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segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Morre Kofi Annan, primeiro negro secretário-geral da ONU e Nobel da Paz

Diplomata de origem ganense se chocou com os Estados Unidos na invasão do Iraque

Kofi Annan na Assembleia Geral da ONU, em 2012 
Foto: TIMOTHY A. CLARY / AFP

ACRA — Primeiro negro e representante da África subsaariana a ocupar a Secretaria Geral das Nações Unidas e Prêmio Nobel da Paz em 2001, Kofi Annan morreu neste sábado, aos 80 anos, informou a Fundação Kofi Annan. Annan, de nacionalidade ganense, morreu em um hospital em Berna, na Suíça, depois de uma "breve enfermidade", cercado em seus últimos dias por sua segunda mulher, Nane, e seus filhos Ama, Kojo e Nina.

Primeiro secretário-geral egresso dos próprios quadros da ONU, Annan serviu dois mandatos, de 1997 a 2006. Seu período à frente da instituição multilateral criada depois dos horrores da Segunda Guerra Mundial foi marcada por um embate com os Estados Unidos por causa da invasão do Iraque em 2003; pelo fortalecimento dos mecanismos globais de combate à Aids; e pela criação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, depois renovados como Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.

"De muitas maneiras, Kofi Annan foi a Organização das Nações Unidas. Ele subiu nas fileiras para liderar a organização no novo milênio com inigualável dignidade e determinação", disse, em uma declaração, o atual secretário-geral da ONU, o português António Guterres.

CONTROVÉRSIAS


Em sua carreira na ONU, iniciada em 1962, Annan não ficou imune a controvérsias. Em 1994, quando era subsecretário-geral e responsável pelas operações de paz, Annan foi criticado pela inação das Nações Unidas no genocídio em Ruanda, quando 800 mil tutsis e hutus moderados foram massacrados em um período de pouco mais de três meses. O departamento de Annan foi acusado de ignorar informações de que o genocídio estava sendo planejado.

O setor de operações de paz voltou a ser criticado em 1995, durante os conflitos separatistas na antiga Iugoslávia, quando 8 mil muçulmanos foram mortos por milicianos sérvios em um setor supostamente protegido pela ONU na Bósnia.

No 10º aniversário do genocídio em Ruanda, Annan reconheceu que sua atuação ficou aquém do necessário. "Eu poderia e deveria ter feito mais para dar o alarme e arregimentar apoio. Essa memória dolorosa, ao lado daquela da Bósnia, influenciou muito do meu pensamento como secretário-geral", disse.

Depois de ganhar em 2001 o Nobel da Paz pelo trabalho da ONU "por um mundo mais organizado e mais pacífico", Annan enfrentou um dos seus momentos mais difíceis à frente da organização. Apesar de não haver provas de que o Iraque do ditador Saddam Hussein estivesse envolvido nos ataques terroristas do 11 de Setembro nos Estados Unidos, o governo de George W. Bush começou a preparar a invasão do país árabe.

Na época, o Iraque continuava sob embargo internacional por causa da invasão do Kuwait, no início dos anos 1990, e os inspetores de armas da ONU se esforçaram em mostrar que, apesar das acusações americanas, não havia provas de que Saddam mantivesse armas de destruição em massa.
 
Ainda assim, os Estados Unidos invadiram o Iraque, derrubaram Saddam e ocuparam o país, à frente de uma coalizão de aliados, sem a aprovação do Conselho de Segurança da ONU.

— Do nosso ponto de vista e do ponto de vista da Carta da ONU, [a invasão] foi ilegal — disse mais tarde Annan em entrevista à BBC.

Essa posição causou problemas para o então secretário-geral quando ele foi envolvido na investigação que apontou abuso e corrupção no programa chamado de "petróleo por alimentos" — antes da ocupação americana, o Iraque era autorizado a vender pequenas quantidades de petróleo em troca de comida e remédios para sua população.

Descobriu-se que um dos filhos de Annan, Kojo, recebeu pagamentos de uma empresa contratada para monitorar o programa. O próprio secretário-geral, no entanto, livrou-se da acusação de ter usado impropriamente sua influência em favor do filho.

IMPERFEITA, MAS NECESSÁRIA

"A ONU pode ser melhorada, não é perfeita. Mas, se não existisse, precisaria ser criada", disse Annan durante entrevista que deu em seu 80º aniversário em abril, no Instituto de Pós-Graduação de Genebra. "Sou um otimista teimoso, nasci otimista e continuo otimista", acrescentou.

Annan deixou as Nações Unidas em 2006, mas não deixou a cena internacional. Criou a fundação que leva seu nome, dedicada à promoção da paz e do desenvolvimento sustentável, e fazia parte do grupo de líderes conhecido como The Elders, fundado por Nelson Mandela para promover a paz e os direitos humanos. Ele intermediou um acordo entre grupos políticos rivais no Quênia, e em 2016 foi nomeado para uma comissão independente que investiga a situação da população da etnia rohingya em Mianmar.
 
"Kofi Annan era filho de Gana e sentia uma responsabilidade especial para com a África. Ele estava particularmente comprometido com o desenvolvimento africano e profundamente engajado em muitas iniciativas, incluindo sua presidência do Painel Progresso da África e sua liderança inicial da Aliança por uma Revolução Verde na África (AGRA)", afirma o comunicado divulgado neste sábado pela Fundação Kofi Annan.

Koffi Annan e sua irmã gêmea, Efua Atta Annan, nasceram em 1938 na então colônia britânica da Costa do Ouro, em uma família de posses — seu pai foi governador provincial no período colonial. O país se tornou independente quando ele tinha 19 anos. Depois de iniciar a universidade em Gana, ele concluiu os estudos nos Estados Unidos. Começou a trabalhar na ONU na Organização Mundial da Saúde (OMS).

NOTA DO BRASIL E REPERCUSSÕES

Em nota, o governo brasileiro expressou "imenso pesar" pela morte de Annan e destacou o apoio dele à reforma da Conselho de Segurança da ONU. "Tinha profundo conhecimento do funcionamento da ONU, tanto na sede em Nova York, como nas missões no terreno espalhadas pelo mundo. No período em que esteve à frente do Secretariado, entre 1997 e 2006, Kofi Annan destacou-se como defensor da reforma e da revitalização das Nações Unidas, inclusive do Conselho de Segurança, bem como do fortalecimento institucional das agendas de direitos humanos e de promoção da paz", diz a nota.
 
O comunicado brasileiro lembrou também que, sob Annan, foram criadas a Comissão de Consolidação da Paz e o Conselho de Direitos Humanos, que substituiu a antiga Comissão de Direitos Humanos, considerada parcial em favor das grandês potências. "O governo brasileiro deseja que seja sempre recordado o legado de Kofi Annan, um dos maiores defensores do multilateralismo, para que suas ações e seus ideais de paz, justiça e tolerância continuem a servir de inspiração para as gerações vindouras", conclui a nota.

O presidente de Gana, Nana Akufo-Addo, descreveu Annan como um motivo de orgulho para o país e decretou uma semana de luto. "Diplomata consumado e altamente respeitado, o ex-secretário-geral das Nações Unidas Kofi Annan foi o primeiro da África Subsaariana a ocupar essa exaltada posição. Ele trouxe considerável renome ao nosso país por essa posição e por sua conduta e comportamento em a arena global", diz Akufo-Addo em um comunicado oficial.

O alto comissário para os Direitos Humanos da ONU, Zeid Ra'ad al-Hussein, que será substituído em setembro pela ex-presidente do Chile Michele Bachelet, chamou Annan de "o melhor exemplo da humanidade e o epítome da decência".

— Quando eu disse a ele uma vez como todos estavam resmungando sobre mim, ele me olhou como um pai olharia para um filho e disse severamente: "Você está fazendo a coisa certa, deixe-os resmungar". Então ele sorriu! — contou al-Hussein. 
 
Fonte: oglobo

Fotógrafo do Recanto das Emas é selecionado para expor trabalhos em NY

Luiz Ferreira, de apenas 23 anos, foi um dos selecionados para expor no Patchogue Arts Gallery (foto: Divulgação/Guilherme Couto)


O estudante de artes visuais Luiz Ferreira está arrumando as malas para realizar a primeira exposição internacional, em Nova York. Com apenas 23 anos, Ferreira foi um dos convidados da Patchogue Arts Gallery, para apresentar o trabalho BRIGHT que estará exposto a partir de 8 de setembro na cidade norte-americana. Mas para que o morador do Recanto das Emas possa ir acompanhar a própria mostra, ele precisa de ajuda para custear as despesas de passagem e hospedagem.
 
Um dos trabalhos de Luiz Ferreira 
(foto: Luiz Ferreira/Divulgação)

Por isso, Ferreira criou uma “vaquinha” on-line para levantar o valor de R$ 5 mil. “A abertura é agora em setembro, mas eu vou só vou conseguir em outubro (no encerramento), caso consiga o dinheiro. Eu fiz a vaquinha on-line porque os meus amigos me pressionaram muito e eu estou tentando arrecadar, cada dia entra um pouquinho, eu to com esperança”, explica o fotógrafo. As doações podem ser feitas por esse link.

A ida à cidade norte-americana veio quase por acidente, como conta Ferreira: “Estava procurando alguma coisa sobre residência e me deparei com esse edital. Enviei meu currículo em junho e o resultado saiu agora em agosto. Fiquei feliz, é outra perspectiva pra mim, é um trampo que vai ressignificar nossa história pela arte, na prática, principalmente no caso da periferia, que tem dificuldade de ir tão longe”.
Exposição

Um dos objetivos de BRIGHT – que está indo a Nova York – é retratar a masculinidade negra fora dos padrões e tabus impostos pela sociedade contemporânea, como acredita o artista. “O corpo negro tem um estereótipo, principalmente o masculino, ele tem uma objetificação muito grande, e existe também as cobranças que a gente tem nesse processo de transformação. Então eu foquei mais nesse processo de raça e classe. Porque dentro da masculinidade tem essa divisão, o homem branco tem uma dominância muito forte, enquanto negro parece mais objetificado”, aponta Ferreira.
 
Um dos trabalhos de Luiz Ferreira 
(foto: Luiz Ferreira/Divulgação)

O fotógrafo ainda defende a iconografia do trabalho como uma forma de memória: “É sobre contar nossa própria história. Eu sempre tento levar a memória, expor a relação do tempo e espaço. Acho que dentro da comunidade negra foi perdida. Tudo que a gente sabe dentro da nossa história é contado por nossos avós, por uma contação de história informal. Sempre tento sempre consolidar essa história. No mundo contemporâneo a gente tem esse poder de escrever nossa história pela arte e não só seguir o que foi contado por colonizadores”.
 
Referências
 
Um dos trabalhos de Luiz Ferreira 
(foto: Luiz Ferreira/Divulgação)

O que mais chama a atenção ao ver o trabalho de Ferreira é o forte traço contemporâneamente urbano. Contrastes e traços duros moldam a composição das fotos e deixam claro que mesmo o artista sendo tão jovem, pratica importante controle sob as fotos. Não para menos, o morador do Recanto das Emas cita referências de peso para a própria carreira, como o alagoano Jonathas de Andrade (que tem apenas 35 anos), a paulista Rosana Paulino, o também ceilandense Antonio Obá e o nova-iorquino superstar Jean-Michel Basquiat.
A fotografia que será exposta em Nova York 
(foto: Luiz Ferreira/Divulgação)

Já sobre o panorama da cidade em relação a recepção artística, a opinião de Ferreira é assertiva: “Eu acho que aqui em Brasília existe um pré-mapeamento com os artistas. Eu acho que é mais difícil uma pessoa nova entrar nos meios de produção artística, sabe? Como se fossem mais fechadas. Claro que em algumas galerias são mais abertas, mas no fim das contas foi mais fácil ser aceita lá do que aqui”.

A carreira de Luiz Ferreira na fotografia é relativamente nova. “Eu comecei a fotografar há 4 anos, com um curso gratuito que teve lá na Ceilândia. Eu sempre me senti atraído pela fotografia e sempre me senti incomodado com a representação das pessoas negras na arte e ao mesmo tempo eu estava buscando minha identidade como um negro e durante esse processo eu passei a usar a narrativa da representação negra no meu trabalho, porque eu não via muito”, conta.

FALAÊ, PRETINHO! | ANSIEDADE E DEPRESSÃO


ANSIEDADE E DEPRESSÃO | VÍDEO #01 | FALAÊ, PRETINHO!
 
 
 
Esse é o primeiro vídeo do meu canal e, como a campanha #SetembroAmarelo coincidiu com o mês do lançamento, resolvi falar sobre esse assunto que tem muito a ver com alguns dos desafios que tenho enfrentado. Espero que você goste, e não se esqueça de clicar no sininho, para seguir o canal. Deixe um comentário para que eu possa construir um canal ainda mais bacana para todEs! Esse é o meu, esse é o seu esse é o nosso canal!



sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Reintegração de Posse: Narrativas da Presença Negra no DF (Vídeo)


::Reintegração de Posse: Narrativas da Presença Negra na História::

Museu Nacional recebe exposição que reconta a presença negra no DF

A exposição histórico-fotográfica Reintegração de Posse: Narrativas da Presença Negra na História do Distrito Federal foi construída coletivamente por estudantes da Universidade de Brasília (UnB), pesquisadoras/es e diferentes profissionais negras/os das áreas de História, Letras, Arquitetura e Urbanismo e Comunicação. É resultado de pesquisa desenvolvida sobretudo no acervo do Arquivo Público do DF.

Ressaltar a importância das pessoas negras como sujeitos históricos que têm deixado suas marcas no Distrito Federal. Esse é o objetivo da exposição histórico-fotográfica Reintegração de Posse: Narrativas da Presença Negra na História do Distrito Federal, que estará no Museu Nacional da República, de 12 a 29 de setembro de 2019. O material foi construído coletivamente por estudantes e pesquisadores da Universidade de Brasília e profissionais de diferente áreas, mobilizados pela professora Ana Flávia Magalhães Pinto, do Departamento de História. A maioria das imagens que a compõem foi selecionada por meio de análise profunda de fontes no acervo do Arquivo Público do DF. A entrada é gratuita.

Desenvolvida a partir de projetos de iniciação científica e extensão da universidade, a exposição encara o desafio de articular os conhecimentos acadêmicos nos campos da História, Comunicação, Arquitetura e Urbanismo aos saberes do ativismo social para a eliminação do racismo. Os registros fotográficos selecionados para a exposição datam de 1956 a 1998 e chamam atenção para o lugar da população negra como maioria dos habitantes do DF.

De acordo com Ana Flávia, a ação parte da perspectiva da História Pública, pensada a partir da multiplicidade dos sujeitos envolvidos e legitimados a contribuir para a construção das narrativas históricas. “Trabalhamos com a chave dos estudos históricos da liberdade e do pós-abolição, sobretudo no que toca o interesse pela reflexão sobre as trajetórias individuais e coletivas da gente negra e o enfrentamento ao racismo. A população do DF é formada por 57% negros/as é preciso refletir sobre a variedade e a complexidade dessas experiências ao longo do tempo”, explicou historiadora.

Reintegração de posse – A exposição histórico-fotográfica busca revelar a presença de pessoas negras em Brasília para além da figura do “candango”, personagem usual dos canteiros de obra e das narrativas sobre a capital. Para isso, apresenta esses e outros brasilienses em espaços sociais diversos, dando vida, cor e movimento à cidade. “Nossa proposta é falar da história negra no DF e lidar com os diversos aspectos da própria sociabilidade deste território”, revelou a historiadora.

Ambientes interativos estimulam os visitantes a encontrar o caminho percorrido por seus familiares até Brasília e suas idas e vindas pelas 31 regiões administrativas do DF. O público é convidado a dialogar e colaborar com o que está nas imagens, registros escritos e relatos de pessoas em diferentes contextos. “Trata-se de um convite ao diálogo com as histórias que elas próprias trazem ao sair de suas casas”, concluiu Pinto. 

História Pública - De acordo com Guilherme Lemos, historiador que compõe a equipe, serão realizadas oficinas e tour virtual pelos espaços de memória das histórias negras no DF e visita guiada por monitores à exposição que está no Museu Nacional, como parte da Semana de Extensão Universitária da UnB. “Apresentaremos à comunidade como o documentos foram selecionados para a mostra, quais as técnicas utilizadas e como articulamos isso com os conhecimentos históricos intersubjetivos da cidade através das entrevistas com pessoas negras que vivem em Brasília desde a construção”, indicou Lemos.

As atividades acontecerão em 26/09, das 19h às 21h no auditório Joaquim Nabuco, na UnB, e 27/9, das 14h às16h30, no Museu Nacional. As oficinas são aberta para toda a comunidade. As inscrições estão abertas em: http://www.dex.unb.br/a-semana-universitaria-2019



Serviço - Reintegração de Posse: Narrativas da Presença Negra na História do Distrito Federal
Local: Museu Nacional da República, Conjunto Cultural da República
Data: de 12 a 29 de setembro de 2019 (Entrada gratuita).

Informações para a imprensa
Mara Karina Silva - (61) 9 9296.9522 (Whatsapp)
marakarinasilva@gmail.com

Elza Soares - Comportamento Geral

A Mulher do fim do mundo neste triste trópico distópico traz na sua voz a reverberação da mensagem da Deusa Mulher, um alerta ferino para sairmos da inércia surda-muda e apática dos nossos dias e lutarmos pelo sentido do bem da coletividade. Ou a gente se une, ou a gente se extingue. Bacurau também nos transmite o sobrealerta. Sua benção, Deusa Mulher Elza!Cantai por nós e com nós!Assistam:



Composição: Gonzaguinha
Produzido por: Rafael Ramos
Gravadora: Deck Clipe gravado na BALPRENSA, em Mesquita/RJ
Ouça aqui: https://ElzaSoares.lnk.to/PlanetaFomeID
Direção: Henrique Alqualo & Marcos Hermes
Produção: Marcos Hermes & Moa Filmes
Direção de fotografia: Araken Dourado
Coordenação de Produção: Diego China
Assistente de Fotografia: Henrique Neves
Correção de cor: Pedro Conforti
Agradecimento: Balprensa
Produção Executiva: Juliano Almeida & Pedro Loureiro
Conceito Artístico: Pedro Loureiro
Cabelo e Maquiagem: Wesley Pachu
Figurino Produção Executiva: Juliano Almeida
Direção Criativa: Pedro Loureiro
Execução: Alexandre Linhares e Thifany F.
 
 
Fonte: Elza Soares 

"Deixa que eu conto a minha história", reivindica Bia Ferreira


Arte e ativismo estão intrinsecamente ligados. Um, aliás, deveria ser a base do outro, para a cantora Bia Ferreira. "Se você se cala diante do que está acontecendo, então o que você faz não é arte, é pão e circo", disse em entrevista ao Brasil de Fato. 
 
Ela fala sobre racismo, sobre a memória do governo Lula e sobre o governo Bolsonaro: "a gente precisa aproveitar esse momento de caos pra explicar pras pessoas que a gente só está nesse momento porque elas se esqueceram das possibilidades que chegaram pra elas". Assista:



quinta-feira, 26 de setembro de 2019

A Ideologia do branqueamento: tudo que você precisa saber

Toda vez que me proponho a falar sobre um tema denso da estrutural racial, fico pensando e repensando qual será a melhor estratégia para escrevê-lo. Neste momento tento me colocar no lugar de quem talvez nunca tenha pensado acerca da temática e, ao mesmo tempo, expressar todo o sentimento (dores e anseios) que eu sinto enquanto pessoa negra neste país. Meu lugar de fala é brasileiro, é negro, é periférico, e por mais marcadores sociais que possam existir neste corpo andante, há situações que eu não conseguirei alcançar, mas tento transmitir conhecimento para construção da nossa luta antirracista.

para Luana Mendes Daltro,
Nappy.co
 
Falar de antirracismo é entender o branqueamento

Uma luta antirracista precisa ser pautada em mecanismos de combate ao racismo. Neste sentido, falar sobre embranquecimento é entender como a configuração desta ideologia nos atingiu e atinge enquanto população negra, e a partir disso, desconstruir estereótipos e arquétipos que possam modificar a estrutura racista.

Quando falamos que nossos corpos foram embranquecidos, contamos a história desse país. Nossas ações são pautadas por uma herança baseada em uma ideologia, que está enraizada na nossa sociedade, fortalecida pelo sistema racista. Por isso, para entender o branqueamento, precisamos voltar algumas casas. Vamos lá?

Alerta: Eu sei que vai ser estranho para algumas pessoas, mas vocês vão perceber que NADA do que aconteceu com a população negra foi por acaso no Brasil. Tudo foi muito bem pensado e articulado como forma de extermínio e eugênia de negros e negras. Ações que somente se reformularam à medida do tempo, pois ainda se fazem presentes.
 
Como o branqueamento nos atingiu

Tudo começou com a vinda de negros e negras escravizados da África. Nossos irmãos eram negros de pele retinta (tom de pele negra escura) que vieram como objetos de exploração, seja qual fosse a natureza dessa, até aqui nenhuma novidade. Mas, houve um ‘problema’ que os portugueses não pensaram né, a população brasileira estava enegrecendo. Então, no século XIX e meados do século XX, a elite brasileira estruturou a “ideologia do branqueamento” baseada na premissa de que era necessário embranquecer o país (tornar a população branca mesmo), uma vez que ser negro era considerado ruim — isso não parece familiar pra você?
 
Quais foram as ações para o branqueamento?

Nós nos sentimos muito orgulhosos em gritar aos quatros ventos que o Brasil é um país plural, pois somos miscigenados. Porém, o que nunca nos contaram é que a miscigenação foi um processo estruturado, planejado, instaurado e fortalecido para negros e índios (sim, eu sei que dói). Essa foi difundida como forma de alienação de suas identidades, os quais acreditavam que com essa medida, seus filhos seriam incluídos na sociedade, pois sabemos que eles não eram considerados como integrantes da população. Para André (2008), a miscigenação tornou-se eficaz, pois desenvolveu três formas de ação:
  1. A violência sexual praticada pelos senhores de escravos em mulheres negras e indígenas. Pra enfatizar: Mulheres foram estupradas com o objetivo de clarear a população.
  2. Casamentos fora do religioso.
  3. À chegada dos imigrantes no país. Essa é bem legal também. Nossos governantes eram muitos bons, né, então, eles resolveram adotar uma política externa no regime colonial, que facilitava a vinda de imigrantes de todos os países do mundo para o Brasil, oferecendo a possibilidade de trabalho e moradia. Mas, a verdade é que, novamente, o objetivo era o clareamento.

Nota: Eu adoro que os povos africanos até hoje não são vistos como imigrantes quando chegam no Brasil.

No sul, é bem comum as pessoas encherem a boca pra falar que são descendentes de europeus e pipi, pois todas as formas que possam dissociar a origem brasileira é visto como cool. Ou seja, o processo de branqueamento foi um projeto muito bem construído, pois a apropriação deste discurso, por exemplo, na cultura sulista é passada de geração para geração.

Pensem e reflitam, pois todas as ações mencionadas foram políticas eugenistas que devem ser ditas e, ao mesmo tempo, refletidas como sinônimo de vergonha pela população brasileira, ao invés de nos vangloriamos.
 
O Mito da Democracia racial

A partir da concepção da miscigenação, reforçou-se a crença vigente de que o racismo não existe no país. Na década de trinta, houve a difusão da concepção de que no Brasil se vivia uma democracia racial, mas, é um mito. Por quê? Foi uma “invenção”de que como fomos colonizados por portugueses, que exerceram uma relação superior com os povos colonizados, pois eram “menos agressivos”, logo, eles não eram considerados racistas (mentira total), assim criou-se uma percepção de que a miscigenação e a pluralidade racial do país demonstram que não somos preconceituosos, mas, ao contrário, que somos o povo que exala diversidade.

Daí, eu te pergunto: Que democracia racial é essa, que escravizou negrxs e estuprou mulheres para embranquecer a população?
 
Como o branqueamento nos atinge hoje?


Pra mim, o embraquecimento ainda é vivo entre pessoas negras devido à desfragmentação identitária. Essa prática está alicerçada na estrutura do racismo — vale lembrar que o racismo é um sistema de poder, logo, suas ações estão associadas à uma configuração que o permita se fortalecer e manter seu poder. Por isso, quanto mais enfraquecidos e desarticulados estivermos, quem ganha é o racismo e a quem o convém.

Desde que tribos oriundas da África chegaram no Brasil como escravizados, um dos principais mecanismos de desarticulação de revoltas e fugas, foi a mistura dessas tribos, pois a cultura e a língua eram diferentes, desta forma, dificultava a comunicação, e por sua vez, a articulação.

Ou seja, toda a organização do período escravocrata no país ainda reflete a forma como nos enxergarmos. Não sabemos a origem dos nossos antepassados. Não é à toa que pessoas negras não conseguem estabelecer, nos primeiros anos da sua vida, uma identidade negra positiva. Por isso, temos uma construção diferente, que se estabelece ao longo da vida. Somos ensinados desde a nossa infância a negarmos os nossos traços corpóreos, alisando os nossos cabelos, desejando afinar lábios e narizes. Seguimos o que é padrão, e o padrão é eurocêntrico — loiro, dos olhos azuis e cabelo liso.
 
Pessoas negras são embranquecidas para se enquadrar

A libertação dos negros escravizados não aconteceu de forma bondosa e espontânea. Mas, existem diferentes articulações impostas pelo racismo para nos manterem presos. O branqueamento da população negra, por exemplo, é uma delas, ainda estamos algemados no que a branquitude nos impõe. Esse papel é silencioso e instaurado na cultura, logo, não percebemos suas reproduções, por isso, continuamos a segui-las.

Sejamos práticos: Se eu fui ensinada que os meus traços eram feios, ruins e os reneguei, a consequência é eu me aproximar do que é visto como bonito e positivo, correto? Neste caso, o positivo é o branco. Portanto, quando vocês verem pessoas negras alisando seus cabelos, negando seus traços, e não se identificando enquanto negros, não pensem que eles são os culpados. A culpa é do poder estrutural do racismo na sociedade.
 
O despertar?

Minha teoria é que ainda vivemos numa falsa liberdade social, pois não conseguimos fugir do que é padrão. Lutamos para preservar nossos traços e corpos diariamente. Vivemos um momento no Brasil, no qual pessoas negras estão fortalecendo suas identidades, deixando seus cabelos naturais, buscando o acolhimento entre os seus, se aproximando da cultura negra, articulando movimentos, e isto, incomoda. Ainda é motivo de repúdio porque, no fundo, a casa grande ainda vive no coração de muitas pessoas.

Por mais “afrontosos” que sejamos, acabamos nos enquadrando. Nos enquadramos porque precisamos. E como é difícil admitir, né? Eu sei que todos os passos trilhados até aqui são de resistência, porque devemos reivindicar o que é nosso por direito, e ainda é negado. Ocupamos, porque nossa presença, mesmo que silenciosa, é sentida. Acima de tudo, perseveramos porque lutamos por um mundo mais justo, onde as próximas gerações não precisem sentir o que sentimos.

O despertar? Ele ainda vai acontecer.
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Referência:

ANDRÉ, Maria da Consolação. O ser negro: a construção da subjetividade em afrobrasileiros. Brasília: LGE, 2008.



Fonte: geledes

Thiago Elniño lança disco novo: 'Momento é de se cuidar'


Rapper lança 'Pedras, Flechas, Lanças, Espadas e Espelhos', disco que documenta jornada por fé e o direito de continuar sonhando

Rapper Thiago El Niño lança novo disco - Paulo Abreu / Divulgação

Por THIAGO ANTUNES ,
Depois de uma luta árdua, é preciso se recolher para refletir. Conversar consigo mesmo(a) para instrumentalizar novos saberes e, em outro momento, decidir as próximas ações. Nesse contexto de batalha e mudanças de paradigmas, o rapper Thiago Elniño lança seu segundo álbum de estúdio. 'Pedras, Flechas, Lanças, Espadas e Espelhos', representa a jornada do homem negro que quer o direito de continuar sonhando e faz ponte entre a ancestralidade do artista e a espiritualidade africana.

Em entrevista ao DIA, Thiago detalhou o processo de composição do álbum, suas azeitadas parcerias e contou sobre seus novos planos artísticos.

O DIA - Por que o nome 'Pedras, Flechas, Lanças, Espadas e Espelhos?

Thiago Elniño: Eu lancei um disco anterior chamado 'A Rotina do Pombo'. Foi um disco muito feliz, na mesma medida que me trouxe algumas frustrações. Teve um estudo intenso, busquei trabalhar com pessoas que queria. Eu ainda não tinha um alcance legal, mas o disco me apresentou dentro da cultura hip hop de uma forma muita positiva. Foi sucesso de crítica, sucesso entre artistas e produtores do rap, mas em termos de público não teve um alcance muito significativo.

O disco contava a história de um personagem, então me aproximei da galera do teatro para conseguir essa narrativa. Estava psicologicamente abalado quando saí do disco pelas dores que perpassavam o personagem e, nesse processo, eu pensei que não queria mais fazer um álbum. Eu não queria sucesso de crítica, queria sucesso de público, poder conversar com o povo preto que sofre o racismo que eu sofria. No início de 2018, houve uma crise carcerária no Norte do país. Ver a rebelião, aqueles homens degolados, principalmente negros, mexeu muito comigo. Isso me motivou a escrever e resolvi fazer um EP. Quando comecei a fazer, me vieram as dores e dos desconfortos do trabalho anterior, era um momento em que estava destruído. Então, resolvi parar para não me machucar.

Mas, na feitura do EP, saiu a música 'Filhos do Sol', que está nesse disco e narra a perspectiva de quem está de fora da cadeia, mandando uma mensagem para quem está dentro. A faixa foi chegando nas pessoas, dando esperança, felicidade e recebi retornos de gente que falava que a escutava para ir trabalhar, para ter força. Pensei: 'Isso é novo no meu trabalho'. Nunca tinha experimentado esse tipo de elogio e isso me despertou a vontade de produzir músicas no mesmo caminho.

Era um momento da minha vida que eu estava me aproximando do pan-africanismo, coisas relacionas ao Malcolm X. Ele tem uma frase que diz: 'Para o homem preto alcançar a autonomia, deve usar todas as armas necessárias'. No início do meu trabalho, tinha essa coisa do boompap, mais marcado e eu não me abria para sonoridades novas como o trap e o afrobeat. Vi que, através do funk, também posso conquistar um outro diálogo. Essas seriam minhas armas necessárias. O disco também é espaço de luta e fé, com a relações à umbanda, ao candomblé...que evoca uma energia e uma arma dos orixás, além de uma linguagem diferente. Por isso, 'Pedras, Flechas, Lanças, Espadas e Espelhos'.

Há muitas participações de destaque no disco, como Luedji Luna e Rincon Sapiência. Fale sobre isso

Acho que estamos na 'era das participações'. Acho que tem uma geração do rap é muito cheia de 'não me toque' e tradicionalismo. Eu tenho um lance que eu nunca começo uma música sabendo o jeito que ela vai terminar. Eu começo e deixo ela pedir o que ela precisa. Quando a música pede alguém e a pessoa em questão não estiver, a musica não vai sair, vou engavetar. Tenho músicas guardadas para Xênia França, por exemplo, por achar que a voz dela é a certa. Então, eu tive a sorte de construir músicas que dialogavam com essas pessoas, que também faziam parte do mesmo cenário. E são todas pessoas próximas, que eu frequento, converso, encontro para bater papo, tomar uma cerveja. Também tiveram casos em que alguém me falava: 'Fulano de tal gostaria de te conhecer' e as propostas casavam. E aí foi tudo acontecendo um pouco naturalmente.

Você comentou sobre luta e fé. Acha que também há um sentido de cuidado e proteção no disco?

Essa questão do pan-africanismo, de potencializar vozes, tem uma coisa do ambiente politico 'de peito aberto'. Toda ação tem uma reação e estamos vivendo uma reação muito forte. O momento do agora é que temos que nos defender e sermos estratégicos. Voltou a estar perigoso viver. Vejo muito o primeiro disco como um quilombo, os guerreiros saindo...neste agora os guerreiros estão voltando machucados, lutar não deu certo, é o momento da gente travar um diálogo entre a gente, de falar com a nossa espiritualidade, das relações com a mulher preta, ter uma conversa interna, um 'vamos se cuidar, vamos estar junto'.



Como estão os shows de lançamento?

Fizemos no Sesc Barra Mansa, a Luedji Luna conseguiu vir e todas as participações eram de mulheres pretas. Foi muito bonito. O show está bem bacana, respeitando a questão com a minhas espiritualidade, com percussões, uma apresentação nova...está bem bonito. As pessoas dançaram bastante, se divertiram.

E os planos para a turnê? Fará algo no Rio, São Paulo?

A gente não teve uma abertura tão setorizada, quando soltamos o disco falamos sobre a possibilidade de expandir. Temos shows marcados no Sul, vamos para Teresina, pro Nordeste...quando o disco saiu abriu essa possibilidade, principalmente em apresentações no Sul e Nordeste. Temos o Martché nos efeitos, dois percussionistas, a Ana Carolina, da festa Bafro, com DJs mulheres pretas, sendo DJ na turnê e a Natache, que também participa do disco, comandando as músicas, vocalistas...

O que você tem escutado e o que serviu de inspiração para o disco?

Tenho escutado agora esse momento de MCs no rap, com Djonga, BK', Sant, muito essa molecada que tem chegado. Lá fora tem J. Cole...mas muito do disco veio do Itamar Assumpção, o Jards Macalé, artistas ditos como 'malditos', o Luiz Melodia...Eu destaco o Itamar, o Marku Ribas. Além do Fela Kuti, que eu chamo de 'papai' (risos). A gente tinha essa proposta de colocar o povo para dançar e vimos isso no Sesc Barra Mansa. O Fela tem isso e um suingue que faz parte da gente.

O próximo disco será dançante, então?


Já estou na produção do próximo, inclusive. Durante o 'Pedras....', conheci o Alan e o Difunto Beats, que são de Campos e Macaé. Eles foram os caras que trouxeram o funk e o afrobeat. O disco já estava bonito, e eles jogaram tudo para uma força maior e viraram beatmakers oficiais no próximo trabalho. Acho que teremos muito mais melodias, de tornar o soul e o afrobeat mais recorrentes no que eu faço.


'Pedras, Flechas, Lanças, Espadas e Espelhos' está disponível nas plataformas de streaming e no Youtube
Fonte: odia

SARAU COMPLEXO - 10 ANIOS! (27/09)








Feliz em celebrar esses dez anos de Sarau Complexo.

Uma luta que ajudei a construir. Das rimas em volta de uma fogueira em sua primeira edição à conquista/existência do Complexo Cultural Samambaia.

É o Rap... Nossa força, nosso povo, nossa beleza, nossas vitórias!

Bora?

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Racismo institucional leva polícia do Brasil e dos EUA a matar mais negros e pobres

Protesto em memória do músico Evaldo dos Santos, morto em uma ação do Exército na região da Vila Militar, na Zona Oeste do Rio, em 7 de abril de 2019 (Foto: Mauro Pimentel/AFP)
 
Em 2018, o número de mortes cometidas por policiais na ativa no Brasil foi de 6.160, contra 992 nos EUA 
 
O que justifica a filtragem racial das intervenções policiais no Brasil e nos Estados Unidos? Os dados sobre agressões e mortes de jovens negros nos dois países são alarmantes e salientam a desigualdade e o preconceito que muitas vezes custam a vida dos cidadãos. A RFI entrevistou especialistas nesta questão.

O consórcio de jornalistas americanos Fatal Encounters divulgou recentemente o resultado de um novo estudo sobre violência policial nos Estados Unidos. Analisando dados do Sistema Nacional de Estatísticas sobre Mortalidade no país, pesquisadores descobriram que homens negros têm 2,5 mais probabilidade de serem mortos pela polícia do que brancos.

Os dados divulgados pela pesquisa são chocantes: a cada mil homens negros, um será morto pela polícia ao longo de sua vida, seja com arma de fogo, taser (arma de eletrochoque) ou sufocamento. O excesso de força policial lidera as causas de mortes de homens negros entre 25 e 29 anos, deixando para trás acidentes, suicídios, doenças cardíacas ou câncer.

Para o historiador francês François Durpaire, especialista em Estados Unidos, os dados divulgados no estudo da Fatal Encounters só reforçam o duro cotidiano de jovens negros no país. 
 
“Há o fator do racismo da polícia: isso está enraizado na história americana. Para o mesmo tipo de delito ou abordagem policial, se a pessoa é negra, maior é o risco que a situação saia de controle”, avalia.
 
Tratamento desigual da Justiça

Durpaire lembra que, embora a sociedade americana tenha evoluído nas últimas décadas, a comunidade negra continua enfrentando dois problemas principais: as desigualdades na relação com a polícia e com a Justiça. 
 
“Apesar das tentativas de integrar cidadãos negros aos júris, o tratamento da justiça é desigual com os negros. O próprio movimento Black Lives Matter não nasceu da revolta contra os policiais, mas da absolvição de George Zimmerman. Ou seja, o problema não é apenas com a polícia, mas também com a Justiça”, destaca.

De fato, o caso Zimmerman comoveu o país em 2012. O vigia matou a tiros o jovem Trayvon Martin, de 17 anos, alegando legítima defesa. O jovem estava desarmado e foi perseguido e alvejado em um condomínio na periferia de Orlando por ter sido considerado “suspeito” pelo segurança. Zimmerman foi inocentado, com a hipótese de um crime racista descartado, o que gerou uma onda de indignação nos Estados Unidos.

Essa banalização da violência contra negros também tem relação com a grande quantidade de armas de fogo nas mãos de civis nos Estados Unidos. 
 
“É preciso lembrar que existe uma taxa de 120 armas a cada 100 habitantes – a maior no mundo. Então, quando um policial faz uma abordagem, ele parte do princípio que há grande possibilidade de que o suspeito esteja armado. Por isso a polícia americana não hesita em atirar”, avalia Durpaire. 
 
Alvos preferenciais da polícia são negros e pobres

Para o professor Adalmir Leonídio, coordenador do Observatório da Criminalização da Pobreza e dos Movimentos Sociais da USP, há similaridades entre a situação nos Estados Unidos e no Brasil. “Nos dois países, o alvo preferencial da violência policial – que se traduz em tortura e assassinatos – são preferencialmente negros e pobres, moradores dos chamados ‘territórios da pobreza’. No entanto, precisamos considerar a desproporção numérica entre as duas realidades. O Brasil mata muito mais negros e pobres que os Estados Unidos”, ressalta.

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, dos 5.896 boletins de ocorrência de mortes devido a intervenções policiais entre 2015 e 2016, 76,1% das vítimas eram negros: 5.769 homens e 42 mulheres. Grande parte é jovem: 35,5% têm idades entre 18 e 29 anos. Em 2018, o número de mortes cometidas por policiais na ativa subiu para 6.160 pessoas.

Nos Estados Unidos, de fato, esse número é expressivamente inferior. Segundo o Sistema Nacional de Estatísticas sobre Mortalidade do país, cerca de três americanos são mortos por dia pela polícia, contra 16 no Brasil. Em 2018, 992 pessoas morreram em intervenções policiais nos Estados Unidos.

Mas o que justifica essa filtragem racial da polícia brasileira? Para Leonídio, não há dúvidas: no Brasil, existe um senso comum penal desde o início da desagregação do trabalho escravo no País que relaciona negros e pobres ao potencial criminoso. “Essa parcela da população está envolvida em um clima de permanente suspeição. Nesse novo governo em particular, esse senso comum penal não só foi exacerbado como tem sido explicitamente assumido, o que tem sido favorável à execução de pobres e pretos”, salienta.

Para o especialista, a própria legislação criminal permite a predisposição ao combate arbitrário do “criminoso”, que, ressalta, é uma produção social. “O sistema penal não visa combater o crime, mas o criminoso: essa figura é envolta em todo um manto de estigmas e que obviamente não vai ser o rapaz branco, de classe média”, diz.

Por isso, segundo Leonídio, existe uma “produção criminológica” para o enquadramento desta população à margem da sociedade. “Essas pessoas não são absorvidas pelo mercado de trabalho, não fazem parte da lógica mercantil em evolução e é preciso fazer alguma coisa delas. Isso vai ser muito mais grave em países como o Brasil, onde há uma História de quatro séculos de escravidão. Existe um inimigo interno a ser combatido que, há cem anos, era o ex-escravo. Hoje é o morador da periferia pobre, que se configura como uma ameaça permanente ao patrimônio dos ricos”, reitera. 
 
Resistência sobre o racismo institucional

Para o sociólogo Danilo Morais, professor da Fundação Hermínio Ometto, a resistência das autoridades em reconhecer a existência do racismo institucional piora ainda mais a situação. “Um dos elementos das políticas públicas brasileiras menos tocado pela democratização foi a segurança. Por isso é tão difícil conseguir dialogar com os atores institucionais sobre racismo”, afirma.

O preconceito velado contra os não-brancos no Brasil fortalece esse fenômeno que data de décadas, segundo Morais. 
 
“O racismo brasileiro se constituiu, desde a década de 1930, com a noção de que o Brasil é uma democracia racial, ou seja, que as relações raciais no país seriam harmoniosas, sem conflito. Isso serviu como política de Estado na Era Vargas pra criar um mito de unidade nacional. Então constituiu-se um racismo que, ao mesmo tempo que hierarquiza e subalterniza os não-brancos, reiteradamente diz que não há distinção entre as pessoas”, afirma.

Por isso, segundo o sociólogo, o racismo brasileiro não é explícito. Ele se apresenta no âmbito institucional – com a produção de desigualdade racial no acesso a direitos – e também o racismo latitudinal, nas relações cotidianas.

A partir da promulgação da Constituição de 1988 é que se começou a discussão e a implementação de algumas ações afirmativas para se começar a superar as desigualdades sociais no Brasil. No entanto, Morais sublinha que os retrocessos que o país vive atualmente prejudicam as “tímidas, mas importantes mudanças de percepções sobre as relações raciais”.

“Infelizmente o atual presidente reforça os elementos mais retrógrados sobre o que são as relações étnicos-raciais no Brasil. No campo da segurança pública, uma das áreas mais impermeáveis para a evolução da questão racional, havia o início da discussão que agora retrocede de uma maneira brutal, com um governo com uma visão de mundo que se constitui como uma espécie de neofascismo”, avalia.

De acordo com o professor, se antes já havia uma aprovação tácita por parte das autoridades para a filtragem racial dentro da segurança pública, atualmente há uma autorização explícita por parte do governo nacional. As consequências, segundo Morais, serão o aumento de número de mortos nos próximos anos não apenas de civis, mas também de policiais.

“Essas políticas de segurança pública que privilegiam as situações de confronto também fragilizam o agente. Os policiais morrem muito em ação e, enquanto categoria profissional, a polícia é um dos setores onde mais se comete suicídio. Ou seja, essa situação não é adequada para ninguém. Até porque, se produzir encarceramento e morte fosse sinônimo de segurança, o Brasil seria um paraíso”, conclui.
Fonte: cartacapital

O Sound System é resistência negra!

 
Esses caras da foto acima são filhos da chamada “geração windrush”, batizada assim por conta do navio Empire Windrush, de onde saiu a primeira geração de jamaicanos que imigraram para a Inglaterra, em 1948. Os filhos desses negros imigrantes foram jovens durante as décadas de 60 e 70, até a década de 1980, no caso dos mais novos. Esses jovens viram seus pais tentarem se adaptar ao estilo de vida inglês e falharem, já que sistema não os absorveu, não deu a dignidade que fora prometida nos slogans que os estimularam a deixarem a Jamaica. No início dos anos 70, esses mesmos jovens estavam sendo influenciados pela efervescência do Black Power Movement nos EUA – assim como aconteceu com os frequentadores dos Bailes Black aqui no Brasil. Mas eram as canções do roots reggae, politicamente engajadas a favor da libertação negra, que davam o clima de tudo. The Wailers, Big Youth, Junior Murvin, Dennis Brown…

Durante esse período, o governo inglês passou a colocar em prática uma lei informalmente chamada de SUS, que permitia à polícia abordar, revistar e prender qualquer pessoa que tivesse uma aparência “suspeita”. A aplicação dessa lei foi obviamente motivada pela imigração crescente durante as décadas de 1960 e 1970, ou seja, era uma forma de garantir que os homens de farda pudessem abordar e prender arbitrariamente jovens negros nas mais variadas situações. Somada aos outros problemas cotidianos do racismo, na escola e trabalho, essa repressão gerava revolta. E essa revolta era embalada pelas músicas criadas pelos rastafari, que apontavam na ilha os mesmo problemas que a juventude de ascendência caribenha enfrentava no Reino Unido. O visual desses músicos, rebelde como suas músicas, os influenciava a ponto de não-praticantes do Rastafari passarem a deixar crescer seus cabelos em dreadlocks – algo impensável na Jamaica. 
 
A banda inglesa de reggae Aswad.

Os sound systems sempre tiveram força na comunidade negra que vivia na Inglaterra. Esse elemento fundamental da cultura jamaicana desembarcou por lá com a geração windrush. Nas décadas de 50 e 60, servia principalmente como consolo e recomposição das energias para esses imigrantes. Mas foi no contexto político da década de 70 que ele ganhou a força que o tornou mundialmente conhecido. Além de bandas de reggae, muitos jovens se reuniram para criar seus próprios sound systems. Fosse na rua, casas noturnas ou festas em casa, essas equipes elevavam a mente dos jovens negros com a força da reggae music, para conscientizar e divertir – como um descanso merecido do mundo hostil que existia do lado de fora dessa aura mágica. Essas festas eram, de fato, espaço de resistência que estimulavam a libertação negra à sua própria maneira. E como qualquer espaço ocupado exclusivamente (ou majoritariamente) por pessoas negras, os problemas e reações violentas da comunidade branca e governo inevitavelmente começam a surgir. Um dos incidentes mais notórios aconteceu no Notting Hill Carnival de 1976, tradicional festival de rua promovido pelas comunidades caribenhas em Londres. A polícia, além de ter realizado prisões arbitrárias, iniciou um tumulto usando violência gratuita. Os presentes, incluindo fotógrafos e jornalistas, testemunharam que a ação da polícia começou do nada, em um ambiente pacífico. Os jovens negros, já cansados da violência, reagiram com o quê estava disponível: paus, pedras e garrafas. Foram mais de 100 policiais feridos, 66 pessoas presas e um número ainda maior de civis feridos. 
 
 
Cena do tumulto no Notting Hill Carnival de 1976. Foto de Robert Golden.

Ataques às manifestações negras aconteciam com frequência. Um dos eventos mais trágicos foi o batizado de “New Cross Fire”, um incêndio que aconteceu em 1981 numa casa em Londres, onde rolava uma festa de aniversário. Treze jovens negros morreram e um dos sobreviventes se matou dois anos depois. A suspeita é de que o incêndio tenha sido proposital e teve motivações racistas, pelas evidências encontradas nos restos da casa e testemunhos de sobreviventes. Uma série de protestos aconteceram após o evento, motivados principalmente pela má vontade e acobertamento da polícia na investigação do caso, e também pela indiferença da comunidade branca. O evento inspirou o que, pra mim, é o reggae mais triste da história, que leva o mesmo nome do triste evento. Sir Collins a compôs em homenagem a Steve Collins, seu filho, que comandava seu Gemini Sound System na festa (os equipamentos lhe foram dados pelo pai). Com apenas 18 anos, Steve acabou morrendo. Durante a música inteira pode-se ouvir o som de um sintetizador simulando uma sirene de ambulância/carro de bombeiro. A capa, que mostra Sir Collins e Steve, é de cortar o coração. Outros músicos e artistas também lamentaram/protestaram através de músicas e poemas. Mas nenhuma é tão poderosa e triste quanto ela:



Você pode estar se questionado: “se a cultura sound system é originalmente jamaicana, por que ele deu ênfase ao sound system na Inglaterra?”. É porque a Jamaica é um país quase 100% negro e, depois disso tudo, quero propôr um questionamento que só é válido em países cuja população é racialmente diversificada e os negros representam uma minoria política. Esse é o caso da Inglaterra e, claro, do Brasil. The Jah Shaka Sound System, Sir Coxsone Outernational e Saxon Studio International são referências que vão além do estilo de discotecagem e potência das caixas que espalham a reggae music pelo ar. São referências de resistência, que cravaram em pedra seus nomes no universo da diáspora africana. E não são resistência por mera classificação vaidosa. Como esse artigo aponta, foram espaços que sofreram inúmeros ataques da sociedade racista e ainda sim se mantiveram em pé. A cultura sound system e a negritude são indissociáveis. Se salvam os que se mantém firmes à essência da coisa, mas o que tenho visto aumentando cada vez mais no Brasil é o esvaziamento de significado e da história dessa cultura. O discurso da democracia racial toma conta de todos os setores e na cena sound system não seria diferente. Como disse Ari Consciência, figura notória da cena do reggae em Alagoas, em entrevista recente à Vice, “o movimento não se assume como negro. Eles se apropriam das músicas (…), mas não estudam a história por trás daquilo, de onde vem e o que significa”. Muitos dos que se atrevem a falar sobre questões sociais, soltam clichês que dão noções vagas sobre respeito e igualdade, em tom desracializador. Se fala sobre pobreza, sobre o gueto, sobre a periferia, mas nunca sobre os problemas raciais. Quando mencionados, vem na leveza do “diga não ao racismo” e “somos todos iguais”. Eu pergunto: a quem serve o discurso vago e desracializador num país em que o assassinato de negros é classificado pela ONU como genocídio (em média 23 mil jovens negros assassinados por ano, e o número vem aumentando)? O quê representa esse incômodo com o recorte racial e discursos sólidos sobre a negritude, justamente dentro de uma cultura criada por negros e onde se toca música negra? Gostem ou não: o sound system é resistência negra!

 
  Phantom, sound system londrino da década de 1960. 
 
 
Fonte: obuli