Páginas

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Estereótipos racistas e Eleições


A BBC News Brasil fez uma notícia sobre “A batalha entre católicos e evangélicos pelo domínio dos Conselhos Tutelares”. As eleições para os Conselhos Tutelares é apenas mais uma das disputas de cargos de poder que os segmentos religiosos cristãos estão disputando. Toda eleição há essa disputa e cada eleição o voto de cajado só aumenta.

A influência de líderes religiosos sobre a vida e a opinião de seus fiéis é inegável. A indicação de candidatos por esses líderes se mostra muito eficaz e vemos isso no aumento das Bancadas religiosas a cada eleição. É normal da democracia representativa escolhermos aqueles que mais se aproximam dos nossos valores e filosofias, mas só é justo quando todos tem essa mesma escolha. O que não é o caso do Brasil.

Saindo das eleições pro Conselho Tutelar e indo para eleições mais amplas. Saindo por um momento da categoria religião e indo para povo.

Não há candidatura avulsa/independente no Brasil, o que significa que para ser político você deve ser filiado a um partido e esse partido te escolher como candidato. Isso mesmo, o partido escolher. Aos cidadãos cabe escolher apenas entre as opções que o partido oferece. E ao candidato que você teve acesso, é claro! Porque investir mais ou menos na campanha de um candidato para ele ter a visibilidade necessária para ganhar votos suficientes, também é uma escolha feita de cima para baixo.

É assim que se formam e se mantem Elites Políticas. Mas ainda tem um porém para essa Elite Política ainda continuar sendo de maioria masculina, mesmo com tantos avanços do feminismo. Ainda tem um porém, que mesmo com cotas para mulheres, só aumente a presença de mulheres brancas. Ainda tem um porém que apesar da esquerda chegar ao poder, ainda continuam sendo maioria de homens e mulheres brancas nos cargos de poder de um país de maioria negra.

Não é atoa que os grandes intelectuais negros sempre falaram: Entre direita e esquerda, continuamos negros!

O racismo estrutural, o sistema político de supremacia branca (Mills, 1997), se retroalimenta através de ferramentas colonizadas e colonizadoras disfarçadas de democráticas. E obtém esse sucesso com a criação de estereótipos. Principalmente dos estereótipos racistas. Patricia Hill Collins, Lélia Gonzalez e Abdias do Nascimento nos ajudam a entender essa dinâmica.

Os clássicos que teorizam Elites Políticas apresentam várias características do que foi ensinado para a sociedade do que é aceitável num perfil de um representante, coincidentemente todos estereótipos do que o homem branco cis diz ser. Varia pra cada país, mas ser racional, conhecimento acadêmico (principalmente jurídico e econômico), ser da religião dominante, por exemplo, estão sempre valorizados.

O racional já foi usado muito para deixar mulheres de fora da política, sob a desculpa que são muito emotivas. Agora, temos políticas “de família”, que justifica a presença das mulheres (brancas).

Muitos estereótipos de classe e gênero foram quebrados. Trajetórias de superação tornaram-se capital político. Mas é impressionante como ajudam a colocar mais brancos no poder.

Quando discutimos padrões de beleza. Quando ficamos puto por cada personagem negro de novela ou literatura que só fazem papel de marginal, de amante ou de malandro. Quando lutamos por negros como ancoras de jornal ou por negros não só aparecerem no jornal na parte policial. Quando lutamos por cotas nas universidades e nos serviços públicos. Não é só uma luta para que a próxima geração possa sonhar com um futuro. Não é só para a professora corrigir os racismos presente nos livros de história e nem só o juiz negro diminuir a seletividade penal. É também mudar os estereótipos racistas que colocam o negro como inferior, como irracional, como se não tivéssemos “mérito” para representarmos uma população que é 54% negra.

Os parlamentares negros e negras que temos são as exceções que confirmam a regra. São a prova do esforço e resistência dos movimentos negros num trabalho de base de conscientização. E ainda são barrados por seguranças, porque o manual da Elite Política não estava preparado para elas e eles quebrarem essas barreiras. Isso quando eles não são obrigados a embranquecer seus discursos e lutas pra chegar lá. Porque a pauta que os políticos brancos defendem, que mantem o status quo da supremacia branca é “neutro”, já os dos negros e outras minorias é pauta “identitária”. (Ainda vamos ter um primeiro presidente negro, eleito pela direita, que nega o racismo).

Mas o Brasil é o país da democracia racial. Da política do embranquecimento. Do discurso da miscigenação. Onde a direita nega que há racismo e a esquerda diz que é questão de classe. Em outras palavras: Está tudo velado.

Então vamos voltar a falar de “religião”, para exemplificarmos com casos mais próximos de todos o que é essa escolha de candidatos, de políticos e de políticas públicas que os estereótipos influenciam.

“Chuta que é macumba”, “doce de Cosme e Damião é veneno”, “eles sacrificam animais domésticos”, “eles cultuam o diabo”. O Ensino Religioso nas escolas é facultativo, mas na prática é quase obrigatório. Sempre esteve presente no ensino brasileiro e sempre foi uma doutrinação cristã. Doutrinação essa que a séculos coloca na cabeça de cada futuro cidadão os esteriótipos negativos sobre afro-religiosos.

Quando um padre ou um pastor se candidatam, é a imagem de um líder que da literatura a novela mostram como alguém boa, que pensa nos outros, que ajuda aos mais pobres. Quando é um afro-religioso, é a imagem do adorador de demônio que vem. Os partidos sabem disso e sabem que quem mais vai atrair voto pro partido é o padre e pastor.

Eleitos, o padre e o pastor vão fazer políticas que beneficiam seus grupos. Políticas como Ensino Religioso confessional que diz que só eles são dignos e bons. As vezes não precisa ser pastor ou padre, só cristão já basta para beber dos estereótipos. Aí você faz políticas que permitem missões missionárias em povos tradicionais, tira recursos de pesquisas e projetos que vão contra os valores da Igreja (tipo pregação do Escola Sem Partido), tira recursos da saúde e da educação e abre caminho para a Igreja chegar onde o Estado não está indo e garante assim mais votos pra quem a Igreja indicar. Porque a Igreja, pro cidadão comum, ela sabe chegar e ajudar, logo seus candidatos também saberão.

Não se enganem, eu cito religião, mas estamos falando de estruturas de valores morais e filosóficos de povos e comunidades.

É só transferir essa lógica para o estereótipo do homem negro estuprador. Da mulher negra barraqueira. De ambos serem mais “animalizados do que racionais”. Estereótipos que servem tanto para criminalizar esses corpos (assim como foi para criminalizar a religião deles), quanto para lhes negar acesso aos espaços de poder que poderiam mudar essas imagens com política pública. Transfere essa lógica para os estereótipos dos LGBT. Transfere pro estereótipo do indígena preguiçoso ou que precisa ser tutelado.

É necessário compreender os padrões estéticos, o papel da literatura e da TV na manutenção da Elite Política. É necessário compreender que quem sempre esteve no poder desse país, a branquitude, nos influencia diariamente para mantê-los lá. Quando eles escolheram esse sistema política, quando escolheram os valores e morais dignos, quando fizeram as leis (e quais corpos e cultura iriam criminalizar), quando definiram o que era bem estar e o que seria bem comum, eles não escolheram pensando nos não brancos que não estavam presente. Escolheram para os não brancos nunca estarem.

São mudanças estruturais gigantescas que esse país precisa. Reforma no Sistema Penal. Reforma na Educação. Reforma na Comunicação. Sem dúvida uma Reforma Política que proponha uma lista fechada com cotas de etnia e gênero. Mas por enquanto, podemos começar votando em Conselheiros Tutelares negros e negras, de preferência que não sejam fundamentalistas religiosos.

MILLS, Charles W. The racial contract. Cornell University Press, 1997.

_________________________________________________________

Written by
Nailah Neves Veleci
Ìyàwó Ọmọ Ọ̀ṣun, Embaixadora da Juventude UNODC, cientista política, advocacy e ativista acadêmica de Política, Direito e Relações Raciais
Fonte: medium

Nenhum comentário:

Postar um comentário