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terça-feira, 14 de abril de 2015

Escola muda vida de meninas que viviam como escravas sexuais em Cavalcante

Antes do colégio da comunidade de Engenho ganhar o ensino médio, elas trabalhavam em casas de famílias da cidade e sofriam abusos e humilhações

Crianças e adolescentes caminham rumo à escola municipal da comunidade quilombola de Engenho: segurança e dignidade garantidas para as próximas gerações

Cavalcante (GO) — “Fiz uma promessa: as minhas filhas nunca vão sair da comunidade para estudar ou trabalhar”, conta Lourença dos Santos Rocha, 45 anos. Nascida em uma comunidade de descendentes de escravos, então isolada dos grandes centros, ela, como todas as crianças do povoado em sua época, teve de sair de casa aos 11 anos para estudar. Os pais a entregaram a uma família de Cavalcante, município mais próximo, no nordeste de Goiás, a 310km de Brasília.

Em troca de abrigo, comida e acesso à escola, no entanto, a menina era submetida a uma jornada de trabalho doméstico que chegava a 12 horas diárias. Ainda era sujeita a todos os tipos de humilhação, os quais prefere não detalhar. Adulta e de volta ao lugarejo, ela fez o pacto consigo mesma de nunca deixar as três filhas passarem pelo que ela passou na cidade.

Como mostrou o Correio ontem, ainda hoje, meninas de até 10 anos, bisnetas e tataranetas de escravos, sofrem abusos, inclusive estupros, em casas de famílias para as quais são levadas, em Cavalcante. Devido à falta do ensino médio nas comunidades quilombolas onde nasceram, na região da Chapada dos Veadeiros, os pais delas enxergam o município goiano de 10 mil habitantes como única esperança de um futuro promissor. Mas os crimes, que vinham sendo tratados como mera questão cultural e acobertados pela omissão e pelo medo, agora são investigados pela Polícia Civil de Goiás.

Desde dezembro, agentes e escrivães concluíram oito inquéritos de estupro de vulnerável, em que a vítima tem menos de 13 anos. Todas as crianças violentadas são negras. Entre os acusados estão o vice-presidente da Câmara Municipal, marido da vice-prefeita, um dentista e o dono de um mercado, ex-vereador. Outro ex-vereador, condenado e preso, espera o julgamento de recurso, enquanto exerce a função de assessor na Câmara.

Os ataques sexuais são os casos mais comuns em Cavalcante, segundo o Ministério Público de Goiás (MPGO) e a Polícia Civil goiana. A Corregedoria do MPGO apura denúncia contra o trabalho da única promotora do município, no cargo há 18 anos e casada com um primo do vice-presidente da Câmara.

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