Mestra em Políticas Públicas e Assessor da SEPPIR discutem o longo histórico de luta das trabalhadoras
por Solon Neto,
Texto: Artur Antônio dos Santos Araújo* e Dalila Fernandes de Negreiros** / Ilustração: Vinicius Araujo
“O conselho municipal vai regulamentar o serviço doméstico. Já há um projeto, apresentado esta semana (…) para substituir o que se adiara (…) Mas, seja câmara, intendência ou conselho, vai reformar o serviço doméstico, e desde já tem o meu apoio, embora os balanços da fortuna possam levar-me algum dia a servir, quando menos, o ofício de jardineiro (…) Enquanto, porém, não me chega o infortúnio, quero o regulamento, que é muito mais a meu favor do que a favor do meu criado.” (Obra Completa de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, Vol. III, 1994. Publicado originalmente na Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, de 24/04/1892 a 11/11/1900)
Na crônica acima, de Machado de Assis, é narrada a posição do autor sobre um projeto de lei municipal da época que visava proteger as pessoas que tralhavam nos serviços domésticos. Ante ironias o autor apontava que muitas vezes o projeto de Lei beneficiava mais os “senhores” do que os “criados”. Porém ao descortinar as inconsistências e incoerências das posições propostas, Assis anteviu o árduo processo que apresenta como resultado a Lei Complementar nº 150, de 1º de Junho de 2015, a qual regulamenta os direitos das trabalhadoras domésticas.
Quando falamos trabalhadoras domésticas no feminino, estamos nos referindo a mais de 6,4 milhões de pessoas sendo que dessas 92% são mulheres, e desse total, 63% são negras (PNAD/2012).
O trabalho doméstico tem representado historicamente um reduto da manutenção de exploração que remonta o período escravista no Brasil, sendo elemento central da luta pela redução das desigualdades no mundo do trabalho. A ausência de equivalência de direitos trabalhistas e condições de trabalho entre classes no Brasil não são desvinculados de processos históricos da exclusão social, especialmente de mulheres e pessoas negras.
Com a aprovação da Emenda Constitucional nº 72, em 02 de abril de 2012, houve a equiparação de direitos trabalhistas previstos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para trabalhadoras domésticas. Foram garantidos: salário mínimo, irredutibilidade de salário, intervalo para descanso ou refeições, repouso semanal remunerado, 13º salário, hora extra, férias remuneradas de 30 dias com acrescimento de um terço do salário, licença maternidade ou paternidade, repouso em feriados, vale-transporte, estabilidade na gravidez, aposentadoria e reconhecimento dos acordos coletivos da categoria.
Porém restava a regulamentação de direitos como: FGTS, seguro-desemprego, adicional noturno, salário-família e benefícios acidentários, proteção por despedida arbitrária ou sem justa causa e auxílio-creche.
Essa regulamentação foi realizada nos últimos 2 anos com debates acirrados nas duas casas (Câmara e Senado) e como aponta Machado de Assis, há 122 anos atrás, a correlação de forças entre interesses de empregadas e empregadores foi o fiel da balança para o resultado que se apresenta.
Destaca-se que há mais de 70 anos a categoria das trabalhadoras domésticas está organizada em instituições, como a Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas – FENATRAD, demandando a extensão de seus direitos, por ser, como já mencionado, a categoria profissional historicamente com menos direitos trabalhistas no Brasil.
Nesse processo, cabe mencionar honrosamente a Deputada Benedita da Silva, que mais que uma identidade e uma trajetória de luta em prol da agenda trabalhista das empregadas domésticas, apresentou o projeto de Lei mais progressista sobre o tema discutido na Câmara. Porém no processo de tramitação entre as casas algumas mudanças ocasionaram no resultado atual.
A princípio com a sanção da Lei Complementar nº 150, de 1º de Junho de 2015 houve a extensão desses direitos às trabalhadoras e a regulamentação da previsão constitucional, mas também no texto final aprovado pelo Congresso são preservadas algumas assimetrias aqui em destaque:
Auxílio-creche: não há menção ao auxílio-creche na regulamentação, que é um direito das demais categorias profissionais. Embora para o acesso às creches públicas fossem priorizadas em virtude da renda e de serem trabalhadoras, há um déficit crônico de vagas nesses estabelecimentos.
Banco de horas: há no art. 2º, §§ 4º e 5º da Lei Complementar 150/2015 a previsão de banco de horas a ser acordado entre empregadores e trabalhadoras, com o prazo de compensação dentro do período de 1 (um) ano. Tal previsão traz fragilidade à consolidação dos direitos trabalhistas das trabalhadoras domésticas pelo prazo muito elástico de compensação e pelo comprometimento da garantia de um máximo de 2 (duas) horas excedentes por dia. Outra questão relevante é que a pactuação direta entre trabalhadoras e empregadoras sem a participação de sindicato da categoria expõe as trabalhadoras a uma negociação via de regra assimétrica.
Seguro Desemprego: o Art. 26. da Lei Complementar 150/2015 prevê seguro desemprego de 1 salário-mínimo, por período máximo de 3 meses. Para as demais categorias profissionais, a apuração do valor do seguro-desemprego tem como base o salário mensal do último vínculo empregatício, assim não há a estipulação do salário-mínimo como teto do seguro-desemprego, mas sim como piso. Também destaca-se que para os demais trabalhadores e trabalhadoras o seguro é concedido em no máximo cinco parcelas.
Multas: o Art. 22 trata do pagamento da indenização compensatória da perda do emprego, em que se observa que os valores referentes ao desconto mensal de 3,2% do salário (que substitui a multa de 40% nos casos de demissão sem justa causa) poderão ser sacados pelo trabalhador doméstico nos casos de demissão sem justa causa. Contudo, na hipótese de dispensa por justa causa ou a pedido, término do contrato de trabalho por prazo determinado, aposentadoria ou falecimento do trabalhador, os valores depositados nesse fundo voltarão para o patrão.
Por outro lado, a presidenta Dilma Rousseff realizou um importante veto pela previsão no projeto de lei que houvesse demissão por “violação de fato ou de circunstância íntima do empregador doméstico ou de sua família” prevista no Art. 27 da Lei Complementar 150/2015. No âmbito do trabalhado doméstico, a presença de uma cláusula tão abrangente e delicada expõe as trabalhadoras ao risco da demissão por justa causa por qualquer tipo de comentários sobre o seu ambiente de trabalho. A definição de circunstância íntima é pouco precisa e abrangente.
Pelo lado positivo, finalmente com a Lei Complementar nº 150, de 1º de Junho de 2015, foram regulados direitos trabalhistas domésticos como: jornada de trabalho, hora extra, férias, FGTS, seguro-desemprego, adicional noturno, intervalo para repouso, trabalho noturno, salário-família e benefícios acidentários, trabalho em viagem, proteção por despedida arbitrária ou sem justa causa e a fiscalização do trabalho.
A nova legislação traz um novo patamar de direitos às trabalhadoras, sendo a sua aplicação um importante passo para a efetivação de condições de trabalho mais dignas à categoria. Como evidenciado, as questões pendentes estão sujeitas a outros projetos de lei e atualizações, porém com a lei atual, a linha de base é mais alta.
Desse modo, a Lei Complementar nº 150, de 1º de Junho de 2015, ao mesmo tempo que é um resultado de uma luta política que está na agenda nacional há mais de 120 anos, como nos mostra Machado de Assis, é também resultado da coalizão de forças presentes e representadas hoje na sociedade e no Congresso Nacional.
Cabe agora ao Executivo monitorar a implementação da lei, ao Legislativo apresentar projetos com vistas à efetiva equiparação e às Entidades representantes das trabalhadoras, prosseguirem na jornada de luta pela efetivação desses direitos. A Luta Continua!
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*Artur Antônio dos Santos Araújo, Assessor Parlamentar da SEPPIR e Mestre em Filologia e Língua Portuguesa/USP e Especialista em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça/UnB
** Dalila Fernandes de Negreiros, Mestra em Políticas Públicas e Desenvolvimento/FIOCRUZ
Fonte: Alma Preta
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