Por Carol Carolina,
Eu sei que você tem a melhor das intenções.
Você sabe que é padrão, você sabe que tem escolhas, e você acha que estamos juntxs.
Estamos?
Estamos no mundo, para trocas, para nos permitir, para ser e estar e celebrar nossa “contra-hegemonia afetiva”. Estamos?
Eu quero falar de afeto. Mas eu tenho tanto medo disso.
Sair do armário não foi difícil porque eu não tinha certeza sobre quem eu era, mas porque admitir meus afetos e afeições seria me expor, aquilo que eu tento esconder com tanto afinco. Porque ter afeto, e assumir afeto, é desarmar-se. É lembrar de todas aquelas que me afetaram, afetuaram. É lembrar de todas as vezes que foram só vontade, só espera, só distância.
O pensamento heterossexual, a estética heterossexual, o falo, me foram impostos provavelmente tanto quanto para você. Mas as possibilidades com esse falo foram outras. Eu lhe garanto. As possibilidades com quem ostentasse este falo também!
Me ensinaram a não me apegar, a pensar várias vezes antes de desenvolver carinho, e só trocar energias se estivesse preparada para cortar a troca, à disposição do outro. Aprendi o amor assim. Não qualquer amor, saiba bem do que estou falando. Me ensinaram a amar as crianças, os animais, as mães e as avós. Isso eu sei…
Saiba bem, não estou falando em maniqueísmos, em dicotomias, em lógicas tão simples que se resumiriam em mulher negra lésbica x mulher branca lésbica x homem branco gay, por exemplo. Estou falando em possibilidades, em permissões, em permitir-se, em arriscar-se. Eu estou falando de riscos. Em como eu me permito, você se permite, ela se permite. Porque, ora, eu sei que as pessoas se apaixonam e sofrem e amam, sendo quem são. Mas quem se permite sofrer? Por algum amor? Quem corre o risco?
Não sou eu!
Eu vejo você sofrendo. Por aqueles que não querem nada sério, ou talvez queiram, mas você não tem certeza. Mas você sofre, e se arrisca. Nunca consegui sofrer assim. Me lembro que passei mais de um ano da minha vida sem coragem de me ver no espelho. Nâo é um espelho metafórico, é aquele vidro que iria me mostrar minhas possibilidades, que refletiam minhas referências, as que me antecederam. E auto-estima (quanto a estética!) era pouca. As possibilidades de afetividades eram mínimas, eram possibilidades que eu não queria. Eram sobre carne, ou sobre comodidade, ou sobre acordos. Preferia não correr o risco. Preferia me bastar e não arriscar no outro. Mas você se basta com uma auto-estima assim?
Foram cinco anos de certezas sobre uma sexualidade contra-hegemônica. Foi uma sexualidade que se assumiu (com muitas reflexões sobre privilégios, sobre cisnormatividades, sobre expectativas, sobre colorismos), receosa, tentando controlar os espaços de manifestação. Mas foi uma libertação. Mas foi assumir que sinto afeto pelas pessoas, pessoas com nomes, com caras, com gênero. E aí vem você. Com toda a sua subversão, com toda a sua confiança e auto-estima. E transa. E ama. E ama em público e transa em público e faz poemas e anda nua, e se despe e se ama em público. E grita esse amor. E eu acho lindo, afinal, quem sou eu para desejar um não-amor-próprio de uma mina? Mas entenda que você pode se amar e pode se arriscar. Você olha a TV e olha suas referências, e elas amam em público e escolhem não amar em publico, e se arriscam. As minhas não.
E você? Que tem boas intenções. Que me pede, me sugere, limites. É para o meu bem! Limites… Diga para uma mulher negra (qualquer sexualidade que ela expresse) para ela ter limites, quando se trata de sexo ou de afeto. Limites nós conhecemos bem. Pensamos várias vezes (várias!) sobre qual imagem vamos permitir que tenham de nós. Sobre qual nível de esperança, de vontades, de afeto, de tensão sexual vamos permitir que transpareça. E você me pede limites. E você me pede para não arriscar a tão recente auto-estima avassaladora que as vezes me surge. Auto-estima e permitir-se arriscar podem ser proporcionais, meu caro.
– Mas não sempre. Quando você, padrão como é (e não digo que sua vida é maravilhosa, mas você é padrão, por favor, admita) se permite apenas com os seus iguais, é bem diferente de quando eu me permito apenas com minhas iguais. Saiba disso –
Então, não venha me pedir limites, como quem cuida de me proteger do mundo. (E, ainda assim, cada vez mais me parece que a homossexualidade me permite mais, se eu fosse heterossexual, seria pior).
Mas veja bem, quer falar de limites? Vamos falar de igual para igual, só não venha me tutelar, ensinar como me apaixonar, me entregar, ou como não o fazer, no mundo real. Você se apaixona, se entrega, se preocupa, porque o risco de dar certo é maior que o de dar errado. Para mim não! Preciso que você saiba disso, antes de conversarmos ‘de igual para igual’.
E, quando me vier essa tão recente, tão passageira auto-estima avassaladora, não me peça calma. Se você se importa mesmo, só cuide para que o mundo não a destrua, como já aconteceu tantas vezes. E se ele a destruir. Não me culpe. Eu, que tento tanto não te culpar, ser didática. E você sabe muito bem que não é minha obrigação.
Tenho tanto mais pra falar. Uma vontade louca de afirmar que não estou me vitimizando, que eu não preciso que você se afaste, que não fale, que cuide de mim, porque qualquer coisa vai me ferir. Mas já aprendi que toda vez que eu for expor uma problematização ou estarei sendo grossa, ou estarei sendo vítima. E isso não muda. A culpa não é sua. De toda forma, não consigo elaborar um encaminhamento para suas atitudes. E olha que eu tento, tento tanto. Mesmo sabendo que não é minha obrigação. Eu só posso dizer que me importo com você, que sei que se importa comigo. Eu só quero pedir que me escute. E é só.
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Imagem destacada: Sou Betina Page
Apenas Carol
Fonte: Blogueirasnegras
oii, sabe de quem é a foto do texto?
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