Em meio ao otimismo que envolveu o anúncio de Renato Janine Ribeiro como ministro da Educação, pensadores da área sugerem medidas para tirar o Brasil das últimas posições nos rankings de ensino
por Paulo Germano,
O momento era meio baixo-astral: economia aos tropeços, corrupção em destaque, aumento de impostos e uma Esplanada sem brilho. Até que a Presidência emitiu uma nota de três linhas, no último dia 27, anunciando o quinto ministro da Educação em 14 meses de governo.
Um professor. Um professor de Ética. Sem filiação partidária.
A nomeação de Renato Janine Ribeiro, filósofo e professor da Universidade de São Paulo (USP), provocou otimismo entre analistas políticos e entusiasmo no meio acadêmico.
— Ele reúne as melhores condições de liderar um debate nacional. São raros os brasileiros que, além de capacidade intelectual, dispõem de tanta valentia para tratar de temas espinhosos — avalia o sociólogo Cesar Callegari, membro do Conselho Nacional de Educação e presidente do Instituto Brasileiro de Sociologia Aplicada.
Em um país cuja taxa de evasão escolar atingiu 24,3% em 2012, com os vizinhos do Chile (2,6%), do Uruguai (4,8%) e da Argentina (6,2%) nos deixando para trás, desafios monumentais aguardam o novo ministro. Apenas para citar outro dado, o Brasil ocupa o 55º lugar entre 65 países no ranking de habilidade para leitura do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). Em matemática, cai para 58º.
Janine concederá entrevistas como ministro a partir desta semana. Mas, na terça-feira passada, no programa Observatório da Imprensa, da TV Brasil, adiantou sua intenção de unir educação e cultura:
— Conhecer é tão prazeroso. Por que nós deixamos, ao longo dos séculos, que o conhecer se tornasse uma corveia, uma obrigação, e não um prazer?
Abaixo, pensadores e especialistas em educação sugerem cinco medidas para que o ministro possa virar o jogo.
1. Formação de Professores
Digamos que um médico recém-formado queira ser cardiologista: você sabe, ele fará residência em um hospital certificado pelo governo — teoricamente uma instituição apta a lhe oferecer infraestrutura e orientação profissional qualificada — e, após alguns semestres, sairá de lá dominando a especialidade na prática.
— Agora troque o médico por um professor, a cardiologia pela Matemática, e o hospital por uma boa escola. Teremos a residência docente — propõe Mozart Neves Ramos, diretor do Instituto Ayrton Senna e professor da Universidade Federal de Pernambuco.
É muita teoria e pouca prática na formação dos professores, diz Mozart. Ele sugere que a residência docente ocupe o lugar do atual estágio curricular — disciplina do último semestre das faculdades de licenciatura e Pedagogia — e tenha o dobro da duração: um ano inteiro. Hoje, o estágio pode ser feito em qualquer escola. Na residência docente, como ocorre no aclamado sistema de ensino da Finlândia, não.
Escolas com bons laboratórios e professores de Química, por exemplo, seriam certificadas pelo Ministério da Educação para oferecerem residência em Química. Colégios cujo forte é a linguística, claro, receberiam aspirantes a lecionar Português e Literatura.
— As escolas vão lutar para atingir essa certificação, que lhe renderá benefícios do governo federal. E nós daríamos um salto na formação de professores, que hoje, na prática, não saem das faculdades sabendo ensinar — avalia Mozart.
2. Reforma do Ensino Médio
O Ensino Médio no Brasil é preconceituoso — define o psicólogo João Batista Oliveira, PhD em Educação e presidente do Instituto Alfa e Beto.
Tudo gira em torno do Enem, tudo mira a universidade, todos os alunos cursam as mesmas disciplinas, não há alternativas. Jovens propensos a trocar o estudo pelo trabalho dificilmente mudam de ideia, porque, nas palavras de João Batista, “não há nenhum estímulo à qualificação técnica, aos trabalhos manuais ou a qualquer atividade longe da faculdade.”
— Raciocine comigo: 78% da força de trabalho brasileira (segundo o Pnad) não tem curso superior. Nos Estados Unidos, o percentual é de 50%, ou seja, também é bastante gente. Essas pessoas precisam ser preparadas e acolhidas pelo Ensino Médio e não desprezadas — analisa o psicólogo.
João Batista lembra que em países desenvolvidos, como Inglaterra, Alemanha, Itália, França e Suíça, o nível médio é profissionalizante — como já foi no Brasil há 40 anos. E, se o estudante quiser ingressar na universidade, prestará vestibular com provas relacionadas à área que estudou nos últimos anos do colégio.
— O que não pode é o Enem ditar os rumos do Ensino Médio. É o rabo puxando o cachorro — protesta o especialista. — Em nome desse preconceito, de que a vida sem curso superior não tem salvação, perdemos a mão de obra qualificada no Brasil.
Mas e o badalado Pronatec?
— São cursos de 160 horas. Formação profissional é coisa séria. No Ensino Médio, levaria mais de ano.
3. Alfabetização no primeiro ano
Está lá, no Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa: “Que todas as crianças estejam alfabetizadas até os oito anos de idade, ao final do 3º ano do Ensino Fundamental”.
— Todo mundo sabe que essa alfabetização é na idade errada — protesta o sociólogo Simon Schwartzman, pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho em Sociedade do Rio de Janeiro.
Em qualquer país com ensino básico razoável, diz ele, a criança conclui a primeira série lendo e escrevendo. Ou, no mínimo, é essa a meta do governo.
O problema é que no Brasil, até os anos 1980, antes da universalização do Ensino Fundamental, quando não havia escolas públicas espalhadas nas regiões mais pobres, praticamente só a classe média tinha acesso ao colégio. Não eram filhos de analfabetos que ingressavam na escola — a maioria já tinha lápis e caneta em casa, convivia com pais letrados e chegava às aulas quase pronta.
— Qualquer método de alfabetização era suficiente — lembra a psicóloga Maria da Penha Azevedo, pesquisadora do Grupo de Estudos sobre Educação, Metodologia da Pesquisa e Ação. — Mas a clientela das escolas mudou, e o preparo dos professores não.
— Coordenei uma pesquisa com centenas de professores, e a imensa maioria aprendeu a alfabetizar na prática, e não nos cursos de magistério ou licenciatura — conta Simon Schwartzman.
Tanto ele quanto Maria da Penha defendem a meta de alfabetização aos seis anos — porque as crianças sentem-se incapazes e burras ao verem coleguinhas aprendendo enquanto elas fracassam — e uma verdadeira política que ensine professores a ensinar.
4. Currículo comum nas escolas
Nada de inventar a roda, basta seguir a lei. Há 19 anos a legislação manda que o governo federal elabore um currículo comum para as escolas do país inteiro, tanto as públicas quanto as privadas — essa resolução ganhou força no ano passado, com a aprovação do Plano Nacional de Educação. É bom que o MEC se agilize.
— Hoje, não há qualquer referência no país sobre o que os alunos devem aprender a cada ano escolar. Não há clareza sobre o que um estudante deve saber em cada série — explica a coordenadora do movimento Todos pela Educação, Alejandra Velasco.
Em que momento a criança deve dominar frações? E qual deve ser seu nível de interpretação de texto no quinto ano? A Constituição, vale lembrar, diz que toda criança tem direito a uma educação de qualidade.
— Mas todo o direito, para ser um direito, precisa ser enunciado. Quais são os direitos de uma criança no primeiro, no terceiro, no sexto ano? Os pais precisam saber. E que diretrizes definem uma “educação de qualidade”? — questiona o sociólogo Cesar Callegari, ex-secretário de Educação Básica do MEC e membro do Conselho Nacional de Educação.
Hoje, cada rede ou escola tem seus próprios critérios. Mas ano a ano seus alunos são submetidos a avaliações nacionais, como a Prova Brasil ou o Enem, que cobram de todos os mesmos conhecimentos. O Plano Nacional de Educação exige que o ministério defina o currículo até junho de 2016.
— Será o primeiro passo para todos terem as mesmas oportunidades. Mas o prazo é curto e, até agora, ainda não há vimos documento inicial em discussão — alerta Alejandra Velasco.
5. Tecnologia no aprendizado
Termodinâmica pode ser chato. Mas imagine se o aluno desembarcasse na Inglaterra do século 19, no auge da Revolução Industrial, para entender de perto como funcionavam as locomotivas e máquinas a vapor, tudo isso aliado a uma perspectiva histórica, geográfica e cultural daquela época — o estudante veria como as pessoas trabalhavam, se divertiam e se vestiam, e ele mesmo queimaria carvão para produzir energia.
— Precisamos dessa nova linguagem. A sala de aula perdeu o monopólio da aprendizagem, que hoje tem força descomunal na internet. O Brasil tem plenas condições de desenvolver portais com gráficos supermodernos, videoaulas, interatividades e simulações tridimensionais para os alunos estudarem na hora em que quiserem, com quem quiserem e onde quiserem — prega Ronaldo Mota, ex-secretário de Inovação Tecnológica do Ministério da Ciência e Tecnologia, hoje reitor da Universidade Estácio de Sá.
Ronaldo lembra que nenhum outro país usa a tecnologia bancária melhor do que o Brasil. Existe, portanto, um potencial de sucesso em outras áreas. Para ele, o orçamento do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), que compra e distribui apostilas para escolas públicas, deveria ser redirecionado às inovações.
— O PNLD hoje é pensado como se os autores dos livros ou os gestores das escolas, todos de cabelos brancos como os meus, fossem os estudantes. É uma linguagem ultrapassada — afirma Ronaldo Mota. — Ou atualizamos nossa visão, ou fracassaremos. Não adianta os deputados brigarem pela escola de tempo integral se o colégio é desmotivador: vira uma dupla tortura.
Fonte: Clicrbs.
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