“A insensibilidade é produto do racismo. Um mesmo indivíduo, ou coletividade, cuidadoso com sua família e com os outros fenotipicamente parecidos, pode angustiar-se diante da doença de seus cachorros, mas não desenvolver qualquer sentimento de comoção perante o terrível quadro de opressão racial”, Carlos Moore, em Racismo e Sociedade.
Por Alex Lima Vasques*, especial para o Portal Vermelho,
Há dois meses, ocorreu o massacre protagonizado pelos policiais da Ronda Especial da Policia Militar da Bahia (Rondesp), que executaram sumariamente 14 jovens negros em uma única ação na Vila Moisés, em Salvador. As motivações para a escrita deste texto são profundas; em primeiro lugar, reafirmar a denúncia do genocídio da juventude negra por parte do Estado.
Em segundo lugar, registrar a indignação pela brutalidade tamanha, pela covardia dos agentes de segurança pública, o luto pela memória das vítimas da “Chacina do Cabula” e de milhares que foram assassinados pela policia como o garoto Eduardo de 10 anos que sonhava ser bombeiro e teve sua vida ceifada na quinta-feira (2) no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Em terceiro lugar, desconstruir argumentos racistas, lombrosianos, reproduzidos pelo senso comum, do tipo “bandido bom é bandido morto” ou “prefiro que morram centenas de bandidos do que uma pessoa de bem”.
Os dados do mapa da violência de 2014 revelam a guerra velada em que o país está imerso, os índices de homicídios são maiores que em países que estão em guerra declarada, também confirmam o genocídio do povo negro, a seletividade da morte violenta e do perfil de criminoso. Segundo o mapa, em 2002 já morriam proporcionalmente 73% mais negros que brancos, dez anos de governos progressistas e em 2012 esse índice sobe para 146,5%. É importante elucidar os dados citados (de fácil acesso na internet) que são fornecidos pelo governo federal, o que nos faz pensar que são subnotificados, porém nos são úteis para contextualizar o cenário em que se insere a “Chacina do Cabula”. Neste sentido é nítido o caráter racista da Policia Militar e da desastrosa declaração do governador, que compara os policiais que tiraram vidas com artilheiros em um partida de futebol.
O discurso proferido pelo chefe do Executivo estadual afronta o Estado democrático de direito e suas garantias. Os fatos provam que o governo montou uma operação de guerra midiática após as execuções, com o objetivo de vilipendiar a imagem social das vitimas, trazendo a público versões falsas e mentirosas sobre a vida dos jovens negros, por vezes utilizando-se de conteúdos racistas, construindo no imaginário social, o heroísmo da Rondesp na defesa das “pessoas de bem”, livrando a sociedade de “violentos assassinos”. Além de todo o barbarismo genocida, neste cenário de regras desiguais, apenas os executores tiveram chance de serem ouvidos, a comunidade e os familiares das vitimas não constavam nos pronunciamentos do governo, foram oficialmente invisibilizados. Após forte pressão do movimento negro baiano, que desde o primeiro momento questionou as informações, em uma nova declaração a polícia admite que era falsa a versão emitida pela Secretaria de Segurança Pública, afirmando que apenas uma das vítimas tinha passagem pela policia; esses são indícios do quanto desastrosa foi a ação da Rondesp.
Os moradores da comunidade relatam que os policiais voltaram pela manhã e vestiram os garotos com roupas diferentes das quais usavam no momento em que foram mortos, deram novos tiros na parte da frontal dos corpos, desfazendo a cena do crime e simulando um tiroteio. A ação foi presenciada por alguns jornalistas que silenciaram. Neste caso, a polícia torturou, executou e forjou o crime, no entanto, as investigações desta ação brutal da policia está comprometida, devido à falta de imparcialidade do Estado baiano.
É de fundamental importância o envolvimento do movimento negro, da OAB e de organismos internacionais no acompanhamento oficial da análise dos fatos ocorridos naquele dia, pois não acreditamos que o Estado produzirá provas contra sua tropa, tendo como referência as palavras do governador, que antes de qualquer investigação ocorrida parabenizou e defendeu a ação dos policiais.
A impunidade é animadora para o grupamento Rondesp, que na página que possui no Facebook um dos vídeos motivadores faz alusão ao filme Spartacus e pergunta “Espartanos qual sua profissão?” Em coro segue a resposta “Rodo, Rodo, Rodo”. No outro, a imagem de um negro portando duas armas em punho caminha com medo, no plano de fundo a imagem do Pelourinho e o recado das tropas especiais para que neste fim de ano todos andem no caminho do “bem” ou a Rondesp, representada pelo Papai Noel, vai te colocar em uma bola vermelha de sangue pendurada na árvore de mortos. No título da publicação “Boas Festas ao estilo Rondespiano”. No entanto, esses vídeos motivadores da tropa ainda dão o recado ao final, me tema por dois motivos porque sou mais forte e tenho arma. O que esperar de uma polícia que nos seus vídeos motivacionais promove descaradamente o genocídio da juventude negra?
Neste sentido, a Polícia Militar que mais mata negro do país deixa seu rastro enorme de sangue, a vitimização negra no período de 2002 a 2012 mais que duplicou (100,7%), na Bahia, a taxa de homicídio na população negra a cada 100 mil habitantes aumentou 232,7%, de 5,5 em 2002 para 51,0 em 2012. Esses dados comprovam a ação genocida da corporação e a conivência dos governos progressistas que não tomam atitude alguma e optam por silenciar.
De um lado, o governo implementa políticas afirmativas insuficientes, basta citar o programa Juventude Viva, um arranjo institucional sem recurso e efetividade, do outro lado, de forma eficiente tira a vida dos jovens negros. Em Salvador, que figura na lista das cidades com maiores índices de homicídios da juventude negra, em 2012 foram 160,2 jovens assassinados para cada 100 mil habitantes.
O cenário é lamentável, a ação institucional dos parlamentares demonstra as contradições étnicas das relações de poder, a indiferença e o silêncio dos pseudo-progressistas desmascara os agentes políticos tradicionais que outrora se denominaram representantes das pautas populares e hoje encontram-se arregados, negociando vidas, colaborando com o discurso eugenista, assumindo o papel de capitães do mato.
Por fim, exigimos a imediata demissão do secretário de Segurança Pública, a expulsão dos policiais da corporação e julgamento, além de pôr fim aos autos de resistência e desmilitarizar a Polícia Militar. Entretanto, sem o empoderamento dos negros continuarão sangrando as veias abertas da escravidão!
____________________________________________________
*Alex Lima Vasques é militante do Movimento Negro e formando do Bacharelado de Humanidades da Universidade Federal da Bahia.
Destaque: Dia 6 de fevereiro, a PM matou doze jovens no bairro do Cabula, em Salvador, após uma troca de tiros. Foto: Rafael Bonifácio | Ponte Jornalismo
Fonte: Racismoambiental.
Nenhum comentário:
Postar um comentário