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quarta-feira, 1 de abril de 2015

Nunca mais “Sinhás”


por Belise Mofeoli,
Ana Paula (querida amiga, ativista da causa animal), sabendo que sou avessa a qualquer tipo de preconceito e/ou violência, envia-me uma mensagem pelo Facebook: “O que você achou deste link? Eu achei preconceituoso.” Era. Clicando, fui encaminhada a uma propaganda da rede de restaurantes “Divino Fogão”, em que uma mulher negra, vestida de cozinheira, transmite uma receita de frango. Até aí tudo bem, tenho amigas cozinheiras e chefs. Os dizeres é que estão causando rebuliço nas redes sociais. Respirem fundo antes lerem: “DICA DA SINHÁ”


[Pausa dramática. Meu rosto começa a ferver. Cérebro tenta convencer boca e dedos a manterem a classe. Finaaaa. Belise, seja fina, gata. Acalme-se! Cérebro sabe que se pegar leve demais, derrete. Coração, ao contrário do que se espera, não bate apressado. Acalma-se. Cérebro volta a funcionar.]

Abaixo, apenas uma das minhas respostas:

EU: “Da Sinhá? É isso mesmo? Estão querendo ser processados? Faz tempo que não vejo anúncio tão ofensivo.”[Colo o nome de um monte de amigos e depois de alguns militantes em prol da causa negra para que me digam o que acharam daquilo. Não sou a única. Diversas pessoas se revoltam. Divino Fogão não entende nada de gerenciamento de crise. A marca pode se retratar, contudo, opta por fingir que nada ocorre.]

Eis a resposta aos internautas:

DIVINO FOGÃO: “Em nenhum momento o Divino Fogão faz menção que vincule a personagem Sinhá a uma atividade de menor qualificação ou desrespeitosa perante a sociedade. Respeitamos a opinião e as manifestações de todos e reafirmamos que a rede Divino Fogão repudia, por todos os meios, qualquer prática racista e/ou discriminatória.” (sic)

[Nova pausa dramática pelo amor de Deus! Estou precisando.]

Falemos sobre História do Brasil. Sinhás eram as “donas” de escravos. Perdão, corrijo:

“Sinhás” era a terminologia dada às exploradoras de pessoas que foram escravizadas. A rede alimentícia Divino Fogão, com a afirmação acima, induz os internautas ao erro. A figura retratada NÃO É de uma “Sinhá” e sim da ESCRAVA sorridente que trouxe um recado de sua Sinhá: uma receita de frango (e blábláblá).

Amigo de infância, André achou que marcar nome de amigos e compartilhar o link preconceituoso seria dar ainda mais publicidade à marca. Entendeu, contudo, quando argumentei que, na verdade, o que eu queria era uma retratação em grande estilo, assim como foi aquela da marca Skol durante o Carnaval. O grande problema, esclareci, é que “Divino Fogão” insistia em dizer que não havia preconceito em sua mensagem. Custa pedir desculpas? Pelo visto, custa.

Bons ventos sopram anunciando um mundo melhor toda vez que pessoas – mesmo não fazendo parte de uma “categoria específica onde etiquetaram seres sem que fosse necessário ou sem lhes pedir permissão” – indignam-se e manifestam-se contra atitudes abusivas, sejam elas psicológicas, sociais ou físicas. A cantora Pitty – aquela linda! –, em resposta a um comentário machista, falou bem ao dizer que não voltaria “à cozinha, nem os negros à senzala, nem os gays para o armário.”. Agora, é importante também que não haja preconceito cruzado (e espero ter a oportunidade de falar disto por aqui outro dia). Sinceramente, o ideal é que o que nos causa estranhamento seja discutido até que se chegue a uma conclusão respeitosa. Escrevo em busca da opinião de vocês. Fui “reacinha”? Estou de “mimimi”? Sentiram-se igualmente aviltados?

Rede Divino Fogão, sente aqui, vamos conversar: quando digo o que digo, não quero seu dinheiro. Quero retratação pública. Caso sua equipe precise de ajuda para construir uma publicidade representativa, fale comigo ou com qualquer pessoa (de qualquer etnia) que consiga sentir empatia suficiente para criar algo lindo e bastante distante do que vocês fizeram. Uma mensagem em que haja relativização de peito aberto. Admitam o erro, por gentileza. Aliás, OS erros, né? Porque segundo a FSA (Food Standards Agency), do Reino Unido, uma das dicas que vocês dão na receita (lavar o frango) pode ser prejudicial à saúde.

Ando BEM cansada com preconceitos diversos. Confesso que me bate uma preguiiiiiça de argumentar às vezes. Entretanto, calar-me é pior. Não lutar pelo bem é contribuir para a propagação o mal. Sinto muito aos que ainda sofrem com “Síndrome de Capitão do Mato” e àqueles que cismam em nos dividir por fenotipia. Esta negra aqui nasceu depois da Lei do Ventre Livre.

Depois do bafafá, o link original saiu do ar. Colocaram a seguinte justificativa em novo post:

“Os comentários publicados nas mídias sociais surpreenderam a nossa equipe porque a personagem da Sinhá, ao contrário do que vem sendo dito, representa a nossa hostess, a dona da casa, a nossa cara. Como uma boa anfitriã, ela está nos restaurantes para dar um tom acolhedor.

Nunca foi nossa intenção ofender ninguém. Em momento algum, a nossa campanha tem cunho racista ou de desrespeito à sociedade. Quem conhece a nossa origem sabe que a nossa proposta foi sempre valorizar o papel ocupado pelas Sinhás.

Diante da polêmica surgida em torno da personagem, a rede informa que está atenta a todas as sugestões para aprimorar o relacionamento com o consumidor.
Se a imagem da Sinhá foi mal compreendida ou suscitou tantas discussões, gostaríamos de reforçar que o Divino Fogão repudia, por todos os meios, qualquer prática racista e/ou discriminatória. Estamos à disposição para ouvi-los e prestar qualquer esclarecimento.
Atenciosamente,

Divino Fogão”.
Eis o link:

[Parem o mundo que eu vou descer! A “hostess” deles é representada uma negra chamada Sinhá?! Governantes, sério, foquem na Educação.]

A imagem original, até o momento em que eu escrevia este artigo, AINDA estava no Google. Nós printamos para que vocês possam conferir a “Dica da Sinhá” e assim, chegarem às suas próprias conclusões.

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Belise Mofeoli é escritora de literatura infantojuvenil e de roteiros diversos (games, transmídia, seriados, educativos, animações…). Também faz letras de músicas e peças de teatro. Graduou-se em Publicidade e Propaganda e aprendeu a unir formatos e linguagens para ajudar a levar mensagens menos preconceituosas ao mundo. Espera que a humanidade ainda tenha jeito. Está sempre disposta a discussões construtivas e, de preferência, bem humoradas.



Fonte: Geledés.

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