Especialistas avaliam que falta de estudos, oportunidade de emprego e a criminalidade estão relacionadas
por Julia Chaib , Marcella Fernandes,
A dificuldade para enfrentar o racismo faz perpetuar números dramáticos dos resultados do preconceito de cor no Brasil. As estatísticas da desigualdade revelam barreiras para a população negra que vão desde a formação inicial até a inserção no mercado de trabalho. A cor da pele é determinante para as probabilidades de morte precoce por assassinato. E a minoria que consegue chegar a um curso superior (10,8%) sofre preconceito no dia a dia, como Guilherme Lemos, 25 anos, pós-graduando na Universidade de Brasília (UnB).
Levantamento exclusivo feito a pedido do Correio revela que, desde 2013 até junho deste ano, o Ministério Público do Trabalho (MPT) recebeu 327 denúncias por discriminação por origem, raça, cor ou etnia. Em outro estudo do MPT, de 2004, elaborado pela Coordenadoria de Promoção de Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho (Coordigualdade), ficou evidente a discrepância entre o número de trabalhadores negros em um banco privado no Distrito Federal e a composição da população local. Enquanto 54% da população economicamente ativa era negra, o percentual de trabalhadores ficava em 23%.
A autodeclaração (registro da cor de funcionários) não é obrigatória e costuma ser usada apenas em companhias que implementam alguma política de igualdade racial. “Dificilmente as empresas se admitem racistas. Quando tem a autodeclaração e mostramos a população economicamente ativa negra da região, elas se assustam muitas vezes”, afirma a coordenadora nacional da Coordigualdade, procuradora Lisyane Chaves Motta.
Segundo ela, as ocorrências dificilmente chegam a uma punição à empresa, porque há disposição e são feitos acordos para solucionar o problema. Ela cita o exemplo do Sindicato dos Bancários em São Paulo, que, após ser alertado pelo ministério da pouca participação de negros no setor, assinou uma cláusula garantindo que não haja discriminação racial. A procuradora reconhece dificuldades na atuação, uma vez que muitas vezes o preconceito é velado. “Dificilmente vai ter prova de que a pessoa não foi contratada por causa da cor da pele”, afirma. Ela reclama ainda da dificuldade de reunir dados. “Só com a implementação do sistema digital há cerca de dois anos que começamos (a registrar os casos)”, explica. O registro, contudo, ainda é opcional.
Violência
As dificuldades vivenciadas na educação e no mundo do trabalho se relacionam com outra faceta do racismo: a violência. A cada ano, morrem 21,5 mil negros ou pardos de 15 a 29 anos, o que representa 71,5% do total de jovens mortos em 2013, segundo o Mapa da Violência. Do total de 56,3 mil pessoas assassinadas naquele ano, 67,9% eram negros. A estatística é de cada cinco mortos a cada duas horas. Para especialistas, os números refletem o lado mais cruel do racismo. É a discriminação letal.
O professor do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre o Negro Brasileiro da Universidade de São Paulo (USP) Dennis de Oliveira avalia que as mortes são resultado do preconceito estrutural que ocorre no Brasil. “O racismo acaba colocando o jovem negro no lugar da periferia, onde a violência é mais intensa. Porque existe uma noção racista que transforma o jovem negro como principal suspeito. O tratamento dado ao jovem negro e branco é diferente por parte das forças policiais”, afirma.
De acordo com o Mapa da Violência, o tipo de morte mais recorrente entre negros e pardos são aquelas causadas por policiais ou grupos de extermínio. A vulnerabilidade social coincide com a violência física. Pesquisa feita por Oliveira mostra que jovens negros são os maiores beneficiados do Cadastro Único e do Bolsa Família.
O especialista critica o baixo orçamento disponível, como mostrou ontem o Correio e cita que um dos programas, o Juventude Viva, recebeu apenas R$ 300 mil em São Paulo no ano passado. “A solução é ter um compromisso explícito e prático do enfrentamento do problema, o que significa ter dinheiro e tocar em questões estruturais”. Ele defende ainda o fim dos autos de resistência, o que, segundo Oliveira é usado pelos agentes policiais para justificar a morte das pessoas que supostamente apresentam resistência à prisão. Outra proposta é criar um Fundo de Combate ao Racismo, como o Fundo Nacional da Educação e da Saúde.
Professora da Faculdade de Educação da UnB e diretora acadêmica da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (Abpn) Renísia Garcia ressalta que é preciso compreender que a falta de estudos, oportunidade de trabalho e a criminalidade estão intimamente relacionadas. “Os jovens negros hoje e sempre são vistos como potencialmente criminosos. Leva a casos como esses, em que a pessoa pega o jovem negro e mata espancado”, afirma em referência a Cleidenilson Pereira da Silva, 29 anos, vítima de linchamento e espancado até a morte no Maranhão na última semana.
Para ela, os órgãos de segurança e o governo são responsáveis pela violência que aflige essa parcela da população. “(Os casos ocorrem) em países em que o próprio estado e as pessoas desviam recursos no alto de sua branquitude e jogam esses jovens na sarjeta com recursos que eles próprios desviaram. Eles são coautores dos crimes praticados por essa juventude”, completa a também coordenadora do Grupo de Estudos Afro-Brasileiros da UnB.
Fonte: Correiobraziliense.
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