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quinta-feira, 22 de maio de 2014

O desenvolvimento do racismo na infância

Como adulta sempre tive uma relação um tanto estranha com crianças. Certamente eu nutro certa afeição por elas, amo as crianças que fazem parte da minha vida. Mas quando preciso me socializar com elas eu entro num estado meio catatônico. Não sei lidar, não sei conversar, fico meio apavorada. Pode parecer uma situação um pouco engraçada inicialmente, um sentimento de uma pessoa sem experiência com crianças. Há os que dirão “é porque você ainda não tem seus próprios filhos” (sinto dizer, mas parir não é a minha praia), mas penso que essa relação um pouco turbulenta com elas pode ter uma origem um pouco mais complicada.

Desde muito cedo as crianças sofrem influências do meio em que vivem e invariavelmente as reproduzem. Isso significa que se estiverem crescendo em um ambiente em que convivem com pessoas preconceituosas, fatalmente esses preconceitos serão internalizados e reproduzidos ainda na infância. Não vou detalhar conceitos, pois eu não seria a melhor pessoa a fazê-lo, já que meu campo de estudo não é a educação, mas estudiosos como Piaget, Freud, entre outros, separaram o desenvolvimento da criança em diferentes estágios. Segundo estes estudiosos por volta dos sete anos de idade ocorre um processo de socialização primária onde a criança é introduzida a um mundo já previamente delineado e do qual ela terá as primeiras noções do papel que nele terá. A autora Eliane Cavalleiro cita em seu livro “Do silêncio do lar ao silêncio escolar” um trecho bastante esclarecedor sobre este processo:

“Numa dialética homem/sociedade, o novo membro da sociedade interioriza um mundo já posto, que lhe é apresentado com uma configuração já definida, construída anteriormente à sua existência. Assim, interagindo com outros, a criança aprenderá atitudes, opiniões, valores a respeito da sociedade ampla e, mais especificamente, do espaço de inserção de seu grupo social.” (CAVALLEIRO, 2005)

Mas para a criança desta idade qual é a parte da sociedade que a atinge senão o ambiente familiar e escolar? Um bom e simples exemplo dessa interiorização de atitudes é a reprodução de falas indesejáveis para uma criança, como: palavrões, músicas e diálogos de programas inapropriados para a idade. Abro um parênteses para dizer que, por ironia ou não, muitas dessas falas são tidas como “engraçadinhas”, “bonitinhas” e consequentemente estimuladas pelos seus pais ou responsáveis legais. Esse estímulo muitas vezes se dá por acreditar-se que a criança não absorve e não tem capacidade de julgamento sobre aquela informação, ou na pior das hipóteses (porém não menos corriqueira) pela crença de que tais atitudes são corretas e “normais”.

Porém, por mais que até uma certa idade a criança não tenha plena consciência de suas atitudes, esses estímulos são compreendidos como positivos se tornam parte de seu repertório, assim sendo a criança se torna desde cedo um mantenedor de um ciclo de opressões. Assim como a família, a escola tem grande parte da responsabilidade em injetar as mais diversas formas de intolerância e discriminação nas crianças já na idade pré-escolar. Infelizmente a escola ou reforça e compactua com as discriminações (sendo ela mesma o agente opressor), ou se isenta da responsabilidade nos casos, sobretudo de racismo, colocando-os na categorias de “brincadeira de criança”, “criança é assim mesmo” ou pior ainda “educação vem de casa”.

Podemos ainda pontuar, como visão mais ampla, a educação tendenciosa a uma hegemonia branca e a falta de representação dos grupos minoritários no ambiente escolar. Sobre este último ponto, gostaria de colocar uma experiência que tive recentemente ao fazer uma pesquisa para um projeto de sinalização que, na faculdade, terei que realizar. Observando as fotos da sinalização típica feita de EVA das creches, pude perceber que na maioria das vezes em que um ser humano era representado (como na indicação de banheiros) era utilizado cores referenciadas como “bege”, “pele” e similares para a cor da pele e a cor amarela e preta para os cabelos (sempre lisos, é claro). A consequência disso é a pior possível no processo de identificação da criança negra, sua mínima representação, sua inferiorização e em contrapartida um aumento do sentimento de superioridade da criança branca.

“As idiossincrasias estarão determinando as diferenças pessoais, pois esse processo não é simplesmente ensinado: a criança mostra-se como um parceiro ativo, podendo procurar novas informações em outros lugares. Deste modo, as atitudes e os comportamentos sociais não serão obrigatoriamente cópias fiéis das atitudes e dos comportamentos de seus mediadores” (CAVALLEIRO, 2005)

Para concluir, apesar da maior parte da responsabilidade pelo desenvolvimento social da criança ser de responsabilidade dos pais e da escola a criança é fruto do que esses dois agentes mais a sociedade constroem conjuntamente. Falar do racismo praticado por crianças é falar do racismo praticado por adultos. É falar do racismo da sociedade apenas agindo de maneiras diferentes.


Eduardo Cunha, de 8 anos, de São Paulo.


Referências:
CAVALLEIRO, Eliane. Do silêncio do lar ao silêncio escolar: Racismo, preconceito e discriminação na educação infantil. São Paulo: Contexto, 2005.

UNICEF. O impacto do racismo na infância. Disponível em: <http://www.unicef.org/brazil/pt/br_folderraci.pdf>.

Imprensa Oficial. Psique e negritude. Disponível em: <http://livraria.imprensaoficial.com.br/media/ebooks/12.0.813.420.pdf>.Acompanhe nossas atividades, participe de nossas discussões e escreva com a gente.
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Gabriela Pires, estudante de design gráfico na UEL - Universidade Estadual de Londrina. Feminista das redes sociais aguardando liberação da carteirinha. Escreve sobre artes, design, e o que mais lhe vier à cabeça em um blog que promete todos os dias divulgar.

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