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quinta-feira, 9 de julho de 2015

Não à redução da maioridade penal


por Jurema Werneck,
O que está por trás do ressurgimento do projeto para redução da maioridade penal no Congresso Nacional? Um olhar imediato aponta o fortalecimento da participação da bancada conservadora na política, nos partidos e no Congresso Nacional.

Trata-se de um conservadorismo cínico, oportunista e inconsequente, pois seus objetivos parecem ser, além de mostrar força no Congresso e na mídia contra os interesses progressistas, fingir uma preocupação com as altas taxas de violência interpessoal no país.

Foi um golpe contra a democracia a manobra articulada pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), para colocar em votação uma segunda proposta de redução da maioridade 24 horas após o primeiro texto ser rejeitado. Um golpe para fazer demagogia. Um golpe contra a sensatez.

O cinismo está em apesar deles saberem que a maioria esmagadora dos crimes são cometidos por adultos –traficantes, policiais, jagunços e que tais– investem contra o elo mais fraco, os meninos e jovens, a maioria negros, perdidos, confusos e sem acesso aos seus diretos básicos.

Estes crimes são cometidos usando armas fabricadas no Brasil e entregues nas mãos dos assassinos sem qualquer controle. E muitos destes criminosos estão vinculados aos interesses dos financiadores das campanhas eleitorais daqueles que estão defendendo propostas deste tipo. Coincidência?


É momento de resistir! É preciso denunciar o racismo, os preconceitos e os interesses escusos embutidos na retomada da PEC 171/1993 (Proposta de Emenda à Constituição), que tramita no Congresso Nacional e propõe a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos.

No Brasil, quem comete infrações a partir dos 12 anos já é julgado e submetido a medidas socioeducativas que podem chegar à privação de liberdade. Na vida real, sabemos que em muitos casos meninas e meninos são encarcerados e largados a sua própria sorte, submetidos a maus tratos, sem escola, sem saúde, sem atenção.

É um modelo cheio de falhas, injustiças, marcado pelo racismo institucional que está presente também nas políticas que deveriam proteger e cuidar, assim como no sistema prisional para adultos. É isso que precisa ser revisto e mudar com urgência.

Crianças e adolescentes devem ser cuidados, educados, valorizados, acolhidos. Seus erros devem ser corrigidos, mas de modo a ajudar a cada um deles a crescer da melhor forma possível, a buscar viver plenamente sua humanidade. As mães, famílias e as comunidades de onde vêm devem ser também cuidadas e fortalecidas, de modo a poderem apoiar adequadamente seus meninos e suas meninas.

A proposta de redução da maioridade é uma afronta à Convenção sobre os Direitos da Criança, instrumento de direitos humanos mais aceito na história universal, assinado por 193 países, inclusive o Brasil. É uma afronta às conquistas sociais e de direitos, que tantos lutamos para conseguir.

A sociedade tem, nas últimas décadas, reafirmado seu desejo e compromisso com a justiça social, mas o Congresso parece que não entende, não ouve. Certamente, esta parte do Congresso não me representa!

Queremos que o Congresso ouça a voz da sociedade; que ouça a voz dos que sempre foram perseguidos e injustiçados e seguiram lutando por uma vida melhor. Queremos que o Congresso tome medidas para proteger e valorizar nossas vidas, principalmente as vidas da juventude negra.

Esses meninos e meninas negras, crianças, adolescentes e jovens não são os vilões. Ao contrário, as estatísticas nacionais informam que são as principais vítimas: de balas perdidas, de homicídios, de execuções. É preciso ouvi-los, lutar por eles, lutar com eles.

Mas não basta. Não é suficiente.

É preciso salvar suas vidas. Impedir a circulação das munições que terminam por destroçar seus corpos. É preciso desarmar a sociedade e as polícias. É preciso acabar com a Polícia Militar. É preciso gritar contra a proposta de redução da maioridade.

Nós, ativistas, não vamos desistir. Estamos unidas e unidos contra atrocidades como esta tentativa de encarcerar a juventude negra, ao invés de cumprir seus direitos de educação, saúde, cultura e bem-estar. Vivemos um momento de engajamento. Lutemos mais, lutemos sempre, dentro e fora da internet, nas ruas, nas comunidades no Congresso. Temos muita luta pela frente.

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JUREMA WERNECK é conselheira do Fundo Brasil de Direitos Humanos, integra a Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras e coordena a ONG Criola, no Rio de Janeiro

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