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quarta-feira, 29 de abril de 2015

A educação brasileira


Não vou falar da educação no Brasil a partir do que a caracteriza e do que a distingue. Disso já falamos bastante, e acredito que é suficiente. Quero falar da educação no Brasil a partir do que, sem dúvida alguma, ela tem em comum com outras educações na América Latina. Porque disso falamos menos. Falamos menos mas hoje temos muito mais a dizer.

Por Pablo Doberti,
É curioso que o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) não só nos diga que nossos sistemas de ensino básicos não estão nada bem, senão que, além disso, nos diga a praticamente todos os países da América Latina ao mesmo tempo e no mesmo tom. Por que, diante do Pisa, somos todos tão parecidos? Essa pergunta inquieta e incomoda já há alguns anos e tenho me dedicado a trabalhá-la.

Nos últimos dez anos, morei no México, na Venezuela, na Argentina e, agora, no Brasil; alguns anos em cada um deles, estudando e trabalhando com educação básica, em contato direto com as escolas. E viajei por todo o restante dos países da região, uma vez ou outra. E nunca esqueci aquela pergunta do que nos fazia tão semelhantes diante do Pisa. Tão semelhantes – pensava – no meio desse tipo de obsessão pelo diferente e pelas identidades relativas que temos na América Latina.

O Pisa diz que fazemos mal o que fazemos, e eu digo, além disso, que o fazemos mal todos pela mesma razão. Essa é minha tese essencial. Se respeito o Pisa e suas bases conceituais sobre o que é uma boa educação, a América Latina inteira está mal e está mal pelas mesmas causas. Todos os países, em todos os estratos sociais e todas as tipologias da escola básica. Em terminologia Pisa, podemos dizer que não preparamos para a vida ou, ao menos, que não preparamos para a vida tal como a entende o Pisa.

Claro que poderíamos colocar o Pisa em discussão. Não seria uma discussão vã. Mas, essa discussão, aqui e agora, importa-me menos que aquela que procura o elemento comum, preeminente, que nos iguala em fracasso diante do Pisa.

Fracassamos homogeneamente diante do Pisa porque o programa exige a construção das práticas escolares sobre um paradigma pedagógico que não é o nosso. (Porque, como sabemos, os paradigmas determinam as práticas). Por causa disso, fazemos coisas na escola que não são as que o Pisa define que nos preparam para a vida. Temos uma escola diferente daquela que o Pisa propõe.

Se acreditamos que o Pisa está certo, então não há maneira de melhorar nossa performance em suas avaliações se não mudamos de paradigma educacional; se não redefinimos a escola. Digo mudamos, que é diametralmente diferente de planejar melhorar o nosso atual paradigma. Isso, fazemos quase que diariamente, mas, sem dúvida, não conseguimos nada. Para melhorar no Pisa somos obrigados a mudar de modelo pedagógico. Senão, não.

A região está toda sedimentada sobre a mesma geologia pedagógica. Com maiores e menores dados quantitativos e superficiais, todas as escolas da América Latina fazem o mesmo o tempo todo. Cremos nas mesmas coisas, temos o mesmo ramalhete de ideias e, por isso, agimos de uma maneira muito parecida. Nossas aulas parecem-se muito enquanto dinâmica sócio-pedagógica; lá dentro acontecem as mesmas coisas, em Monterrey e na Bahia, em Pasco e em Cali, em La Plata e São Paulo e em Barquisimeto e no Rio de Janeiro. E logo não damos crédito, quando nossos comportamentos diante das provas Pisa são tão similares. Como não seriam?

Ensinamos de forma igual, porque cremos (coletivamente) que ensinar é transmitir conteúdos e aprender é retê-los. Não é o que dizemos nos milhares de milhares de fóruns, congressos, seminários, encontros e outros carnavais que armamos com tanta frequência, já sei. Por isso não digo que fazemos o que dizemos, digo que é o que fazemos na intimidade da nossa prática diária, dentro da aula.

E o Pisa está denunciando que não, que assim não. Que para formar para a vida não devemos colocar-nos a informar. E que para desempenharmos nosso papel na vida falta ter com o que fazê-lo, que são competências, recursos para agir, para fazer, para negociar, para fazer-nos valer, para entender, tolerar, colaborar, participar, entre outros. É outra escola. Uma escola na qual ensinar é empurrar à ação, à participação, à produção e à colaboração constantes, e onde aprender é reunir as competências fundamentais para ser, fazer, saber e conviver. Uma escola descentralizada, fluida, cômoda, porque não verticaliza; aberta à produção e à participação como manifestações constantes. Uma escola nova. Outra escola.

Mas, não. Insistimos com nossos enciclopedismos vetustos, ainda que agora façamos isso com computadores e outras parafernálias. Insistimos em ser os mesmos e pretendemos produzir o diferente. Tornamo-nos cegos. Obstinadamente, como um animal com cabresto, insistimos uma vez ou outra para ir adiante, como se, por insistir, fôssemos conseguir.

E, nisso, o Brasil é igual a todos os demais. Cegos como os outros, que no final somos todos nós. A escola brasileira não vê que o problema é por onde, mais do que como. A educação brasileira não perdeu suas raízes, perdeu seu rumo, que é outra coisa. Como as do resto da América Latina. Todos nós perdemos o rumo, que é o mesmo rumo. Todos nós fomos despistados e repetimo-nos escandalosamente quando, aqui mesmo, diante de nossas faces, o Pisa nos avisa que assim não.

O masoquismo é um traço psicológico depressivo. Não o recomendo. Não gostaria de chegar à conclusão de que nossos sistemas educacionais estão deprimidos, mas é o que parece. O depressivo já não crê nem mesmo no que faz, e não consegue fazer senão o mesmo. Quero pensar que o problema dos sistemas educacionais latino-americanos, e do brasileiro em particular como parte desse ecossistema, é que nos dá medo de alterar as bases estruturais do modelo de ensino-aprendizagem; que nos dá pânico,”que fique assim mesmo!”, e que por isso nos agarramos ao que temos para ver se sobrevivemos um pouco mais.

O medo é legítimo, mas pela perspectiva histórica, não nos desculpará. Devemos armar-nos de coragem e avançar. E nisso, por conta de sua tradição e de seu futuro também, o Brasil poderia e talvez devesse ser o primeiro.

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