‘Branco Sai, Preto Fica’, de Adirley Queirós, vencedor do Festival de Brasília em 2014, narra as chagas brasileiras de um modo novo
por Rosane Pavam, do Carta Capital,
O título do filme de Adirley Queirós remete à ordem proferida pela polícia em um baile funk dos anos 1980. A expressão “branco sai, preto fica” antecedeu, naquele contexto, a usual limpeza étnica promovida pela polícia. Saíram feridos do evento na periferia dois amigos negros, e um deles, a perna arrancada, tornou-se especialista em próteses. O outro, um radialista pirata dos confins, está condenado a uma cadeira de rodas, ainda que sua movimentação possa ser recuperada por uma inalcançável fisioterapia. A esse jogo de aproximações se soma um terceiro personagem, um policial negro vindo do futuro para recolher provas de que o passado cometera atrocidades contra os carentes.
Alguém tem de pagar pelo que fez, raciocinam os três personagens às voltas com uma estranha engenharia (fios, aparelhos rudimentares e ultrapassados, a bricolagem da gambiarra, cujos propósitos serão conhecidos no decorrer do filme), feita para corrigir os erros sociais. Misturados em três tempos, passado, presente e futuro, os personagens costuram uma punição a Brasília, cidade que exige dos habitantes da Ceilândia um passaporte de entrada. A Brasília dos ricos, contudo, nunca aparece. E os únicos desautorizados a desejar seu fim são os do futuro, porque, destruída a cidade do poder, simplesmente não haverá um mundo onde todos possam viver o amanhã.
Vencedor do Festival de Brasília em 2014, Branco Sai, Preto Fica narra as chagas brasileiras de um modo novo, se consideramos a tradição cinematográfica local. É documental enquanto ficcionaliza não o fato, mas sua reflexão sobre ele. A Ceilândia do filme, como acontece em ficções científicas à moda da Alphaville, de Jean-Luc Godard, é também a de hoje, invisível sob as pontes, seus habitantes condenados às ruínas urbanas em campo vasto. Todos proferem o que pensam com casualidade, e os três atores principais, entre eles Marquim do Tropa (melhor intérprete do festival), falam à perfeição, com calma, a língua dos excluídos. O Brasil está quase todo lá, seus maravilhosos seres cotidianos, os homens negros que alguns protestos recentes talvez teimem em excluir. Algo entre Stanley Kubrick e Vittorio De Sica, Adirley Queirós desacelera o tempo para devolver aos olhos do espectador uma realidade terrível.
Veja o trailler:
Veja a entrevista feita pela TV Carta com o diretor Adirley Queirós:
Fonte: Carta Capital.
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