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terça-feira, 7 de julho de 2015

O crime inclui quando o Estado exclui


No último dia 17 de junho, sob protestos, uma comissão especial de deputados que analisa a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da maioridade penal aprovou um documento que prevê que jovens entre 16 e 18 anos que tenham cometido crimes hediondos, homicídio doloso, roubo qualificado e lesão corporal grave seguida de morte possam ser responsabilizados criminalmente por seus atos. Com esta aprovação, a PEC seguiu para a votação no Congresso. E hoje, dia 30/06 deve ter inicio a sua votação às 17 horas. Segundo o Presidente do Congresso, a PEC só sairá de pauta quando for votada integralmente.

A aprovação desta emenda constitucional pode ser um dos principais retrocessos na história recente do Brasil. Afirmo isso especialmente por que sou mulher e preta e quando analiso brevemente as motivações que levam esta PEC a ser votada em regime de urgência vejo que a juventude brasileira, especialmente preta e pobre, tem cada dia menos possibilidade de viver dignamente. A política de extermínio do povo negro busca embasamento na lei para se aprofundar.

Para chegar a esta conclusão, basta observarmos o quão falaciosos são os argumentos que dos defensores da redução da maioridade penal. O principal argumento do Relator da PEC, o deputado Laerte Bessa (PR-DF), é que o jovem que comete crime apenas o faz por que acredita na impunidade. Mas, é necessário destacar que o jovem infrator no Brasil não fica “impune” quando comete um crime, afinal o Brasil já responsabiliza menores infratores a partir dos 12 anos. De acordo com o delito cometido, o menor é julgado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e, quando for o caso, levado a centros de detenções próprios para menores.

Na verdade, o objetivo é aumentar a “punição” ao adolescente. E mais uma vez vamos olhar para a realidade para verificar que o aumento da punição não tem como resultado a diminuição da criminalidade. O sistema carcerário brasileiro não tem medidas efetivas de ressocialização. Prova disso é que o índice de reincidência ao crime de presos no Brasil de chega aos 70%, os menores punidos pelo ECA tem reincidência de 20% somente. Além disso, segundo o site Pragmatismo Político, “nos 54 países que reduziram a maioridade penal não se registrou redução da violência. A Espanha e a Alemanha voltaram atrás na decisão de criminalizar menores de 18 anos. Hoje, 70% dos países estabelecem 18 anos como idade penal mínima.

Para, além disso, questionamos: Por que essa caçada desenfreada a adolescentes, já que apenas 0,5% dos homicídios e tentativas de homicídio no Brasil são cometidos por menores? Que tipo de país coloca em regime de urgência uma votação para encarcerar mais pessoas enquanto se engavetam projetos como a PEC 51, que desmilitariza a Polícia? Por que não priorizam a PL 4.471/12 que acaba com os autos de resistência? Sabendo que o sistema carcerário no Brasil não vai contribuir para a reinserção dos jovens na sociedade, segundo relatórios de entidades nacionais e internacionais, por que optar para aumentar a punição desta juventude? É aí que vemos que há um pano de fundo bem conhecido para nós povo preto: o racismo!

Vamos olhar o perfil de que quem comete a maioria dos delitos no Brasil. O perfil do preso brasileiro se mantém há anos entre os jovens, pretos e de baixa escolaridade. Ou seja, o aumento do encarceramento tem um endereço: a casa dos pretos e pobres! O recado que o Estado dá a nós é: “não temos políticas públicas para vocês! O destino de vocês já está traçado.” Ou seja, esta PEC é mais uma medida racista, de limpeza étnica promovida pelo Estado!

Utiliza-se, mais uma vez no Brasil, a via da biologização para explicar por que um jovem está no crime, justificar o racismo e a falta de políticas públicas para as populações em vulnerabilidade. Não se consideram quais são as condições de vida desses jovens, a história de destruição física e moral do povo preto no Brasil. Muito menos se consideram quais os agravantes sociais que leva um jovem a se familiarizar com o crime a ponto de ele fazer parte de seu cotidiano, ou mesmo ser algo tão banal quanto ir à padaria. Quem defende esta PEC, no fundo, afirma, que criminoso já nasceu criminoso, não adianta a implementação de políticas públicas de educação, esporte, lazer, saúde. Não adianta promover políticas sociais, por que criminoso nasceu criminosos. Considerando que a maioria dos criminosos são negros, então o povo preto com maiores tendências ao crime. É como dizer aos jovens pretos que eles nasceram com a índole para o crime e o quanto antes forem isolados da sociedade, melhor.

Por isso, para nós, pretos e pretas, a votação da PEC da maioridade penal não é um fato isolado. Está em um contexto. Um contexto de extermínio sistemático do nosso povo, de branqueamento e criminalização da pobreza, promovidos na história do Estado brasileiro. Não é uma luta menor. Estamos falando da luta pela vida das próximas gerações. É uma luta que não começou hoje e que não terminará amanhã. Por que somos atacados, mas estamos erguidos para evitar retrocessos e conquistar avanços.

Nenhum passo atrás!

Contra a redução da maioridade penal!

Queremos emprego, educação, saúde, lazer e arte!


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A Imagem destacada é do cartunista Carlos Latuff

Negra, Mulher, Nordestina, Trabalhadora do ramo da educação por opção. Doutoranda no Programa de Educação da Unicamp

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