Páginas

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Por eu sempre tenho que ser forte? Sobre psicologia, racismo e o vazio.


Por Mara Gomes
Quando pensamos em Psicologia nos inclinamos de primeira a afirmar que esse campo se relaciona com a ideia de escuta entre psicólogo e paciente´. Esse paciente solicita ajuda para um sujeito dotado de um conhecimento acadêmico de saúde. O paciente deve receber de volta desse psicólogo um diagnóstico, ou uma possível solução para o seu problema, um alívio para o sofrimento psíquico.

O psicólogo é um profissional de saúde possivelmente capaz de diagnosticar, tratar, ajudar, dentre outras coisas, indivíduos ou grupos, ou seja, o seu trabalho é saciar, ou tentar saciar, a demanda vinda dos pacientes. Digo possivelmente porque muitos psicólogos não trabalham sempre com diagnóstico, o que acredito às vezes ser algo bom por diversos motivos que não são necessários pontuar aqui. O mais importante é que muitos psicólogos não sabem ajudar ou seguir um processo de tratamento que vise o bem do paciente e não o seu próprio ganho pessoal. Isso acontece porque o ensino da psicologia, ou seja, o campo psi é, e sempre foi, branco, eurocêntrico, elitista e individualista. Um campo no qual alguns não chamam o sujeito mais de paciente, mas sim de cliente. Um lugar onde o dinheiro fala mais alto que qualquer entendimento de saúde e bem-estar possível. Óbvio que existem exceções à regra, existem vertentes dentro da psicologia que se propõem a um tratamento não tão individualista e fechado, mas não falaremos da exceção, porque quem esmaga é regra.

Estudo psicologia há 3 anos e nunca estudei em sala de aula, nas disciplinas obrigatórias, qualquer autor negro, não só eu como os meus trinta e poucos colegas brancos, que muito mais que eu, precisariam muito ter essa vivência pra intensificar o seu conhecimento de tratamento. Principalmente por serem em sua maioria pertencentes à classe média branca e o único contato com o negro que tiveram foi provavelmente com a empregada ou o porteiro do prédio onde moram. Por isso a psicologia é um lugar não acolhedor para todos, ela não é feita para todos, é feita pra quem pode.

Com todos esses atravessamentos difíceis do campo psicológico pra nós negros entra o pensamento: por que eu pediria ajuda para alguém que não entende nada da minha vivência? Por que eu pediria ajuda para alguém que não entende o racismo? Alguém que não aprende sobre racismo. Ou pior, alguém que diz que eu estou exagerando e que o racismo não é um problema brasileiro. Deixar claro-escuro que algumas dessas frases foram recebidas por pacientes negros dentro do consultório psicológico. Porém, o maior problema não está só na busca por um psicólogo, mas também na não busca dele.

Digo isso por causa do silenciamento que nos é dado nos espaços da vida, do vazio que é como uma mão que nos cala e nos impõe a abraçar um sofrimento psíquico que não nos faz bem. Que vem diretamente da introjeção no saber popular de que o sofrimento deve ser aguentado, deve ser resistido, ou melhor deve ser enfrentado com o silêncio principalmente dentro da comunidade negra. O meu maior propósito com esse texto, que vem em forma de desabafo, é dizer que nós não precisamos sofrer, nós não precisamos viver resistindo constantemente porque alguém nos disse que negro é forte, que negro não pode reclamar, que sofrer e chorar é frescura. É preciso colocar o nosso poder de mudança, o poder do nosso ato de existência além da resistência pura. Por existir sentimos, por sentirmos também sofremos, e por sofrermos precisamos inevitavelmente desabafar.

Por ser uma mulher negra no meio universitário ocupo um lugar de privilégio, porque é muito difícil pra nós negros entrar na academia e sobreviver dentro dela, ainda sei como é ser resistência, em estado constante, no dia-a-dia, o dia inteiro. Sei que precisamos também de alívio, precisamos também, mesmo com todos os problemas que o campo psi traga, nos permitir a pedir ajuda, nos permitir a soltar o peso enorme que carregamos nos ombros constantemente por cada dia que vivemos com medo de morrer, cada dia que vivemos contrariando as estatísticas. Nós também sentimos.

__________________________________________________________
Imagem destacada do vídeo
This Is What It Feels Like To Be Depressed

Mara Gomes é estudante de psicologia, apaixonadíssima por quatro efes: Feminismo, Filosofia, Foucault e Frida Kahlo. Administra a página A Mulher negra e o Feminismo e alimenta ainda aquele velho sonho de mudar o mundo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário