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sexta-feira, 31 de julho de 2015

FEST NEGRA (01/08)



LOCAL: Praça do Cidadão - Ceilândia Norte (EQNM 18/20)
DATA: Dia 1 de agosto de 2015
HORÁRIO: Das 18h as 00h30
APRESENTADOR: Jad Teles

ABERTURA DO FEST NEGRA


PROGRAMAÇÃO RESUMIDA 
  • 18h - Samba na Comunidade (Samba de raíz)
  • 18h55 - Exibição da série de entrevistas “O lugar do negro/a na sociedade moderna” - Bloco I
  • 19h05 - Cortejo de abertura - Suelen Saboia com Roda “Capoeira do Sol”
  • 19h20 - Amostra de poesia com Cristiane Sobral; 
  • 19h25 - Exibição da série de entrevistas “O lugar do negro/a na sociedade moderna” - Bloco II
  • 19h30 - Lançamento oficial do Festival da Cultura Negra do Distrito Federal e Entorno
  • 20h30 - Exibição da série de entrevistas “O lugar do negro/a na sociedade moderna” - Bloco II
  • 20h40 - Show com Henrique Silva (Matriz Africana)
  • 21h10 - Saudações dos movimentos locais parceiros - Bloco I: Congonaya, Casa Viva, Terreiro do Mestre Zezito
  • 21h20 - Debate sobre “O lugar do negro/a na Sociedade Moderna”
  • Mediador: Geovanny Silva
  • Convidados/as: Eduardo Araújo (Presidente do Sindicato dos Bancários), Raylane Brito (Presidenta do CONJUVE/DF), Gog (Rapper), Máximo Mansur (Músico e Produtor Cultural), Valéria Matos (Slam das Minas).
  • 22h00 - Saudações dos movimentos socais - Bloco II: MNU, Pretas em Foco, Asé Dudu 
  • 22h10 - Show com “Nois que tá” (Rap)
  • 22h25 - Saudações dos movimentos socais - Bloco III: Art´Sam, Ruas, Espaço 35
  • 22h35 - Show com Marcelo Café (Samba) - Pré-lançamento do novo CD “Depois do Samba”
  • 23h05 - Saudações dos movimentos socais - Bloco IV: Instituto Superar, Foafro, 
  • 23h15 - Pocket Show com: 
  • Jorge Amâncio acompanhado de Hayna e Máximo Mansur (Poesia musical)
  • GOG (Rap); 
  • Jad Teles (Válvula DZ6); 
  • MC Metralha (Funk); 
  • Sol Montes (Samba); 
  • Mantendo à Identidade (Reggae); 
  • Nego William (MPBlack)
  • 00h00 - Show com Aborígine (Rap)



OS DIREITOS DAS DOMÉSTICAS E A CRÍTICA DE MACHADO DE ASSIS










Mestra em Políticas Públicas e Assessor da SEPPIR discutem o longo histórico de luta das trabalhadoras

por Solon Neto,
Texto: Artur Antônio dos Santos Araújo* e Dalila Fernandes de Negreiros** / Ilustração: Vinicius Araujo
“O conselho municipal vai regulamentar o serviço doméstico. Já há um projeto, apresentado esta semana (…) para substituir o que se adiara (…) Mas, seja câmara, intendência ou conselho, vai reformar o serviço doméstico, e desde já tem o meu apoio, embora os balanços da fortuna possam levar-me algum dia a servir, quando menos, o ofício de jardineiro (…) Enquanto, porém, não me chega o infortúnio, quero o regulamento, que é muito mais a meu favor do que a favor do meu criado.” (Obra Completa de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, Vol. III, 1994. Publicado originalmente na Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, de 24/04/1892 a 11/11/1900)

Na crônica acima, de Machado de Assis, é narrada a posição do autor sobre um projeto de lei municipal da época que visava proteger as pessoas que tralhavam nos serviços domésticos. Ante ironias o autor apontava que muitas vezes o projeto de Lei beneficiava mais os “senhores” do que os “criados”. Porém ao descortinar as inconsistências e incoerências das posições propostas, Assis anteviu o árduo processo que apresenta como resultado a Lei Complementar nº 150, de 1º de Junho de 2015, a qual regulamenta os direitos das trabalhadoras domésticas.

Quando falamos trabalhadoras domésticas no feminino, estamos nos referindo a mais de 6,4 milhões de pessoas sendo que dessas 92% são mulheres, e desse total, 63% são negras (PNAD/2012).

O trabalho doméstico tem representado historicamente um reduto da manutenção de exploração que remonta o período escravista no Brasil, sendo elemento central da luta pela redução das desigualdades no mundo do trabalho. A ausência de equivalência de direitos trabalhistas e condições de trabalho entre classes no Brasil não são desvinculados de processos históricos da exclusão social, especialmente de mulheres e pessoas negras.

Com a aprovação da Emenda Constitucional nº 72, em 02 de abril de 2012, houve a equiparação de direitos trabalhistas previstos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para trabalhadoras domésticas. Foram garantidos: salário mínimo, irredutibilidade de salário, intervalo para descanso ou refeições, repouso semanal remunerado, 13º salário, hora extra, férias remuneradas de 30 dias com acrescimento de um terço do salário, licença maternidade ou paternidade, repouso em feriados, vale-transporte, estabilidade na gravidez, aposentadoria e reconhecimento dos acordos coletivos da categoria.

Porém restava a regulamentação de direitos como: FGTS, seguro-desemprego, adicional noturno, salário-família e benefícios acidentários, proteção por despedida arbitrária ou sem justa causa e auxílio-creche.

Essa regulamentação foi realizada nos últimos 2 anos com debates acirrados nas duas casas (Câmara e Senado) e como aponta Machado de Assis, há 122 anos atrás, a correlação de forças entre interesses de empregadas e empregadores foi o fiel da balança para o resultado que se apresenta.

Destaca-se que há mais de 70 anos a categoria das trabalhadoras domésticas está organizada em instituições, como a Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas – FENATRAD, demandando a extensão de seus direitos, por ser, como já mencionado, a categoria profissional historicamente com menos direitos trabalhistas no Brasil.

Nesse processo, cabe mencionar honrosamente a Deputada Benedita da Silva, que mais que uma identidade e uma trajetória de luta em prol da agenda trabalhista das empregadas domésticas, apresentou o projeto de Lei mais progressista sobre o tema discutido na Câmara. Porém no processo de tramitação entre as casas algumas mudanças ocasionaram no resultado atual.

A princípio com a sanção da Lei Complementar nº 150, de 1º de Junho de 2015 houve a extensão desses direitos às trabalhadoras e a regulamentação da previsão constitucional, mas também no texto final aprovado pelo Congresso são preservadas algumas assimetrias aqui em destaque:

Auxílio-creche: não há menção ao auxílio-creche na regulamentação, que é um direito das demais categorias profissionais. Embora para o acesso às creches públicas fossem priorizadas em virtude da renda e de serem trabalhadoras, há um déficit crônico de vagas nesses estabelecimentos.

Banco de horas: há no art. 2º, §§ 4º e 5º da Lei Complementar 150/2015 a previsão de banco de horas a ser acordado entre empregadores e trabalhadoras, com o prazo de compensação dentro do período de 1 (um) ano. Tal previsão traz fragilidade à consolidação dos direitos trabalhistas das trabalhadoras domésticas pelo prazo muito elástico de compensação e pelo comprometimento da garantia de um máximo de 2 (duas) horas excedentes por dia. Outra questão relevante é que a pactuação direta entre trabalhadoras e empregadoras sem a participação de sindicato da categoria expõe as trabalhadoras a uma negociação via de regra assimétrica.

Seguro Desemprego: o Art. 26. da Lei Complementar 150/2015 prevê seguro desemprego de 1 salário-mínimo, por período máximo de 3 meses. Para as demais categorias profissionais, a apuração do valor do seguro-desemprego tem como base o salário mensal do último vínculo empregatício, assim não há a estipulação do salário-mínimo como teto do seguro-desemprego, mas sim como piso. Também destaca-se que para os demais trabalhadores e trabalhadoras o seguro é concedido em no máximo cinco parcelas.

Multas: o Art. 22 trata do pagamento da indenização compensatória da perda do emprego, em que se observa que os valores referentes ao desconto mensal de 3,2% do salário (que substitui a multa de 40% nos casos de demissão sem justa causa) poderão ser sacados pelo trabalhador doméstico nos casos de demissão sem justa causa. Contudo, na hipótese de dispensa por justa causa ou a pedido, término do contrato de trabalho por prazo determinado, aposentadoria ou falecimento do trabalhador, os valores depositados nesse fundo voltarão para o patrão.

Por outro lado, a presidenta Dilma Rousseff realizou um importante veto pela previsão no projeto de lei que houvesse demissão por “violação de fato ou de circunstância íntima do empregador doméstico ou de sua família” prevista no Art. 27 da Lei Complementar 150/2015. No âmbito do trabalhado doméstico, a presença de uma cláusula tão abrangente e delicada expõe as trabalhadoras ao risco da demissão por justa causa por qualquer tipo de comentários sobre o seu ambiente de trabalho. A definição de circunstância íntima é pouco precisa e abrangente.

Pelo lado positivo, finalmente com a Lei Complementar nº 150, de 1º de Junho de 2015, foram regulados direitos trabalhistas domésticos como: jornada de trabalho, hora extra, férias, FGTS, seguro-desemprego, adicional noturno, intervalo para repouso, trabalho noturno, salário-família e benefícios acidentários, trabalho em viagem, proteção por despedida arbitrária ou sem justa causa e a fiscalização do trabalho.

A nova legislação traz um novo patamar de direitos às trabalhadoras, sendo a sua aplicação um importante passo para a efetivação de condições de trabalho mais dignas à categoria. Como evidenciado, as questões pendentes estão sujeitas a outros projetos de lei e atualizações, porém com a lei atual, a linha de base é mais alta.

Desse modo, a Lei Complementar nº 150, de 1º de Junho de 2015, ao mesmo tempo que é um resultado de uma luta política que está na agenda nacional há mais de 120 anos, como nos mostra Machado de Assis, é também resultado da coalizão de forças presentes e representadas hoje na sociedade e no Congresso Nacional.

Cabe agora ao Executivo monitorar a implementação da lei, ao Legislativo apresentar projetos com vistas à efetiva equiparação e às Entidades representantes das trabalhadoras, prosseguirem na jornada de luta pela efetivação desses direitos. A Luta Continua!

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*Artur Antônio dos Santos Araújo, Assessor Parlamentar da SEPPIR e Mestre em Filologia e Língua Portuguesa/USP e Especialista em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça/UnB

** Dalila Fernandes de Negreiros, Mestra em Políticas Públicas e Desenvolvimento/FIOCRUZ

Fonte: Alma Preta

Feijoada e Samba do Ilê Axé T'ojú Labá com Filhos de Dona Maria (02/08)



Todo mundo já estava com saudade...

A Feijoada & Samba do Ilê Axé T’ojú Labá com os Filhos de Dona Maria está de volta e acontecerá no Domingo, dia 02 de Agosto, apartir das 12h.
Além dos Filhos de Dona Maria, os anfitriões da festa, vamos esquentar ainda mais a tarde, com a presença das divas: Jô Alencar e Fernanda Jacob.

O samba harmonicamente acompanhado da Feijoada (também com a opção vegetariana) acontecerá no Espaço Show de Bola, casa tradicional no samba do DF, localizado no Clube Cresspon (ao lado do Minas tênis clube, próximo ao centro comunitário da UnB.)

O evento é beneficiente e seus recursos serão utilizados para a continuidade do projeto ‘ABC Musical’ realizado com crianças e adolescentes do Jardim ABC/GO.

A feijuca será servida das 13h as 16h, por isso, quem chega mais cedo, aproveita mais :)

Feijoada com Samba do Ilê Axé T’ojú Labá com Filhos de Dona Maria , Jô Alencar e Fernanda Jacob
Data: 02 de Agosto, Domingo
Horário: 12h
Local: Espaço Show de Bola (CRESPON - SCEN TR 3 - cj-11/14 - Asa Norte (Ao lado do Minas Tênis Clube)

Preços:
Antecipados: 20R$ com feijoada/10R$ sem feijoada
Na hora: 25R$ com feijoada/15R$ sem feijoada

Antecipados:
Mariana Fernandes - (61) 9150-5732

Slam das minas no Varjão! (01/08)


Pra começar o mês da visibilidade lésbica tirando a poesia do armário, a quarta edição do slam das minas vai ser no varjão, em parceria com o Coletivo das ruas y com apoio da adm de lá.

Além da batalha de poesia pra lésbicas y mulheres, vai ter:
* microfone aberto pra sarau, música, apresentação dxs MCs da quebrada, elogios, correio-elegante, denúncias...
* roda de capoeira com o grupo raízes
* feira de artesanato
* apresentação do espetáculo coisas da morte, do grupo de teatro elementos pretos, que vai trocar uma ideia na sequência sobre genocídio da população negra no brasil
* MC Layla Moreno
* Cleo Street (Donas da Rima)
* Fernando Borges lançando seu livro Favela como ninguém viu 

vamo que bora, fortalecer a cultura periférica da quebrada?

começa cedo! chamazamiga!

Data: 01/08
Hora: às 15hrs
Local: Praça Central do Varjão

Roda de Conversa das Minas Pretas (02/08)


Exclusiva para minas negras.
Horário e pauta da reunião por enquete.


***Queremos avisar que é uma reunião exclusiva de mulheres negras. Obrigada!

Roda de Conversa das Minas Pretas
Data: 02/08
Hora: às 15hrs
Local: Metro Taguatinga Centro Praça Do Relógio.

quinta-feira, 30 de julho de 2015

Eu, mulher negra na universidade… academicista?


Nós, mulheres negras, correspondemos 25% da população brasileira. Fazendo uma análise do lugar social que ocupamos, chegamos a números alarmantes[1]:

O salário de uma mulher negra corresponde a aproximadamente 30% do total do salário de um homem branco pela mesma função, até mesmo quando essa função já é de um salário extremamente baixo, como entre os funcionários terceirizados.

A jornada semanal total das trabalhadoras negras é exatamente a mesma das brancas (57,9 horas). Entretanto, as mulheres negras dedicam, em média, 2,1 horas semanais a mais do que as brancas nas atividades relacionadas aos afazeres domésticos – 23,0 e 20,9 horas, respectivamente. Ou seja, além da tarefa laboral, as mulheres negras acumulam mais tempo com o serviço doméstico. Provavelmente por que recebem menos a contribuição de seus companheiros ou por que são sozinhas na administração da casa (mães solteiras, divorciadas)

Diante destes números, podemos imaginar que quando falamos de mulheres negras que conseguem ser aprovadas para um curso superior, e/ou concluir os números deve ser ainda mais assustadores. As mulheres são maioria cursando ensino superior, mas mulheres e homens negros ocupam ainda um espaço muito pequeno entre os universitários.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2011, 9% dos jovens negros entre 18 a 24 anos cursam ensino superior, já entre o grupo de brancos da mesma idade, esse número é mais que o dobro: 25,6% matriculados em cursos de graduação.

E por que é tão preocupante que negros, especialmente nós, negras, não tenhamos acesso ao ensino superior no Brasil? Podemos listar diversos motivos que colocam o quão importante é a presença de negros e negras nos espaços acadêmicos. Diversos estudos já comprovam que quanto maior o nível de escolaridade atingido, maiores as chances de empregabilidade. Mesmo sabendo que negras e negros recebem um menor salário pela mesma mão de obra, as chances de colocação no mercado de trabalho aumentam. O aumento de negros e negras na universidade também proporciona que a produção de conhecimentos gerada nos espaços acadêmicos seja através de outra ótica: a ótica do oprimido e não do opressor. Prova disso é quantidade de novos grupos de pesquisas e de investigações que abordam a temática racial, fato praticamente inexistente há alguns anos atrás. Mas, também destacamos que o ingresso ao curso superior nos promove o acesso a conhecimentos que foram negados a gerações. Se lembrarmos que a menos de 200 anos atrás no Brasil havia leis no Brasil que dificultavam o acesso ao ensino primário por negros libertos e proibia escravos de frequentarem a escola[2], vemos que a maioria dos negros e negras que estão na universidade hoje é a primeira geração de suas famílias a ocupar os bancos de uma universidade. Com a aprovação das cotas, mesmo como uma medida ainda limitada, se consideramos toda a dívida que o Estado brasileiro tem como o povo negro, o número de negros e negras nas universidades quase dobrou nos últimos 10 anos.

Mas, não nos enganemos. Apesar da importância de acessar o ensino superior, permanecer nele é uma difícil missão. Em pesquisa feita pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), em que foi observada a porcentagem de estudantes negros que concluíram seus cursos, apenas 6,13% se autodeclaram pretos ou pardos. E esses números são ainda menores em carreiras como medicina, no qual o percentual é de 2,66. Muitos fatores influenciam para o abandono do curso superior. Além da jornada dupla, trabalhar e estudar é a realidade para a maioria de jovens negras, o ambiente da universidade é opressor aos estudantes negros e negras. Nossa música não é bem vinda, nossa cultura é dita como não-cultura, nosso corpo fetichizado (casos de assédios morais não são raros), nossa linguagem é inadequada, além dos casos racismo explícitos. Sim, ser negro e negra na universidade não é fácil. Nem o percurso para chegar até lá, nem sua permanência.

Diante de todos estes fatos, da necessidade de nos apropriamos de um espaço que foi historicamente branco e ao mesmo tempo da dificuldade de ser e estar neste lugar, eu me pergunto: a que serve a “acusação” ACADEMICISTA entre negros e negras?

É cada vez mais comum que quando negros, e especialmente, uma mulher negra lançam mão de algum conhecimento acadêmico somos prontamente “acusadas” de academicista. A palavra tomou um peso de um palavrão, é como um pecado. Você ter acessado determinados graus de conhecimento e usá-los no seu cotidiano é como uma afronta.

Ou seja, nós, além de passarmos pelo funil do vestibular, pelas pressões dentro do mundo acadêmico, ainda não podemos usar o que aprendemos publicamente ou corremos o rico de sermos “xingadas” de academicistas. Devemos simplesmente esquecer o que aprenderamos e ter uma vida dupla. Uma na academia e outra na rua, fingindo que não sabemos outro idioma ou que não viajamos, ou que não conhecemos textos teóricos.

Mas, a reflexão que tenho neste momento é: porque isso não é um problema entre os brancos? Porque eles não se atacam com o xingamento “academicista”? Porque eles não são deslegitimados quando usam o que aprenderam em seus anos de estudos? Por que, para eles, estar na universidade, saber línguas é comum. É o que se espera de um branco. Como é comum, eles podem inclusive dizer que a universidade é dispensável. Eles podem escolher… Nós não. Nunca pudemos escolher! Cada um que entrou, entrou por sacrifício pessoal ou da família.

Portanto, para mim, esta acusação é uma armadilha. Não cabe às mulheres negras o estigma de academicistas simplesmente por que elas dominam o conteúdo livresco de determinada área e o usam para dar explicações à realidade que as circundam. Considerando a posição social que historicamente ocupamos, não podemos cair na armadilha de convencer irmãs negras de que elas estão no lugar errado. Estas irmãs, além de passar as dores de serem mulheres negras no mundo acadêmico – ainda branco e racista – ainda têm que ouvir que o conhecimento pelo qual lutamos incansavelmente para acessar é inútil à nossa luta.

Nem que nós negras queiramos, não seremos a representação da burguesia apenas por ter acesso aos conhecimentos que historicamente foram reservados aos brancos. A sociedade nos lembra de nosso lugar em todo momento. Mesmo com um título de doutora, somos negros e negras e o ambiente acadêmico nos engole, mas não nos aceita. NÓS NUNCA SEREMOS REPRESENTANTES DA ACADEMIA NA SOCIEDADE CAPITALISTA! NUNCA SEREMOS ACADEMICISTAS APENAS POR QUE CITAMOS FILÓSOFOS!

A nós, que acessamos os conhecimentos sistematizados na universidade, cabe entender que temos um papel, temos uma responsabilidade e não é dar carteirada de quem é mais inteligente. Nós podemos dar o maior passo da história. Sabemos o que só nós negras e negros sabemos – por que aprendemos na luta, temos o conhecimento ancestral. Mas, acessando a universidade, sabemos também o que os brancos também sabem, por que tiveram acesso à universidade desde sempre. Não são conhecimentos antagônicos, são conhecimentos complementares, que só podem ter força se forem conciliados. A teoria que aprendemos só tem força se for usada para ajudar a transformar a realidade. Para ajudar quem ainda está fora da universidade a dar saltos na nossa luta.

Não temos tempo para nos colocar em lados opostos do front. Não temos tempo para hierarquizar a dor. Não temos tempo de hierarquizar conhecimento. Não temos tempo para abrir mão de qualquer instrumento de luta. Se os brancos podem abrir mão do conhecimento sistematizado, eles que abram mão. Não deixarei nenhum dos nossos abrir mão do que a humanidade produziu e tomar este conhecimento para transformar a sua e a nossa realidade. Eu afirmo que, em nossas mãos, o conhecimento sistematizado pode tomar uma dimensão revolucionária. É tudo nosso e nada deles!

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Referências:
[1] Dados da OIT (2009)

[2] Falamos da Reforma Couto Ferraz, como ficou conhecido o Decreto nº. 1331A, de 17 de fevereiro de 1854: o seu artigo 69 proibia explicitamente a admissão de escravos nas escolas públicas. Além dos escravos, o artigo 69 também incluía nessa interdição os que padecessem de moléstias contagiosas e os que não fossem vacinados. Escravos libertos poderiam frequentar, entretanto, a vinculação de negros a doenças e moléstias, afastava os negros e negras o ambiente escolar.

Imagem destacada: Dra. Eliza Ann Grier. Nasceu escrava e se tornou a primeira afro-americana médica na Georgia (EUA).

Negra, Mulher, Nordestina, Trabalhadora do ramo da educação por opção. Doutoranda no Programa de Educação da Unicamp

“What happened, Miss Simone?” – Nina Simone, a mulher e a Politica


Quando fiquei sabendo do lançamento do documentário sobre a Nina Simone, fiquei muito empolgada para saber mais sobre ela, porém demorei um tempo para assistir ao documentário, não por falta de oportunidade, mas eu queria estar de certa maneira preparada. Já sabia que a história tinha diversas situações bem pesadas (estupro, violência doméstica, etc) então queria me preparar “emocionalmente”.

Por Isabela Kanupp,
Porém comecei a ler algumas críticas a respeito do documentário, de como a Nina foi retratada e uma crítica me chamou mais a atenção, justamente porque pontuava questões da maternidade. Então pensei: é agora. Quem quiser ler a crítica antes (aconselho) é essa aqui – “What happened, Miss Simone?” é um insulto à memória de Nina Simone. 

Comecei a anotar as idéias para esse artigo enquanto assistia ao documentário, a intenção inicial era abordar apenas a questão da Nina Simone com a maternidade, ou como ela é retratada como péssima mãe. Porém, é impossível resumir Nina Simone apenas a sua maternagem e muito menos ignorar todo o contexto para o desfecho dessa maternagem.
Já escrevi um artigo no blog sobre essa divisão dentro da maternidade, as boas e as más mães, e de como essa classificação é uma forma de segregar mulheres, baseando em conceitos sociais do que é ser uma boa mãe. Esse conceito basicamente se resume a doação completa e servidão, tudo que foge desse estereótipo imposto pela sociedade é considerado algo negativo.

Podemos avaliar a maternagem de alguém, sem considerar todo o contexto no qual ela estava inserida?É justo fazermos isso com alguém?

Nina queria ser a primeira mulher negra a ser pianista clássica nos EUA. Mulher, negra e pobre, trabalhou se apresentando para guardar dinheiro, para estudar e se sustentar. E não imaginava o que poderia acontecer e aconteceu. Nina se envolveu com o movimento pelos direitos civis e através disso buscou sua liberdade como mulher negra. E então as coisas mudam: ela é retratada como uma ingrata, mal agradecida, amarga, descontrolada, péssima mãe.

No início do documentário temos a fala de Lisa, filha de Nina Simone, dizendo que Nina era uma artista incrível, porém não deixava esse papel de artista quando saia dos palcos, Nina Simone era Nina Simone em todos os momentos.Nas palavras de Lisa, sua mãe havia se tornado insuportável, combativa e raivosa. Isso é colocado de uma forma completamente pejorativa.

Então eu pergunto, por qual motivo as mulheres ao assumirem uma posição combativas – e revolucionárias – ganham adjetivos como esses? Temos que ser dóceis e amáveis todos os momentos? Mulheres deveriam ser combativas como?


Logo no início de sua carreira, Nina conheceu Andy (Andrew) em uma de suas apresentações. Eles se casaram e ele se tornou seu empresário. É notável a relação de submissão que ela foi inserida, ele a controlava e a explorava. A relação dos dois é retratada como uma relação difícil e conturbada, porém o nome para isso é outra coisa: Era uma relação violenta e abusiva. Nina foi agredida diversas vezes – e o que não mostra no documentário, são as vezes que ela foi parar no hospital por isso -, e ela assume as agressões no documentário, Andy também. Porém, em momento algum ela demonstra contentamento com a situação, muito pelo contrário, conforme Nina se torna mais ativa politicamente ela vai se libertando. O que é retratado como: ingratidão e insatisfação sexual no relacionamento com Andy.

Lisa deixa claro que, a mãe apanhava, porém ela que havia se colocado naquela situação. Uma fala muito comum não é? Quantas mulheres agredidas já ouviram isso? Apenas culpabilização da vítima. Vítimas de violência doméstica não saem dessas relações porque “não querem”, mas porque na maioria das situações, são reféns emocionais ou economicamente.

Nina era uma refém emocional, que ouvia sempre que seu marido e empresário era um bom homem, que largou tudo para fazer ela se tornar uma estrela (tirando dela o protagonismo e reconhecimento por suas conquistas).

Andy, marido de Nina – que vale lembrar, a espancava e estuprava constantemente – é retratado como o homem que segurou todas a pontas, que fez Nina se tornar quem ela se tonou. Em um determinado momento do documentário, fica claro que Nina queria parar – ela já tinha dinheiro suficiente para estudar e se manter, e poderia seguir o sonho de estudar para ser pianista clássica – e mesmo após sua filha nascer Nina teve que voltar imediatamente para a“estrada” e seus compromissos com shows, algo que ela deixa claro que não queria, porém novamente Andy a obriga a isso para não deixar a “carreira desmoronar”, afastando-a assim de sua filha. Mas ela era a mãe, então a culpa cai somente

 sobre ela. Novamente a culpa é da vítima.“Amei ser mãe. Eu era uma boa mãe. Fui uma mãe boa pra cacete.” – Nina Simone.

O retrato que colocam da Nina, como uma mãe relapsa, que não exercia a maternidade, é na verdade o retrato de uma mulher trabalhadora. Sendo uma escolha ou não, era isso que ela era. E dentro desse contexto, fazia o que podia para ficar mais próxima a filha ou do exercício da maternidade, mesmo viajando controlava a rotina da filha – que era cuidada por babás. Gostaria de ressaltar que, mesmo se não fosse o afastamento causado pelo marido e empresário, se fosse uma escolha da Nina levar a vida dessa maneira, isso não a tornaria uma péssima mãe.

Nina é retratada, para além de uma péssima mãe, uma mulher sem controle. Ao deixar apresentações porque seu público não fazia silêncio – Ritchie Blackmore também fez isso em seus shows, porém é visto apenas como um músico cheio de personalidade, e muitos outros artistas -, como uma mulher descontrolada que depois de atingir a fama, mesmo sendo uma artista incrível ainda era infeliz. Como poderia? Ela tinha que se contentar! Contentar e não seguir seus desejos, mas sim os do seu marido e empresário. Contentar em estar em uma relacionamento abusivo e agressivo. Quem ela pensava que era? Andy não a apenas era um marido agressivo e abusivo, ele também tirou o protagonismo da vida da Nina Simone, a controlando em todos os sentidos.

Mostram Nina como uma mulher ressentida com o marido, não como uma mulher vítima de violência doméstica e explorada. Toda sua insatisfação é vista apenas como reclamações de uma mulher mimada, que não gostava de trabalhar. Não como reclamações de uma mulher que estava sendo explorada e cansando de tudo aquilo.
No documentário é insinuado diversas vezes – até mesmo dito pela filha deles – que ela era louca por não sair daquela relação. Dizendo que ela o provocava. Justificando algo injustificável. A agressão contra a Nina é colocada em todo o documentário apenas como ossos do ofício.

Uma mulher combativa movida por paixão e raiva e justamente por isso era uma mulher revolucionária. Mas toda sua força combativa, sua raiva, sua indignação, foram colocadas como algo pejorativo. Podemos lutar, mas temos que continuar a ser dóceis, continuar a ser amáveis. Podemos lutar, mas em silêncio!

O erro – na visão da sociedade – de Nina Simone foi ocupar um espaço político, foi se colocar como pessoa política. E então ela se tornou a chata. A péssima mãe. A ingrata.
Nina então mostra que a revolução, as mudanças, não se fazem apenas ali na linha de frente. São feitas também com música, colocando-se de forma política na sociedade.


A partir de então, Nina começa o processo de libertação individual.
No documentário isso é retratado – através de uma entrevista com Andy, marido e empresário – como uma rebelia pessoal no relacionamento, não retratado como um processo de liberdade e desconstrução, onde ela não aceitava mais, não se sujeitava mais, não se submeteria mais a toda aquela situação de agressão e exploração.

É muito comum ouvirmos até mesmo dentro dos movimentos sociais e políticos, dentro da esquerda, que devemos ser pessoas pacifistas. Nina foi muito criticada por sua posição violenta, por acreditar que devemos ter nossos direitos, custe o que custar. Nina acreditava na revolução armada.

A violência que Nina Simone sofreu durante toda a vida, é relativizada e colocada apenas como um detalhe de sua vida. Não dão atenção ao fato e é absurdamente desrespeitoso a peça central do documentário ser Andy, seu agressor. Porém, ao contar sobre as agressões que Nina cometeu contra a filha, que era adolescente na época, é colocada de uma forma totalmente diferente – não que para mim seja justificável -, apenas retratando uma Nina raivosa e cheia de fúria. Nina era a vilã. E sempre foi a vilã. Os pesos e as medidas são usados de formas distintas.

Conforme eu ia assistindo ao documentário, tinha a esperança que no final ela seria retratada de forma digna. Que mostraria toda a sua luta e o motivo de sua raiva – necessária, sempre -, iria retratá-la como uma mulher forte e combativa. Mas o que fizeram foi retratar Nina como uma mulher descontrolada, violenta e que desperdiçou o seu talento apenas por um capricho – a luta pelos movimentos civis é retratada exatamente dessa maneira -, e no fim, para fechar com chave de ouro (porque não poderia ser pior), Nina é “diagnosticada” como maníaca-depressiva como forma de “justificar” todo seu “descontrole”.

No fim a mulher é sempre a louca, “patologicamente” ou não, ela sempre será retratada assim quando assume papel político, quando ocupa espaços políticos e sociais. 


Fonte: Para Beatriz.

“Beleza negra é um ato político”, diz a pesquisadora Yaba Blay


A professora universitária, uma das principais vozes sobre colorismo e políticas globais, participou de conferência especial no Festival Latinidades

A pesquisadora Yaba Blay pode não ser muito conhecida no Brasil, mas a professora universitária é referência internacional quando se trata de beleza negra e é uma das principais vozes sobre colorismo e políticas globais. Ela é autora de importantes estudos voltados para a questão da cor de pele e sobre o cabelo, com foco na estética cultural, como o livro Drop: Shifting the lens on race (Gota: Ajustar as lentes sobre as raças) e o projeto #Prettyperiod, em que fotografa diferentes belezas negras. Filha de mãe ganesa, ela vive nos Estados Unidos, onde se formou em psicologia na Universidade de Salisbury State, fez mestrado e doutorado em estudos americanos e africanos pela Universidade de Temple e pós-graduação em estudos da mulher. Na última semana, Yaba Blay desembarcou pela primeira vez no Brasil para participar do Festival Latinidades — Festival da Mulher Afro-Latino-Americana e Caribenha —, no Cine Brasília (106/107 Sul). Na conferência especial, ela falou sobre colorismo, supremacia branca e beleza negra. Em entrevista ao Correio por Skype, Yaba Blay fala sobre cotas nas universidades, os jovens negros mortos pela polícia e a relação dos temas de pesquisas com a sua vida. “São problemas que eu mesma tive que lidar, como uma mulher africana morando nos Estados Unidos. Eu quis estudar algumas da causas, a história e os efeitos nas mulheres negras. Isso se tornou um estudo profissional”, afirmou.

Como surgiu o convite para participar do Festival Latinidades?
Uma das minhas amigas conhece as organizadoras do festival e é familiarizada com o trabalho delas. Por conta do tema, ela sugeriu meu nome. Fiquei muito honrada.

Você já havia visitado o Brasil? 
Não, esta é a minha primeira vez. Me sinto honrada de estar no Brasil, que é um país que sempre quis visitar por conta do clima, dos lugares, da história e, depois, devido ao racismo. O mundo não sabe que muitos dos brasileiros se veem como africanos e valorizam essa descendência. Mostram-nos mulheres que não são negras como brasileiras, então temos a ideia de que não existem brancos e nem negros. E, se não há raça, não há racismo. Mas se não existe racismo, por que eu não sabia que havia mulheres negras no Brasil? O Brasil tem mais negros do que muitos lugares na África, ele só perde para a Nigéria em população.

Você tem vários estudos e artigos sobre a cor da pele e sobre cabelo. Por que decidiu falar sobre esses assuntos? 
São problemas com que eu mesma tive que lidar, como uma mulher africana morando nos Estados Unidos. Isso é algo que muitas mulheres precisam lidar, porque é muito comum e porque dói demais, eu quis estudar algumas das causas, sobre a história e os efeitos nas mulheres negras. Isso se tornou um estudo profissional. A beleza negra é uma questão política. A beleza, em si, se traduz em poder. O dicionário a define como uma vantagem e isso reflete em nossa sociedade. O que eu vejo como belo não é o que o outro vê como belo. A beleza está nos olhos de quem vê. Mas quem é que está vendo? Os padrões são culturalmente definidos. Antigamente, se você era bronzeado queria dizer que você era pobre, porque tinha que estar exposto ao sol trabalhando.

Eu considero a escola o pior lugar para uma menina crespa. É muito cruel, diz Tássia Reis


Direito ao corpo: mulheres falam sobre seus cabelos crespos

Paula Lima, Tássia Reis, MC Soffia e Lúcia Udemezue, do Manifesto Crespo, contam histórias que representam grande parte das mulheres negras

Por João Vieira,
“A gente sai na rua e já é a resistência”. A frase dita pela cantora Tássia Reis, uma das mulheres ouvidas pela reportagem do Terra, resume de maneira precisa o que é ser negro no Brasil. Com 53% dos mais de 200 milhões de brasileiros, apesar de maioria, a população negra sofre diariamente com o olhar da sociedade como um todo, especialmente quando decide se inserir dentro de sua própria cultura.

O maior símbolo disso, muito provavelmente, seja o cabelo. Ainda que discutido – de maneira tímida e isolada, é verdade – em cenas de novelas como Babilônia, o visual crespo torna a mulher negra, em especial, um alvo fácil de preconceito. Era assim há décadas, é assim hoje. A semelhança entre as histórias de vida de Tássia e da MC Soffia, rapper de apenas 11 anos, reflete essa teoria. “Eu considero a escola o pior lugar para uma menina crespa. É muito cruel. E na rua também, entre os amigos”, diz Tássia. “A pressão da sociedade me fazia alisar, porque na escola as meninas ficavam falando que meu cabelo era duro, ruim, de bombril, essas coisas. Aí, pra não ser mais zoada por toda a escola, eu pedi pra alisar o cabelo, porque a gente sofre muito lá”, relata Soffia.

A reportagem colheu depoimentos de quatro mulheres, sendo que uma delas, Lúcia Udemezue, representa o coletivo Manifesto Crespo, de diversas idades e opiniões. Paula Lima, MC Soffia, Tássia Reis, Lúcia e o Manifesto contam suas histórias, que refletem a realidade de muitas mulheres negras e mostram que a discussão sobre cabelo crespo está muito além da moda.

PAULA LIMA, 44 ANOS


Já alisou o cabelo? 
Sim, já alisei. Quando criança eu alisava o cabelo, usava pasta, minha mãe alisava com pasta. Teve pente, chapinha, relaxamento, de tudo. Já usei maria chiquinha, rabo de cavalo, chanel, enfim. Acho que toda mulher gosta de experimentar, né? E a gente também têm sempre outras referências, e uma hora você pinta, enfim. Então eu alisei sim, já rolou de tudo.

Alisava por que? 
Acho que já era quase que uma tradição. Ficava mais fácil de cuidar, e acho que esteticamente era o mais comum. A mãe passava muito creme no cabelo das crianças, e alisava porque conseguia fazer um corte. Acho que tinha uma facilidade para a própria mãe lidar com o cabelo. Não era comum ver cabelo natural. Não lembro de crianças da minha idade com cabelo natural crespo, sem nenhuma química, como hoje vemos muito. E é muito bacana que hoje exista uma liberdade e um respeito por sabermos que existe essa diversidade por conta de mistura de raças.

Parou de alisar quando? 
Olha, na verdade, eu usei prancha por muito tempo. Aí depois comecei a trançar porque achava style e vi um filme com a Angela Bassett que ela tinha umas tranças grossas, e fiquei apaixonada por elas. Aí fiquei anos com a trança, só que gosto muito de água. Então quando tirei férias e fui pra Bahia, eu desencanei e deixei meu cabelo como ele tivesse que ser. E aí rolou, porque lembro que na época fazia Ídolos , e aí voltei de férias e já ia trançar o cabelo de novo. Mas fui me adaptando porque as pessoas começaram a elogiar tanto que eu comecei a me ver de uma outra forma no espelho também.

Cabelo como afirmação? 
É engraçado. Eu nunca pensei no meu cabelo nesse sentido de afirmação , porque eu nasci sabendo que era negra, que meu cabelo era crespo e que tinha todos os direitos que qualquer outra pessoa [tem]. Então eu nunca levantei uma bandeira porque isso pra mim sempre foi algo natural.

TÁSSIA REIS, 25 ANOS


Já alisou? 
Quando criança minha mãe não passava nenhuma química até uma certa idade. Depois de um tempo, ela começou a fazer um relaxamento que libera os cachos, vamos dizer assim, que era mais “fácil” de pentear. E aí eu trançava, sempre fiquei trançada. Nunca usei a textura lisa. Sempre a textura crespa, mas durante um tempo ele tinha química, sim.

Sofria muito preconceito quando criança? 
Acho que todas as mulheres negras desse país [sofriam com isso], né? E só por isso que eu usava química, relaxamento, na tentativa de me aproximar mais do padrão que é imposto pra todo mundo, e eu tinha vergonha. Não queria ser zoada. Então usava preso, usava trança, e passava como a “estilosa” e não a neguinha do cabelo duro. Eu nunca fugi do estereótipo. Isso na escola. Porque eu considero a escola o pior lugar para uma menina crespa. É muito cruel. E na rua também, entre os amigos. Lembro de uma vez que saí na rua, inclusive minha mãe tinha até feito um desses relaxamentos, mas o cabelo continuava bem volumoso, e aí saí na rua me sentindo maravilhosa, e em dois minutos começaram a me zoar e eu voltei pra casa e prendi o cabelo. Eu só queria ser aceita.

Qual a importância da mulher negra usar o cabelo natural dela? 
Acho que mais importante do que usar o cabelo natural dela, é que ela entenda que o cabelo crespo não é ruim . E eu tô falando do cabelo crespo igual ao meu, sabe? Não tô falando do cabelo cacheado que aparece na TV. Porque eles consideram aquele cabelo o limite do crespo e do aceitável, para a televisão e para a sociedade. É muito importante que ela saiba que aquilo é a raiz dela, a identidade dela. No Brasil, principalmente, não aceitam nossas raízes e ficam o tempo todo dizendo que somos outras coisas com esse mito da igualdade social, não respeitando nossas diferenças. Então a partir do momento que eu sei que sou maravilhosa, que eu não preciso alisar meu cabelo, afinar meu nariz e deixar de ser quem eu sou pra ser aceita, porque eu não preciso ser aceita, eu preciso gostar de mim, já tá tudo certo. E se eu quiser alisar o cabelo depois disso, tudo bem, é uma escolha minha. Porque o problema não é a mulher negra alisar o cabelo, o problema é a sociedade alisar o cabelo dela. A estética negra é política. A gente sai na rua e já é a resistência, por nada, de boca fechada, andando na rua.

MC SOFFIA, 11 ANOS


Já pensou em alisar? 
Eu já alisei meu cabelo quando era pequena. A pressão da sociedade me fazia alisar, porque na escola as meninas ficavam falando que meu cabelo era duro, ruim, de bombril, essas coisas. Aí, pra não ser mais zoada por toda a escola, eu pedi pra alisar o cabelo, porque a gente sofre muito lá. Mas agora minha mãe me leva em eventos de mulheres negras com cabelos lindos, igual ao meu, e aí eu não quis mais alisar e, se alguém me xingar, eu vou ligar sim, né? Mas já tenho até resposta pra dar.

Sofria agressões físicas na escola? 
Não. Me chamavam de cabelo duro, essas coisas mesmo. Mas elas só me xingavam, não mexiam com cabelo, nem me batiam.

O que fez você se afirmar com o cabelo? 
Minhas músicas. Porque eu canto muita música de cabelo natural. E o que eu passei não quero que as outras crianças sofram também.Porque na maioria das vezes não é a criança que quer alisar, é a família que quer e a pressão na escola, porque ficam xingando ela. Aí eu passo a música pras crianças que têm cabelo black pra incentivar elas e usar o próprio cabelo.

Você consegue influenciar os amigos? 
Acho que sim, né? Porque lá na escola tinha umas meninas com cabelo preso, cabelo alisadinho, que tinham um cabelo enrolado lindo, mas ficavam alisando, e começaram a usar o natural quando ouviram minhas músicas e as coisas que eu falava pra elas sobre esses encontros que eu ia com minha mãe.

LÚCIA UDEMEZUE E O MANIFESTO CRESPO


Quem é o Manifesto Crespo? 
Nosso trabalho nasceu a partir de discussões sobre as diversas questões do universo da cultura afrobrasileira, suas produções artísticas e estéticas, buscando reconhecer seu valor e fortalecer a memória e a autoestima de mulheres negras, numa luta pelo resgate das nossas origens – uma vez que o Brasil conta com a maior população originária da diáspora africana. Temos como foco central a discussão sobre como o cabelo crespo pode e deve ser encarado de uma forma criativa, fazendo com que se desmistifique a ideia de que existe cabelo ruim.

Quais os resultados alcançados pelo coletivo? 
Tem um exemplo que aconteceu no Sesc. Hoje em dia espaços culturais e educacionais como o SESC fortalecem bastante com essa oportunidade de falar de identidade, corpo e cabelo crespo através de oficinas de tranças e turbantes. Mesmo com alguma resistência ao tema por parte de alguns profissionais da educação o retorno das nossas atividades é sempre muito positivo pois é um espaço para desmitificar esse corpo negro, esse cabelo sempre chamado de ruim e difícil. Nós sempre recebemos mensagens de pessoas que se empoderaram e abriram empreendimentos de beleza a partir da nossa oficina e que passaram a ter uma visão diferente sobre os “padrões de beleza”. Essa questão da trança, de aprender a trançar o cabelo.

Existe preconceito ainda maior contra o cabelo realmente crespo? 
Acho que existe sim esse preconceito com cabelos mais crespos, com essa questão do relaxamento. [Relaxamento] é uma forma de alisamento, não é? Então acho que existe ainda uma questão pra se resolver com esse tipo de cabelo. Tem uma história muito curiosa que eu vi essa semana, que nos Estados Unidos eles até dividem o cabelo crespo em categorias. Então o meu, que é mais crespo, seria tipo um C4, e o seu um C2. Então existe, sim, é uma barreira.

Cabelo crespo: moda ou ato político? 
Nossa, essa é difícil (risos). Pode ser moda, pode ser ato político. O importante é que a pessoa, a mulher principalmente, tenha direito ao corpo, entendeu? Isso é o que importa. O que ela vai fazer depois, se vai pelo lado estético ou mais atrelado ao manifesto político, é uma opção dela, a questão é ter direito ao corpo. Ela tem que ter o direito de alisar e de usar natural também, e não pode ter que ser “aceita” por um conceito de beleza criado pela sociedade.

Além de Lúcia, o Manifesto conta com Denna Hill, Nênis Vieira, Nina Vieira e Thays Quadros.


Dificuldade para encontrar um salão especializado 
Na conversa com a reportagem, Paula relatou a dificuldade que sente em encontrar um salão de beleza que saiba tratar o cabelo crespo, o que a faz optar pelo tratamento caseiro mesmo. “Já fui em salão pra hidratar e o cabelo saiu mais seco do que chegou. Então tenho que me virar, eu vou me experimentando, vou mudando, e parece que tem dado certo pelos elogios que recebo (risos)”, disse ela.

Para esclarecer esse lado estético, o Terra tentou entrar em contato com o Instituto Beleza Natural, chegando até a enviar perguntas para o local, mas não obteve respostas até a publicação da reportagem.


Fonte: Terra

Aluna da UnB é primeira cigana a concluir doutorado na América Latina


Paula Soria teve de deixar seu grupo, que preza a oralidade e rejeita a escrita, para estudar. Em sua tese, analisa os estigmas atribuídos aos romà na literatura

Por Marcela D´Alessandro,
A tese de 330 páginas e a dissertação, de 112, foram pouco para preencher a necessidade e a vontade de estudar de Paula Soria. Agora doutora em Literatura pela Universidade de Brasília (UnB), a pesquisadora, que pertence ao grupo romà – nomenclatura para ciganos, ratificada durante o I Congresso Mundial Romani, realizado na Inglaterra em 1971 –, espera que sua história seja exemplo para que outras romani possam trilhar trajetórias acadêmicas sem abandonarem seu povo.

Apesar dos obstáculos que teve de enfrentar para chegar ao título, Paula se prepara para continuar no caminho da pesquisa. “Tem muita coisa para escrever ainda. Meu desejo era começar e não parar nunca mais”, afirma Paula, que já pensa em desenvolver outro trabalho, abordando estudos culturais, para aprofundar o tema pelo qual se diz apaixonada.

Oriunda de uma comunidade que valoriza a oralidade e rejeita a escrita, começou os estudos aos 10 anos de idade, quando teve a permissão de seus pais. O combinado era que ela, assim como as outras romani que ingressavam na escola, deixasse os livros para se casar, aos 15 anos. Seu casamento já estava arranjado, mas Paula tinha sede de aprender desde criança.

Para seguir com seu sonho, a menina teve de deixar a casa dos pais e a família romani – de quem pôde reaproximar-se e ganhar algum apoio só depois de muito tempo. Nessa trajetória, contou com a ajuda de amigos e, posteriormente, do marido não-romà para seguir com os estudos. Terminou o ensino básico, o superior e se formou jornalista na Universidad Nacional Autónoma de Honduras (UNAH). Seguiu pela Argentina e, já no Brasil, graduou-se no curso de Artes Cênicas da UnB.

“Na minha cultura tem muitos artistas e a gente acaba achando que tem que ser artista também”, afirma a romani, com bom humor. “Mas eu sempre gostei de literatura e já na minha graduação comecei a buscar disciplinas nesse campo para entender um pouco mais daquele mundo que me fascinava desde pequena”.


No mestrado – realizado no Departamento de Teoria Literária e Literaturas da UnB –, Paula analisou, entre outros, dois romances dorom argentino Jorge Nedich e discorreu sobre a influência das representações literárias na realidade étnica romani e de que forma validaram as imagens negativas sobre os romà; também abordou a dificuldade de ruptura com esses padrões estigmatizados.

No doutorado, deu sequência aos estudos e buscou obras de autores não-romà de diversas nacionalidades que tratavam dos romà com diferentes abordagens – a maioria delas, segundo a pesquisa, preconceituosas e estereotipadas – e livros de escritores romàcontemporâneos. De acordo com Paula, estes tentavam desconstruir tais introjeções e construir uma nova identidade.

“Procurei privilegiar o olhar de dentro para fazer algo crítico, mostrar como os romàs pensam. E para que não houvesse tanto estranhamento, tentei fazer uma espécie de tradução do que os escritores apresentam e o que aquilo significa dentro da comunidade”, explica Paula.

Sua orientadora nos dois trabalhos, Sara Almarza, diz que foi uma oportunidade de grande aprendizado em muitos assuntos. “Foi uma honra ter orientado essa pesquisa. Tenho 25 anos de Universidade de Brasília e este foi o trabalho de maior envergadura que já fiz”, exclama, orgulhosa, a professora.


MULHERES ROMANI – Paula Soria lembra que, em boa parte dos grupos, as mulheres ainda são minoria, subalternizadas pelas sociedades majoritárias e por uma cultura interna ainda patriarcal e sexista. “Elas têm que seguir o marido, obedecê-lo, trabalhar só com ele. Em grupos como o meu, as mulheres ainda têm que ir pras ruas ler mãos porque é uma tradição, mesmo que não precise. Então, aquela que consegue romper com tudo isso e ser escritora, traz uma voz muito diferente, de minoria dentro da minoria e que sobressai muitíssimo”, analisa a romani que é a primeira mulher “cigana” a concluir o doutorado na América Latina.

Segundo sua pesquisa, antes dela houve um homem rom que também chegou ao título no Brasil e sua temática se referia à Biologia. Nos demais países da América Latina, não há registros de mulheres romani doutoras.

Em sua tese, Paula afirma que, mesmo não sendo maioria entre os escritores no mundo, não são escassas as escritoras romani que se aventuram a escrever poesias, contos e romances de grande literalidade e engajamento social.

“São elas que carregam consigo a responsabilidade de transmitir a cultura, a tradição e os costumes para as novas gerações e que hoje são, visivelmente, as principais protagonistas das mudanças no seio do grupo étnico”.

Paula Soria pôde observar ainda que a literatura ou a escrita não representam perda de elementos intrínsecos ao âmbito da oralidade, enaltecida pelos romà, mas permite o resgate e o registro da memória étnica e possibilita o reconhecimento desse povo perante a sociedade.

“Tenho interesse que conheçam outros aspectos do meu povo, da existência da literatura romani, do seu significado no contexto étnico atual. Dialogo com várias questões relacionadas a estereótipos, preconceitos, estigmas e a invisibilidade e silenciamentos históricos, tentando provocar também uma espécie de transformação do pensamento do leitor de minha tese ou dos artigos que penso escrever em relação aos romà“, conclui.

Fonte: UnB.

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Mulheres negras enfrentam problemas semelhantes na América Latina

Estudos e especialistas apontam que as mulheres negras vivem em condições 
semelhantes na América Latina e no Caribe 
(Antônio Cruz/Agência Brasil)

por Akemi Nitahara,
Cerca de 200 milhões de pessoas que se identificam como afrodescendentes vivem na América Latina e no Caribe, o que corresponde a 30% da população dessas regiões, conforme estimativa da Associação Rede de Mulheres Afro-Latinas, Afro-Caribenhas e da Diáspora (Mujeres Afro). Apesar do número, os negros são os mais afetados pela pobreza, marginalização e pelo racismo, em especial as mulheres.

No Dia da Mulher Afro-Latino-Americana e Caribenha, celebrado hoje (25), e no primeiro ano da Década Internacional dos Afrodescendentes, instituída pelas Nações Unidas, os problemas enfrentados pelas mulheres negras ganham visibilidade.

Levantamentos de alguns países mostram essa situação. Em Porto Rico, por exemplo, estudo mostra que um homem branco com ensino superior tem 89% mais chances de entrar no mercado de trabalho. No caso das mulheres negras, o percentual é menor: 60%. No Uruguai, a taxa de desemprego chega a 7%, mas entre as mulheres negras sobe para 14,3%.

A situação das mulheres negras foi discutida entre os dias 26 e 28 de junho em Manágua, na Nicarágua, durante a 1ª Cúpula de Lideranças Femininas Afrodescendentes das Américas.

O documento Plataforma Política, preparatório para a cúpula, aponta que “se assume que a situação de marginalização e exclusão socioeconômica que vivem as populações afrodescendentes se deve mais à situação de classe do que ao próprio racismo, que sustenta a ideia de que se forem alcançados níveis socioeconômicos mais altos não se teria barreiras para a mobilidade social e, portanto, não seriam vítimas de racismo. Sobre esta base está instalada a ideologia da democracia racial que invisibiliza as diversas maneiras em que o racismo se expressa de forma subterrânea mas devastadora”.

“Nós, mulheres negras, pertencemos a uma mesma comunidade de destino. Foi possível evidenciar mais uma vez que racismo, sexismo, lesbofobia, fundamentalismos são os mesmos vetores que movem a dominação e a exclusão de milhões de mulheres negras no Continente”, disse Nilza Iraci, coordenadora de comunicação do Geledés – Instituto da Mulher Negra, que participou da cúpula.

A coordenadora relatou que, durante a cúpula, foi possível perceber as semelhanças nas condições das mulheres negras. “Um exemplo clássico é verificar as falas da palanquera, da Colômbia; das quilombolas, do Brasil; e das garífunas, na América Central. Juntas falam de problemas e vivências semelhantes, como se fosse uma comunidade única. Também pode ser verificado entre as jovens da região, falta de oportunidades, emprego e perspectivas; e em todas as mulheres que vêm sendo vitimizadas pelo avanço dos fundamentalismos religiosos que tentam legislar sobre seus corpos e sua sexualidade. Ou seja, esses fatores formam um caldo de cultura onde a mulher negra é a mais vitimizada”.

Para a representante da Organização das Nações Unidas (ONU) Mulheres no Brasil, Nadine Gasman, o Brasil se destaca na América Latina por ter políticas públicas e instituições oficiais de combate às desigualdades, como a Secretaria de Política para as Mulheres (SPM) e a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir).

“Nós falamos muito em acelerar os processos para garantir que essas diferenças diminuam em um tempo rápido, porque são brechas históricas que têm que se fechar. Mas as políticas públicas, o Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida, o Pronatec, o Brasil sem Miséria têm sido políticas muito importantes que têm mudado a cara e a inserção das mulheres negras no Brasil de uma maneira muito importante”.

No entanto, a representante reconhece que as mulheres negras estão atrás nos indicadores sociais e econômicos do país. “Por exemplo, em termos de pobreza, a população negra é mais vulnerável, sete em cada dez casas que recebem o Bolsa Família são chefiadas por negros, sendo que 37% das casas são chefiadas por mulheres. Temos entre mulheres brancas um desemprego de cerca de 9%, entre as mulheres negras ultrapassa 12%. Outra área que vale a pena ressaltar é o tema da renda. As mulheres negras recebem 42% do salário dos homens brancos. É muito chocante elas receberem menos da metade do salário dos homens brancos”.

Para Nilza Iraci, do Geledés, o maior avanço no país foi a organização dos movimentos sociais, já que “os indicadores sociais têm demonstrado que, apesar da conquista de políticas públicas, elas não têm sido capazes de transformar a realidade e a vida de milhares de brasileiras”.

A Secretaria de Políticas para as Mulheres destaca que o governo federal tem implementado, na última década, diversas políticas voltadas à promoção da igualdade das mulheres negras, como o Programa Pró-Equidade de Gênero e Raça, a aplicação da Lei Maria da Penha e o enfrentamento da exploração sexual e do tráfico de mulheres.

Para este ano, a secretaria deverá criar um grupo de trabalho para atender mães que perderam os filhos, vítimas de violência. Em novembro, será realizada a 1ª Semana das Mulheres Negras no Mês da Consciência Negra e uma consulta nacional a quilombolas e afrodescendentes para a 4ª Conferência Nacional de Política para Mulheres.

Fonte: Agência Brasil.

Por eu sempre tenho que ser forte? Sobre psicologia, racismo e o vazio.


Por Mara Gomes
Quando pensamos em Psicologia nos inclinamos de primeira a afirmar que esse campo se relaciona com a ideia de escuta entre psicólogo e paciente´. Esse paciente solicita ajuda para um sujeito dotado de um conhecimento acadêmico de saúde. O paciente deve receber de volta desse psicólogo um diagnóstico, ou uma possível solução para o seu problema, um alívio para o sofrimento psíquico.

O psicólogo é um profissional de saúde possivelmente capaz de diagnosticar, tratar, ajudar, dentre outras coisas, indivíduos ou grupos, ou seja, o seu trabalho é saciar, ou tentar saciar, a demanda vinda dos pacientes. Digo possivelmente porque muitos psicólogos não trabalham sempre com diagnóstico, o que acredito às vezes ser algo bom por diversos motivos que não são necessários pontuar aqui. O mais importante é que muitos psicólogos não sabem ajudar ou seguir um processo de tratamento que vise o bem do paciente e não o seu próprio ganho pessoal. Isso acontece porque o ensino da psicologia, ou seja, o campo psi é, e sempre foi, branco, eurocêntrico, elitista e individualista. Um campo no qual alguns não chamam o sujeito mais de paciente, mas sim de cliente. Um lugar onde o dinheiro fala mais alto que qualquer entendimento de saúde e bem-estar possível. Óbvio que existem exceções à regra, existem vertentes dentro da psicologia que se propõem a um tratamento não tão individualista e fechado, mas não falaremos da exceção, porque quem esmaga é regra.

Estudo psicologia há 3 anos e nunca estudei em sala de aula, nas disciplinas obrigatórias, qualquer autor negro, não só eu como os meus trinta e poucos colegas brancos, que muito mais que eu, precisariam muito ter essa vivência pra intensificar o seu conhecimento de tratamento. Principalmente por serem em sua maioria pertencentes à classe média branca e o único contato com o negro que tiveram foi provavelmente com a empregada ou o porteiro do prédio onde moram. Por isso a psicologia é um lugar não acolhedor para todos, ela não é feita para todos, é feita pra quem pode.

Com todos esses atravessamentos difíceis do campo psicológico pra nós negros entra o pensamento: por que eu pediria ajuda para alguém que não entende nada da minha vivência? Por que eu pediria ajuda para alguém que não entende o racismo? Alguém que não aprende sobre racismo. Ou pior, alguém que diz que eu estou exagerando e que o racismo não é um problema brasileiro. Deixar claro-escuro que algumas dessas frases foram recebidas por pacientes negros dentro do consultório psicológico. Porém, o maior problema não está só na busca por um psicólogo, mas também na não busca dele.

Digo isso por causa do silenciamento que nos é dado nos espaços da vida, do vazio que é como uma mão que nos cala e nos impõe a abraçar um sofrimento psíquico que não nos faz bem. Que vem diretamente da introjeção no saber popular de que o sofrimento deve ser aguentado, deve ser resistido, ou melhor deve ser enfrentado com o silêncio principalmente dentro da comunidade negra. O meu maior propósito com esse texto, que vem em forma de desabafo, é dizer que nós não precisamos sofrer, nós não precisamos viver resistindo constantemente porque alguém nos disse que negro é forte, que negro não pode reclamar, que sofrer e chorar é frescura. É preciso colocar o nosso poder de mudança, o poder do nosso ato de existência além da resistência pura. Por existir sentimos, por sentirmos também sofremos, e por sofrermos precisamos inevitavelmente desabafar.

Por ser uma mulher negra no meio universitário ocupo um lugar de privilégio, porque é muito difícil pra nós negros entrar na academia e sobreviver dentro dela, ainda sei como é ser resistência, em estado constante, no dia-a-dia, o dia inteiro. Sei que precisamos também de alívio, precisamos também, mesmo com todos os problemas que o campo psi traga, nos permitir a pedir ajuda, nos permitir a soltar o peso enorme que carregamos nos ombros constantemente por cada dia que vivemos com medo de morrer, cada dia que vivemos contrariando as estatísticas. Nós também sentimos.

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Imagem destacada do vídeo
This Is What It Feels Like To Be Depressed

Mara Gomes é estudante de psicologia, apaixonadíssima por quatro efes: Feminismo, Filosofia, Foucault e Frida Kahlo. Administra a página A Mulher negra e o Feminismo e alimenta ainda aquele velho sonho de mudar o mundo.

A supreendente ascensão do feminismo negro


Marcha do Orgulho Crespo. Virada Feminista. Oficinas de Tranças e Turbantes. Julho das Pretas. Multiplicam-se iniciativas que afirmam: democracia feminista será preta, pobre e periférica – ou não será

Por Inês Castilho,
São evidentes os sinais de maturidade e crescimento da onda do feminismo negro. Nas ruas já se fazem notar os cabelos crespos ou trançados e turbantes coloridos, na contracultura do alisamento que marcou os penteados femininos, das brancas inclusive, nos últimos tempos. Décadas de luta do movimento negro, somadas às políticas públicas inclusivas nas universidades dos últimos anos, à multiplicação de saraus pela periferia e de blogueiras negras na rede já exibem frutos.

Neste segundo semestre, eventos se sucedem com grande velocidade em São Paulo: da primeira Virada Feminista, 4 e 5 de julho na Zona Norte, à 1ª Marcha do Orgulho Crespopelo dia da Mulher Negra, Latino-americana e Caribenha, 25 de julho, em preparação à Marcha sobre Brasília pela Consciência Negra, em novembro, de caráter nacional, anunciada com um Manifesto contra o Racismo e a Violência e pelo Bem Viver. E ainda o lançamento do livro didático e fotobiografia da antropóloga e ativista Lélia Gonzalez, que encarna grande parte dessa história.


“Enegrecer o Feminismo”, roda da Virada Feminista, deixou “de cara, estimulada pela grande presença de mulheres negras” a educadora artística Margot Ribas, que estava ali para falar da partidA – o movimento nascente de mulheres, predominantemente brancas, para a possível construção de um partido feminista. “Foi prazeroso participar da oficina de turbantes, dar uma xeretada nas bruxas que ensinavam poções como alternativa aos remédios da indústria farmacêutica, e encontrar velhas amigas da militância das mulheres”, comentou.

Ali mesmo foi divulgada a próxima atividade, preparativa à edição nacional da Marcha das Mulheres Negras marcada para 18 de novembro em Brasília. “Nossos passos vêm de longe – narrativas de mulheres negras” é uma entre as muitas ações do Julho das Pretas, de programação extensa sobre saúde, feminismo negro, genocídio da juventude negra, representações e intervenções artísticas.

A 1ª Marcha do Orgulho Crespo, organizada pelos grupos Hot Pente, Blog das Cabeludas e Casa Amarela, ocorreu neste domingo, 26 de julho, no vão livre do Masp, de onde seguiu pela Avenida Paulista até a ocupação artística da Consolação. Também para marcar a data, a Cidade Tiradentes preparou a 1ª mostra cultural Mulher Afro Latinoamericana e Caribenha. E ainda no dia 25 acontece a Ocupação Preta no Centro Cultural da Penha, com oficina de turbantes, roda de conversa e show de mulheres rappers e do hip hop: “pulsante produção realizada por artistas, coletivos, grupos e companhias de teatro e dança que produzem arte engajada que coloca em xeque o mito da democracia racial”.


As oficinas de trança e turbante se multiplicam pela cidade e são um hit nesses eventos. Os incríveis trançados, cores e formas desses adereços são ao mesmo tempo instrumento de beleza e afirmação cultural, a exemplo do que ocorre nos EUA – como retratado pela escritora nigeriana Chimamanda Ngozie Adichie em Americanah, livro de cabeceira de muitas e muitos em vários cantos do mundo.

Nós da rede

Algumas falas recolhidas na Virada Feminista denotam a intrincada confluência em que se encontra esse levante feminista negro, tão igual e ao mesmo tempo diferente do feminismo branco, também em plena onda. ”A mulher negra é invisível no feminismo. O feminismo que está aí não nos tem como referência”; ”A mulher branca brigou pra ir trabalhar. A mulher negra sempre trabalhou e luta por seus direitos, pra ser tratada com dignidade no trabalho. Só recentemente conseguiu os direitos trabalhistas como doméstica.”

Para Margot Ribas, um feminismo que não reconhece a existência de uma condição específica da mulher negra está mal informado. “O racismo é tão forte e naturalizado na nossa sociedade que as pessoas são racistas até por automatismo. É esse racismo velado e automático que impede a população negra de avançar socialmente”, observa ela, cabelos afro. “Temos muito que conversar. Racismo é assunto delicado, espinhoso e necessário.”

O feminismo negro encontra-se em terreno delicado também frente aos homens do movimento negro. ”Quando as mulheres querem se organizar, os homens dizem que queremos rachar o movimento”; ”A gente quer um espaço só nosso. Toda hora voltar atrás e ver o que os homens acham não dá mais. Temos que buscar autonomia.” ”A mulher negra está entre o racismo e o machismo” – resume uma das falas.

As feministas negras apontam os vícios das narrativas e representações das pretas na educação formal e informal. ”Na mídia a mulher negra ou é objetificada ou vista no papel da empregada, que não tem vida própria, não tem família”; “Desde a escola, a mulher negra não existe como protagonista. As crianças não conseguem citar um nome sequer”; ”Tem que ter feminismo na escola.”

O surpreendente ascenso das mulheres negras ganhou impulso com a instituição do ProUni (Programa Universidade para Todos), em 2005, das cotas para negros e indígenas nas universidades e, mais recentemente, no programa de ação afirmativa na pós-graduação coordenado pela saudosa Fulvia Rosemberg, da Fundação Carlos Chagas.

Contudo, o artigo O quanto somos pretas, do grupo Nós Mulheres da Periferia, mostra como ainda é dramática sua inserção social. “Na base da sociedade, a mulher negra tem um rendimento médio de R$ 760,27, inferior ao do homem negro. A mulher branca (R$ 1.437,64) ocupa posição superior ao do homem negro, mas ainda não atinge o homem branco. Em termos de igualdade de gênero, estamos duas casas atrás no ‘jogo da vida’. O ensino superior tem atingido apenas 10,9% das pretas. Nos cargos de direção das empresas privadas, somente 9% tem liderança negra e feminina.”

Segundo dados do Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) de 2011, 61,6% das 6,5 milhões de mulheres que exercem o trabalho doméstico remunerado no Brasil são negras, pobres e com baixa escolaridade, a maioria sem vínculo trabalhista formal. Na Câmara dos Deputados, as pretas são 0,6% e as pardas 1,6%, entre 8,3% de mulheres brancas e 71% de homens brancos, 15% de pardos e 3,5% de pretos.


Raízes

O lançamento, em 15 de julho, do Projeto Memória Lélia Gonzalez, veio regar as raízes dessa frutificação exuberante. Lélia, que escrevia em “pretuguês”, recriando a língua para falar da história do seu povo, “enegreceu o movimento feminista e feminizou a raça”, como afirma a filósofa Sueli Carneiro, herdeira intelectual de Lélia e autora de sua fotobiografia. Colaboradora do jornal feminista Mulherio (1981-1988) desde as primeiras edições, deixou grande legado nos estudos sobre raça e gênero do país, além de originar com sua obra diversos outros trabalhos.

Naquela tarde, o clima era esfuziante no Centro Cultural Banco do Brasil. Cabelos e turbantes em rostos negros sorridentes, alguns homens, poucas brancas: Eva Blay, que presidiu o primeiro Conselho Estadual da Condição Feminina (1983), Beth Vargas, convidada para a ouvidoria da Faculdade de Medicina da USP depois do escândalo da violência contra as estudantes, Schuma Schumacher, anfitriã do evento pela Redeh, ao lado do Geledés.

A noite era de encontro e eu estava lá, cabelos quase brancos. De volta. Quando finalmente cheguei à mesa em que Sueli Carneiro autografava os livros, um abraço emocionado e a dedicatória lembrando “Mulherio, uma das casas preferidas de Lélia e memória de nossa nascente, possível e desafiadora sororidade.”

Oxalá! A democracia feminista será preta, pobre e periférica – ou não será.

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Imagem Paulo Ermantino