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segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Morre Kofi Annan, primeiro negro secretário-geral da ONU e Nobel da Paz

Diplomata de origem ganense se chocou com os Estados Unidos na invasão do Iraque

Kofi Annan na Assembleia Geral da ONU, em 2012 
Foto: TIMOTHY A. CLARY / AFP

ACRA — Primeiro negro e representante da África subsaariana a ocupar a Secretaria Geral das Nações Unidas e Prêmio Nobel da Paz em 2001, Kofi Annan morreu neste sábado, aos 80 anos, informou a Fundação Kofi Annan. Annan, de nacionalidade ganense, morreu em um hospital em Berna, na Suíça, depois de uma "breve enfermidade", cercado em seus últimos dias por sua segunda mulher, Nane, e seus filhos Ama, Kojo e Nina.

Primeiro secretário-geral egresso dos próprios quadros da ONU, Annan serviu dois mandatos, de 1997 a 2006. Seu período à frente da instituição multilateral criada depois dos horrores da Segunda Guerra Mundial foi marcada por um embate com os Estados Unidos por causa da invasão do Iraque em 2003; pelo fortalecimento dos mecanismos globais de combate à Aids; e pela criação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, depois renovados como Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.

"De muitas maneiras, Kofi Annan foi a Organização das Nações Unidas. Ele subiu nas fileiras para liderar a organização no novo milênio com inigualável dignidade e determinação", disse, em uma declaração, o atual secretário-geral da ONU, o português António Guterres.

CONTROVÉRSIAS


Em sua carreira na ONU, iniciada em 1962, Annan não ficou imune a controvérsias. Em 1994, quando era subsecretário-geral e responsável pelas operações de paz, Annan foi criticado pela inação das Nações Unidas no genocídio em Ruanda, quando 800 mil tutsis e hutus moderados foram massacrados em um período de pouco mais de três meses. O departamento de Annan foi acusado de ignorar informações de que o genocídio estava sendo planejado.

O setor de operações de paz voltou a ser criticado em 1995, durante os conflitos separatistas na antiga Iugoslávia, quando 8 mil muçulmanos foram mortos por milicianos sérvios em um setor supostamente protegido pela ONU na Bósnia.

No 10º aniversário do genocídio em Ruanda, Annan reconheceu que sua atuação ficou aquém do necessário. "Eu poderia e deveria ter feito mais para dar o alarme e arregimentar apoio. Essa memória dolorosa, ao lado daquela da Bósnia, influenciou muito do meu pensamento como secretário-geral", disse.

Depois de ganhar em 2001 o Nobel da Paz pelo trabalho da ONU "por um mundo mais organizado e mais pacífico", Annan enfrentou um dos seus momentos mais difíceis à frente da organização. Apesar de não haver provas de que o Iraque do ditador Saddam Hussein estivesse envolvido nos ataques terroristas do 11 de Setembro nos Estados Unidos, o governo de George W. Bush começou a preparar a invasão do país árabe.

Na época, o Iraque continuava sob embargo internacional por causa da invasão do Kuwait, no início dos anos 1990, e os inspetores de armas da ONU se esforçaram em mostrar que, apesar das acusações americanas, não havia provas de que Saddam mantivesse armas de destruição em massa.
 
Ainda assim, os Estados Unidos invadiram o Iraque, derrubaram Saddam e ocuparam o país, à frente de uma coalizão de aliados, sem a aprovação do Conselho de Segurança da ONU.

— Do nosso ponto de vista e do ponto de vista da Carta da ONU, [a invasão] foi ilegal — disse mais tarde Annan em entrevista à BBC.

Essa posição causou problemas para o então secretário-geral quando ele foi envolvido na investigação que apontou abuso e corrupção no programa chamado de "petróleo por alimentos" — antes da ocupação americana, o Iraque era autorizado a vender pequenas quantidades de petróleo em troca de comida e remédios para sua população.

Descobriu-se que um dos filhos de Annan, Kojo, recebeu pagamentos de uma empresa contratada para monitorar o programa. O próprio secretário-geral, no entanto, livrou-se da acusação de ter usado impropriamente sua influência em favor do filho.

IMPERFEITA, MAS NECESSÁRIA

"A ONU pode ser melhorada, não é perfeita. Mas, se não existisse, precisaria ser criada", disse Annan durante entrevista que deu em seu 80º aniversário em abril, no Instituto de Pós-Graduação de Genebra. "Sou um otimista teimoso, nasci otimista e continuo otimista", acrescentou.

Annan deixou as Nações Unidas em 2006, mas não deixou a cena internacional. Criou a fundação que leva seu nome, dedicada à promoção da paz e do desenvolvimento sustentável, e fazia parte do grupo de líderes conhecido como The Elders, fundado por Nelson Mandela para promover a paz e os direitos humanos. Ele intermediou um acordo entre grupos políticos rivais no Quênia, e em 2016 foi nomeado para uma comissão independente que investiga a situação da população da etnia rohingya em Mianmar.
 
"Kofi Annan era filho de Gana e sentia uma responsabilidade especial para com a África. Ele estava particularmente comprometido com o desenvolvimento africano e profundamente engajado em muitas iniciativas, incluindo sua presidência do Painel Progresso da África e sua liderança inicial da Aliança por uma Revolução Verde na África (AGRA)", afirma o comunicado divulgado neste sábado pela Fundação Kofi Annan.

Koffi Annan e sua irmã gêmea, Efua Atta Annan, nasceram em 1938 na então colônia britânica da Costa do Ouro, em uma família de posses — seu pai foi governador provincial no período colonial. O país se tornou independente quando ele tinha 19 anos. Depois de iniciar a universidade em Gana, ele concluiu os estudos nos Estados Unidos. Começou a trabalhar na ONU na Organização Mundial da Saúde (OMS).

NOTA DO BRASIL E REPERCUSSÕES

Em nota, o governo brasileiro expressou "imenso pesar" pela morte de Annan e destacou o apoio dele à reforma da Conselho de Segurança da ONU. "Tinha profundo conhecimento do funcionamento da ONU, tanto na sede em Nova York, como nas missões no terreno espalhadas pelo mundo. No período em que esteve à frente do Secretariado, entre 1997 e 2006, Kofi Annan destacou-se como defensor da reforma e da revitalização das Nações Unidas, inclusive do Conselho de Segurança, bem como do fortalecimento institucional das agendas de direitos humanos e de promoção da paz", diz a nota.
 
O comunicado brasileiro lembrou também que, sob Annan, foram criadas a Comissão de Consolidação da Paz e o Conselho de Direitos Humanos, que substituiu a antiga Comissão de Direitos Humanos, considerada parcial em favor das grandês potências. "O governo brasileiro deseja que seja sempre recordado o legado de Kofi Annan, um dos maiores defensores do multilateralismo, para que suas ações e seus ideais de paz, justiça e tolerância continuem a servir de inspiração para as gerações vindouras", conclui a nota.

O presidente de Gana, Nana Akufo-Addo, descreveu Annan como um motivo de orgulho para o país e decretou uma semana de luto. "Diplomata consumado e altamente respeitado, o ex-secretário-geral das Nações Unidas Kofi Annan foi o primeiro da África Subsaariana a ocupar essa exaltada posição. Ele trouxe considerável renome ao nosso país por essa posição e por sua conduta e comportamento em a arena global", diz Akufo-Addo em um comunicado oficial.

O alto comissário para os Direitos Humanos da ONU, Zeid Ra'ad al-Hussein, que será substituído em setembro pela ex-presidente do Chile Michele Bachelet, chamou Annan de "o melhor exemplo da humanidade e o epítome da decência".

— Quando eu disse a ele uma vez como todos estavam resmungando sobre mim, ele me olhou como um pai olharia para um filho e disse severamente: "Você está fazendo a coisa certa, deixe-os resmungar". Então ele sorriu! — contou al-Hussein. 
 
Fonte: oglobo

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