O Continente Africano foi por muitos séculos, e ainda é, alvo da ganância e da super-exploração por parte de países ricos – leia-se “brancos” – sobretudo da Europa. Apesar da conquista da independência formal, muitos países africanos não romperam totalmente suas relações com as ex-metrópoles e essa continuidade de opressão originou o surgimento do neocolonialismo, que se trata de um modelo de continuidade da dominação estrangeira na política e na economia das nações africanas. Ainda hoje as forças do capital e do racismo subjulgam a maior parte do território e da população do continente africano, em que pese a permanente luta desse povo.
Por Douglas Belchior,
Como resultado, as condições socioeconômicas precárias, a violência, o (re)aparecimento de doenças, a fome e a falta de perspectiva leva milhares de seres humanos africanos a buscar o sonho de uma vida melhor em países europeus.
É importante lembrar disso para não parecer que o genocídio negro continuado que vemos também através dos seguidos naufrágios de embarcações lotadas de africanos é apenas fruto do descuido ou irresponsabilidade dos que se dispõem a correr esses riscos. O mundo deve reparação histórica à todos os territórios e populações negras espoliadas pelo racismo e pela intolerância em todo o mundo.
Incidente mais letal da história do Mediterrâneo levanta discussão sobre migrações
No último domingo (19), um barco saído de Trípoli, na Líbia, com mais de 850 pessoas a bordo, naufragou no mar Mediterrâneo, a cerca de 180 km da ilha italiana de Lampedusa. O barco transportava de maneira irregular migrantes e refugiados de diversos países da África e do Oriente Médio. De acordo com informações da Agência das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), apenas 28 pessoas sobreviveram, de modo que esse é o incidente mais letal da história do Mediterrâneo.
De janeiro a abril desse ano já houve 17 vezes mais mortes de refugiados no Mediterrâneo do que no mesmo período do ano passado, de acordo com as estimativas da Organização Internacional para Migração. Contando com os últimos incidentes, o número de mortes em 2015 já ultrapassa os 1.600; enquanto que nos primeiros quatro meses do ano passado, 96 mortes foram registradas. Entre os mortos, estão pessoas de Síria, Somália, Serra Leoa, Mali, Senegal, Gambia, Costa do Marfim e Etiópia.
Apesar do crescimento acelerado nas últimas décadas, as migrações africanas não são fenômeno recente. Na verdade, os grandes movimentos populacionais fazem parte da história da África, por motivos que incluem o comércio de escravos, o colonialismo, os conflitos violentos, a pobreza, a pressão populacional e até mesmo a propensão cultural ao nomadismo. E por questões linguísticas, geográficas, e, sobretudo econômicas, a Europa tem sido o destino preferido.
Até o início do século XX, a Europa era conhecida por ser uma fonte de migrantes, e não por recebê-los, já que muitos europeus fugiam das condições econômicas e das guerras no continente. Após a Segunda Guerra Mundial, a tendência foi revertida, e desde então os fluxos populacionais em direção à Europa, mais especificamente aos países europeus altamente industrializados, têm sido crescentes. De acordo com estatísticas do Instituto de Políticas de Imigração, atualmente entre sete e oito milhões de imigrantes africanos vivem na União Europeia, principalmente nos países do sul.
Ainda hoje, mais de 680 milhões de africanos vivem sob condições de extrema pobreza e insegurança, por isso não é de se espantar que milhares deles busquem melhores condições fora da África. Entretanto, a necessidade de deixar o país natal faz com que essas pessoas se submetam a condições precárias e perigosas para alcançar seus destinos. Segundo relatório da ONU, mais de 22 mil pessoas morreram desde 2000 tentando entrar no continente europeu.
Desde 2014, houve um aumento acelerado no número de pessoas deixando regiões de guerra e pobreza na África e no Oriente Médio para alcançar a Europa através do mar Mediterrâneo. Devido à guerra civil na Líbia, tornou-se mais fácil para os traficantes de pessoas transportarem os imigrantes através do país. A passagem para a Europa em navios pesqueiros feitos de madeira chega a custar US$ 700, e, conforme relatos, os imigrantes são sujeitados à violência e abuso por parte dos traficantes.
Os migrantes vão para a Europa em busca de melhores condições de vida e empregos, mesmo que os países europeus aleguem que não há empregos nem para os próprios cidadãos neste momento. Eles são atraídos para as vagas que exigem baixa qualificação, que os europeus não estão dispostos a preencher.
É importante notar, entretanto, que esse tipo de migração é bem diferente do conhecido “Brain Drain” (fuga de cérebros), em que a mão de obra mais qualificada de países mais pobres migra para países com melhores condições. Calcula-se que nos últimos 30 anos mais de um terço da força de trabalho qualificada africana tenha migrado para países altamente industrializados. Entre 33% e 55% dos Africanos com educação superior deixaram Angola, Burundi, Gana, Quênia, Mauritânia, Moçambique, Nigéria, Serra Leoa, Uganda e Tanzânia na busca por uma vida melhor e emprego. Esses, é claro, costumam ser bem-vindos.
Para as migrações indesejadas, a solução europeia tem sido a securitização. Desde os anos 1990, os Estados europeus têm respondido às imigrações irregulares com a intensificação dos controles de fronteiras. Isso envolveu o uso de forças militares e semimilitares na prevenção de migrações marítimas. A Grécia recentemente completou um cerca em volta da fronteira com a Turquia; a Espanha criou campos armados em seus enclaves no Norte da África e patrulhas no Estreito de Gibraltar; e a Itália lançou uma ampla operação da Marinha para identificar e salvar embarcações clandestinas.
Todavia, o que se tem sido visto é que essas ações apenas levaram mais pessoas a recorrerem a contrabandistas de pessoas. François Crépeau, relator especial da ONU para direitos humanos dos migrantes, afirmou em entrevista ao jornalThe Guardian que a solução passaria pela aceitação e regulamentação dessa força de trabalho na Europa. Ele sugere a concessão de vistos temporários, que permitiriam que migrantes de baixa qualificação entrassem no país por um período de tempo, durante alguns anos. Se o migrante não encontrasse emprego nos primeiro quatro meses, ele deveria retornar para o seu país e tentar novamente no ano seguinte.
Após as tragédias dessa semana, 28 ministros das Relações Exteriores europeus e 13 ministros do Interior se encontraram em Luxemburgo para traçar um plano de ação para migrações no continente. Dez pontos principais foram levantados na reunião, que não respondem a todas as questões, mas é um primeiro passo para avançar nas políticas europeias nesse sentido. Os governos estão tentando equilibrar as responsabilidades humanitárias com as restrições orçamentárias e um sentimento público generalizado contra a imigração. Os ministros evocaram o reforço de operações de salvamento no Mediterrâneo, ampliando os meios e a extensão do mandado e da zona de intervenção.
Volker Turk, alto comissário adjunto das Nações Unidas para refugiados, entretanto, ressalta a importância de medidas que vão além da securitização, e afirma no site do ACNUR “é essencial que o asilo esteja no centro desses debates”. Ele disse que o ACNUR insistiria para que as medidas fossem expandidas para fortalecer ainda mais o componente de asilo e de proteção do plano, incluindo o desenvolvimento de operações de busca e resgate que enfatizem o salvamento de vidas; o recebimento de um número significativo de refugiados na UE; alternativas legais para o reagrupamento familiar, planos de patrocínio privado e vistos de trabalho e de estudo, para que as pessoas que necessitam de proteção internacional não precisem recorrer a tais viagens perigosas; o fornecimento de suporte para os países que receberam o maior número de chegadas (Itália e Grécia), e; maior partilha de responsabilidades no interior da UE para evitar a situação atual, em que alguns países estão recebendo a maioria dos requerentes de asilo, principalmente Alemanha e Suécia.
O recebimento de imigrantes e a regulamentação de sua situação nos países da União Europeia poderiam servir aos interessados de todas as partes. Além de contribuir com uma mão de obra pouco disponível na Europa, que é de trabalhadores pouco qualificados, no longo-prazo essa força de trabalho poderia contribuir para proteger a população idosa dos Estados europeus do declínio econômico.
Fonte: Negro Belchior.
Nenhum comentário:
Postar um comentário