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quinta-feira, 8 de junho de 2017

PUC-Rio sedia minicurso e intenso debate sobre ‘Branquitude’



No Rio On Watch,
Na terça-feira passada, o Coletivo Nuvem Negra e o Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio realizaram uma mesa redonda seguida de debate sobre branquitude e a experiência universitária, uma discussão que incluiu o professor adjunto da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira, Lourenço Cardoso.

Na quarta e na quinta-feira, professor Lourenço Cardoso retornou para oferecer um minicurso aprofundado sobre a identidade branca usando exemplos históricos, sua pesquisa pessoal e teorias raciais. Lourenço estudou história na graduação na PUC-SP e mais tarde centrou sua pesquisa de pós-graduação em pesquisadores acadêmicos brancos que estudam questões negras. Em ambos os dias do minicurso, as palestras foram seguidas de um período de debate e críticas da platéia participante.

Terminologia e Conceitos Teóricos

Tanto na quarta, quanto na quinta-feira, o professor passou mais de uma hora focando em termos conceituais que ele considera cruciais ao entendimento de branquitude e sobre os quais podem se chegar a conclusões para pesquisas e ativismo futuros, tanto no Brasil, quanto a nível internacional.

O Branco: Lourenço Cardoso começou explicando a construção social do branco como um produto da colonização europeia. O colonizador branco, “se constrói como um ser de valor”, a partir da construção do negro como sem valor. Nesta relação de soma zero, o poder do branco como “o único humano ou o mais humano” depende inteiramente da supressão da humanidade do negro.

Branquitude Histórica: Com base na definição do branco, Lourenço Cardoso introduziu o conceito de branquitude, que se refere ao poder, à estética da beleza e à inteligência auto-descrita pelo branco, assim como os “privilégios econômicos e legais” e a habilidade de “se apropriar do território dos outros”. Para o branco, “os não-brancos são a exceção que confirma a regra”.

Branquitude Moderna e Branquidade: No segundo dia, Lourenço Cardoso introduziu o conceito de branquidade, usando-o em contraste com a forma na qual o conceito de branquitude evoluiu e explicou as grandes diferenças conceituais entre eles. Esses são conceitos originalmente desenvolvidos pelas acadêmicas brancas Edith Piza e Camila Moreira. Seguindo a redefinição negra de negritude como tendo valor, “o branco moderno se reconstruiu” para se tornar consciente de suas vantagens implícitas e assumir seu papel enquanto anti-racista. Embora a branquitude moderna tenha mudado para vir ao encontro da negritude moderna e não mais depender da desvalorização do negro, as “vantagens” da branquitude estão tão vivas como sempre.

Por outro lado, “brancos inconscientes” ignoram a questão social de sua branquitude e habitam a branquidade. Conforme mencionado por Lourenço Cardoso, a grande maioria dos indivíduos brancos hoje fazem parte da branquidade, e não da branquitude moderna. Variações semelhantes desses dois termos se dão nas questões de publicidade e nos espaços nos quais os brancos escolhem se envolver no anti-racismo.

Branquitude Implícita: Lourenço Cardoso propôs o uso do estudo de grupos étnicos europeus no Brasil como um modelo para expandir a pesquisa sobre branquitude. Uma vez que essa pesquisa “problematiza a branquitude através da etnia”, ela oferece um olhar sobre o que Lourenço Cardoso rotula como a branquitude implícita.

Branco Não-Branco: Lourenço Cardoso apresentou o Branco Não-Branco, para se referir à “hierarquia entre os próprios brancos”. Os portugueses e seus descendentes brasileiros brancos, em parte por conta da invasão histórica dos mouros que foram seus governantes, são muitas vezes vistos por outros grupos étnicos como possuidores de menos branquitude, dando forma ao que o autor Paulo Prado chamou de “raça triste”.

Drácula Branco & Narciso Branco: Em suas discussões, Lourenço Cardoso usou a metáfora do Drácula Branco, “cuja imagem não reflete no espelho”, para explicar o padrão do branco evitando sua branquidade. De acordo com a metáfora, ele evita o rótulo de “branco” explícito, escolhendo, em vez disso, se esconder nas sombras de outros títulos, como trabalhador, Alemão ou pai, por exemplo. O Narciso Branco, por outro lado, só consegue olhar para o seu próprio reflexo. Lourenço Cardoso explicou que a interseção desses conceitos funciona bem como lentes para a produção da história e também para o branco escrever narrativas históricas centralizadas fortemente em torno de sua própria “linguagem, gosto, estética e visão” sem nomear diretamente a presença avassaladora da branquidade.

Branco-Centrismo e Cultura: o Branco-Centrismo ou Centrismo Branco é o que Lourenço Cardoso nomeou de “a reinvenção da branquidade como o padrão de humanidade”. Essa ideia de reinvenção se refere à tradição histórica europeia de rotular oficialmente os não-brancos e a cultura não-europeia como “selvagens” enquanto glorifica seus próprios monarcas. Como uma linha de continuidade até hoje, o exemplo mais claro do Branco-Centrismo de Lourenço Cardoso gira em torno do sucesso da modelo brasileira Gisele Bündchen, que é descendente de alemães. Durante a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, a pele bem clara e as características europeias de Gisele foram exibidas pelo país para o mundo como o padrão brasileiro de beleza, não representando a imagem de como os brasileiros de fato parecem e perpetuando ainda mais uma hierarquia de beleza racista.

Lourenço Cardoso também observou que o Branco-Centrismo possui uma relação particularmente tóxica com a cultura negra. Na Bahia, onde 78% das pessoas se identificam como negras ou pardas, as duas cantoras que chamaram mais atenção da grande mídia ao longo dos anos foram Ivete Sangalo e Claudia Leite, ambas brancas. Margareth Menezes, cantora negra premiada também da Bahia, “não recebe a mesma promoção no Brasil como Ivete Sangalo e Claudia Leite… apesar de ser uma pessoa poderosa e de grande destaque”. Esses exemplos vinculam a um ponto maior que Lourenço Cardoso abordou: enquanto o negro produz grandes projetos culturais, o branco tende a colher os frutos que originam de expressões da cultura negra.

A História Brasileira (e Americana) da Pesquisa sobre Branquitude

No primeiro dia do minicurso de Lourenço Cardoso, o professor traçou o histórico da pesquisa sobre branquitude de um autor em particular, Alberto Guerreiro Ramos. Lourenço descreveu Alberto Guerreiro Ramos como o “pioneiro”, cuja obra Patologia Social do Branco Brasileiro (1955), foi a primeira a atentar para o estudo crítico da branquitude. Em particular, Cardoso chamou atenção para o privilégio branco de ver e estudar o negro sem ser visto por ele e que estudos sobre “a sociologia do negro até [aquele ano] tinham sido um ilustração desse privilégio”. Entretanto, apesar de seu papel catalisador como uma das primeiras vozes no estudo da branquitude, Guerreiro Ramos não recebeu ampla atenção pelos seus esforços.

Em vez disso, a teoria sobre a branquitude que decorre dos Estados Unidos tende a ter o destaque, perpetuando o que Nelson Rodrigues denominou de complexo de vira-lata no Brasil e “acentua a análise idealista e não materialista”. Lourenço Cardoso também levou à discussão o fato de que acadêmicos brancos constituem uma porcentagem muito maior de pesquisadores da branquitude nos Estados Unidos do que no Brasil. Ao ilustrar estas interseções com raça e país, o professor envolvido no estudo da branquitude estuda o tecido de relações coloniais assimétricas em curso.

No entanto, os estudos brasileiros sobre a branquitude tiveram um grande avanço em 2002, quando Maria Aparecida da Silva Bento escreveu sobre a “emergência da branquitude”, no livro a Psicologia Social do Racismo (2002). Desde então, o Brasil observou uma explosão na quantidade de pesquisa sobre branquitude. Entre os que foram influenciados por Aparecida da Silva Bento está Lourenço Cardoso, que foi tão inspirado pela Psicologia Social do Racismo que redirecionou seu foco anterior sobre estudos de negritude para os estudos críticos à branquitude.

A Pesquisa de Cardoso sobre Pesquisadores Brancos

Depois de ter sido inspirado a redirecionar seu foco para branquitude no começo dos anos 2000, Lourenço Cardoso decidiu focar sua pesquisa de pós-graduação sobre acadêmicos brancos que estudam o negro. Após realizar suas entrevistas, os resultados foram claros e estes pesquisadores demonstraram que eles nunca haviam considerado criticamente sua própria identidade em relação ao seu objeto de estudo. Muitos recusaram prontamente a participação do estudo de Lourenço, citando diversas desculpas, que vão desde o compromisso pessoal até a adequação ao estudo. Nas palavras do professor, eles sentiram que precisavam “se manter como cientistas”.

Usando o branco como ponto de referência teórico, Lourenço Cardoso afirmou que os pesquisadores brancos “não querem se tornar o objeto do negro”, e que estavam ativamente evitando o mesmo papel que impuseram ao negro. Trazendo suas conclusões para um nível maior de análise, Lourenço discutiu como o branco não considera seu próprio papel na pesquisa porque para o branco, “o ‘problema’ está com o negro; é ser não-branco, é ser o objeto”. O branco não reflete sobre sua branquitude porque a branquitude é vista como “o normal, o humano, o universal”.

Conclusões Teóricas de Cardoso

Ao discutir possíveis planos de ação anti-racismo a serem derivados de seu campo de estudo, o professor Lourenço Cardoso analisou dois caminhos distintos. Ao fazê-lo, inspirou-se na ideia de humanização radical de Frantz Fanon. A primeira proposta envolve “ressignificar e reconstruir a identidade racial branca que, sem deixar de ser branca, deixaria de possuir traços racistas”. A segunda proposta, entretanto, postula que a branquitude pode ser desconstruída assim como ela pôde ser construída e que a ideia da raça branca deveria ser abolida.

Debate e Comentários da Platéia

Durante a seção de comentários e debate do primeiro dia, as conclusões teóricas de Lourenço Cardoso geraram fortes críticas de alguns no público na PUC-Rio–que buscaram o minicurso para um olhar mais atento às instituições e como elas continuavam a perpetuar a supremacia branca. Em particular, a polícia, a mídia e o sistema educacional foram freqüentemente mencionados como tópicos necessários na discussão em relação à branquitude. Várias dessas críticas receberam aplausos de pé por outros membros da platéia. Além disso, os pensamentos teóricos de Lourenço de reconstrução e desconstrução da branquitude foram caracterizados como utópicos por alguns, e irrelevantes para outros que preferiram focar na branquitude através da lente do poder. A ideia de sobre-categorização também foi trazida por alguns membros da platéia, que consideraram que um racista é racista e que conhecer diversos outros rótulos para o branco “não faria nada para combater seu racismo”. Outros, entretanto, vieram a apoiar Lourenço ao dizer que o branco deve ser estudado rigorosamente e que essas categorizações são úteis em última instância. A seção de debate do segundo dia do minicurso funcionou mais como uma discussão de grupo, já que o professor optou por adotar uma abordagem mais recuada, enquanto os membros da platéia elaboravam vários sub-tópicos. Neste debate teve particular destaque a seguinte questão: qual é o papel dos brancos nessa luta? Enquanto alguns, incluindo Lourenço Cardoso, acreditam que os brancos devem participar dessa conversa para que possam encontrar um caminho produtivo e com um propósito, outros sentem que indivíduos brancos simplesmente não podem e nunca vão entender a experiência negra no Brasil e pelo mundo. Embora intensa, essa discussão resultou em um sentimento de solidariedade, com o Coletivo Nuvem Negra se apresentando no fim do evento com uma salva palmas por parte dos membros da platéia.

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