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sexta-feira, 4 de abril de 2014

Sobre alisamento capilar, racismo e liberdade


Quero falar sobre alisamento com quem ainda alisa o cabelo. Acredite, você não é melhor nem pior que ninguém por causa disso e talvez só te falte conhecimento sobre a agressividade que você ainda pratica contra si mesmx. Um pouco de vontade de entender e guarda baixa e eu prometo que a compreensão se tornará fácil. Sei que existe uma parcela considerável de meninos que praticam alisamento nas madeixas, mas a opressão acontece com mais vigor pra cima do gênero feminino. Alisei os cabelos por 14 anos que me fizeram ter propriedade pra falar sobre essa rotina capilar opressora. Você sabia que o padrão de cabelo liso é europeu e nos é imposto? Sim, observe quantos salões brasileiros oferecem todas as formas de alisamentos possíveis e vivem lotados de meninas buscando tratamentos ilusórios para seus cabelos crespos.

A simbologia que isso nos trás é a de que: negue, alise sua raiz, aquele seu fio crespo que está começando a nascer resistente a quem te impõe o liso, é muito feio. O esconda. Você não consegue perceber isso, pois a mesma lógica opressora te faz responder que isso não é racismo, não é preconceito consigo mesma e que você só alisa o cabelo, pois é mais prático ou por que combina mais com você. Eu sei disso, visto que era a desculpa que eu sempre usava pra não reconhecer o quão errado e chato é se negar. Como é frustrante perceber que seu cabelo nunca vai ser igual aos anúncios racistas e que os produtos utilizados para alisar o seu cabelo só o detonam cada vez mais. Como acaba sendo cruel consigo mesma não dar visibilidade àquilo que é bonito. Sim, cabelos crespos são lindos, moça.

Eu concordo e defendo a bandeira de que o corpo é seu e de que você tem o direito de fazer o que quiser com ele, mas, por favor, reflita antes de tudo: O que você tem feito é por que você quer? Se você quer, o que te motiva a isso? Se no final, a resposta te levar a um padrão de opressão, tá tudo errado. Acredito que o mesmo vale pra quem tem o cabelo liso ou encaracolado e quer a todo custo “baixar” o volume. Quem foi que te disse que o volume precisa ser baixo? O alto é muito mais divertido. Não acredite que você precisa recorrer a produtos esdrúxulos periodicamente pra ter um cabelo legal. O padrão racista adotado na indústria cosmética não quer que você resista ou perceba o quanto ela oprime a nossa identidade.

O período de transição não é fácil, eu ainda estou nele, mas a delicia de sentir cada centímetro crescendo e dando volta é muito gratificante. Você se redescobre e se descobre diferente de quem ainda precisa correr da chuva, de quem ainda precisa ir ao salão pra esconder a raiz, de quem ainda estica e puxa no secador, de quem liga a chapa pra fritar o cabelo, de quem se nega e não resiste à opressão, você se descobre diferente de quem quer ser igual. Talvez um dia todas prestem atenção no racismo sutil e ainda forte por trás da indústria que ainda insiste em nos encaixar em um padrão que não nos visibiliza. Mas juntas, somos e seremos ainda mais fortes. Força e liberdade pra dentro e fora da cabeça.

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Rebecca Nascimento é jornalista.

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