita do Bracuí – Angra dos Reis –RJ.
Associação dos Trabalhadores em Call Center.
Associação Nacional das Baianas de Acarajé, Mingau, Receptivos e Similares.
Associação Quilombola dos Fornos – Conde – BA.
Associação Remanescente de Quilombolas de Armada.
Associação Urucungo – Ponto de Cultura Orquestra Sertão de Arcoverde – PE.
CEDEFES
Centro de Assessoria Popular Mariana Criola.
Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis.
Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará – CEDENPA.
Centro de Estudos Sociais América Latina – CES – AL.
Centro de Referência em Direitos Humanos da Universidade Federal da Paraíba – CRDH/UFPB.
Centro Feminista de Estudos e Assessoria – CFEMEA.
Centro Social Quilombo Maria Conga – Magé – RJ.
Comissão Espírito-santense de Folclore.
Comissão Estadual de Articulação das Comunidades Quilombolas de Pernambuco.
Comissão Estadual dos Quilombos da Paraíba.
Comissão Estadual dos Quilombos de Pernambuco;
Comissão Pró-Índio de São Paulo.
Comunidade Quilombola de Cachoeira – Conde – BA.
Comunidade Quilombola de Colônia Coqueiro – Esplanada – BA.
Comunidade Quilombola de Coqueiro – Conde – BA
Comunidade Quilombola Jurema – Araçás – BA.
Conselho das Associações Quilombolas do Território Sudoeste do Estado da Bahia.
Conselho Estadual das Comunidades Quilombolas do Estado da Bahia.
Conselho Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de Campinas.
Coordenação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Amapá – CONERQ/AP.
Coordenação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Mato Grosso do Sul CONERQ/MS.
Coordenação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Mato Grosso CONERQ/MT.
Coordenação Estadual das Comunidades Negras de São Paulo;
Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas – PI – CECOQ.
Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas de Tocantins.
Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Espírito Santo “Zacimba Gaba”.
Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Estado de Alagoas;
Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Estado de Goiás.
Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Paraná.
Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Tocantins.
Coordenação Estadual das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Estado do Ceará – CERQUICE.
Coordenadoria Ecumênica de Serviço – CESE.
CRIOLA
Departamento de Sociologia – DS.
Dignitatis – Assessoria Técnica Popular
Diosmar Marcelino de Santana Filho (pesquisador e ativista)
EDUCAFRO
FASE
Federação das Comunidades Quilombolas “N’ Golo” de Minas Gerais.
Federação das Comunidades Quilombolas do Estado do Paraná – FECOQUI/PR.
Federação das Comunidades Quilombolas do Estado do Rio Grande do Sul. FACQ – RS.
Fernando Francisco de Almeida – Conselho de comunidades Quilombolas de Ubatuba-SP.
Fórum de Mulheres da Amazônia Paraense – FMAP.
Fórum Estadual de Juventude Negra do Espírito Santo – FEJUNES.
Ganga Zumba Alagoas;
Geledés – Instituto da Mulher Negra
Grupo de Pesquisa Historicidade do Estado e Direito: interações sociedade e meio ambiente – Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Ile Axé Odé Omim Ewá.
Instituto Comunidade Praia Verde – COPRAV.
Instituto de Desenvolvimento Afro Norte Noroeste Fluminense – RJ.
Instituto Elimu Professor Cléber Maciel – ES.
Instituto Ganga Zumba.
Instituto Negra do Ceará.
Instituto Palmares de Promoção da Igualdade
Instituto Permanente do Afro-Turismo Cultural.
Instituto Terramar – CE.
Intersindical – Central da Classe Trabalhadora
KOINONIA – Presença Ecumênica e Serviço
Malungos – Coordenação do Estado do Pará;
Movimento Articulado de Mulheres da Amazônia – MAMA
Movimento dos Sem Tetos da Bahia.
Movimento Enraizados.
Movimento Ibiapabano de Mulheres – CE.
NEAB-UFES.
Neimar Lourenço Nascimento dos Santos – Conselheiro de Educação Escolar Quilombola – Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.
Núcleo contra a Desigualdade Racial da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.
Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Universidade Federal da Paraíba (NCDH/UFPB)
Núcleo de Estudos e Pesquisas Afrobrasileiros e Indígenas da Universidade Federal da Paraíba (NEABI/UFPB).
Núcleo de Estudos e Pesquisas Sociais em Desastres – NEPED.
Núcleo de Estudos em Populações Quilombolas e Tradicionais.
Observatório dos Conflitos no Campo (OCCA) – Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
Plataforma de Direitos Humanos – Dhesca Brasil.
Polo de Unidade Camponesa.
Pontão de Cultura do Jongo/Caxambu – UFF.
Ponto de Cultura Panella de Expressão.
Programa do Direito Agrário da UFMG.
Rebeca Campos Ferreira – Antropóloga do Ministério Publico Federal – RO
Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA).
Rede das Mulheres de Terreiro de Pernambuco.
Rede Fulanas/NAB – Negras da Amazônia Brasileira.
Rede Mocambos.
Rede Negras Sapatà.
Rede Social de Justiça e Direitos Humanos
Simone Raquel Batista Ferreira – Geógrafa e professora da UFES.
Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar de Bom Jesus – RN.
Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Queimada Nova – PI.
SOS CORPO – Instituto Feminista para a Democracia.
Tania Pacheco – blog Combate Racismo Ambiental.
Terra de Direitos.
Uiala Mukaji Sociedade das Mulheres Negras de Pernambuco.
União das Costureiras da Bahia.
Universidade Federal de São Carlos – UFSCar.
Zélia Lucas do Patrício – Coordenação Nacional de Entidades Negras – CONEN – SP.


Em tempo:

“A CONAQ agradece imensamente o carinho e dedicação de todos e todas pelo empenho nestas horas para garantirmos as assinaturas da Carta Aberta. Amanhã é um dia decisivo para nossa luta quilombola, esperamos sair vitoriosos desta batalha.”

Fonte: Racismo ambiental.

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