Não é novidade que a mulher negra sempre geriu, organizou e sustentou emocional e materialmente muitos lares. Agora, além de cuidar da família, ela ganha espaço no mundo empresarial
POR MAITÊ FREITAS,
Nos últimos dez anos, as pesquisas apontam o crescimento da população feminina, e como consequência, está acontecendo uma mudança no cenário do empreendedorismo brasileiro. De acordo com o SEBRAE, o número de negros empreendedores cresceu 28,5%. De acordo com a Pnad – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE, a participação das mulheres no mercado de trabalho passou de 41,7% (2001) para 42,2% (2011); o número de mulheres à frente de um negócio passou de 28,7%, em 2001, para 30,8% em 2011.
Embora o crescimento apresente um novo aspecto na produção e participação do negro na economia brasileira, pesquisas indicam que mulheres continuam tendo salários menores do que os homens, e quando o recorte se soma ao parâmetro racial, as diferenças se tornam ainda maiores. “As mulheres têm avançado na conquista de seu espaço no mercado de trabalho ao longo dos últimos anos, têm conquistado mais postos de destaque e cargos de liderança, tanto em empresas como nos governos. Entretanto, ainda temos desafios. Apesar de sermos a maioria entre as pessoas em idade ativa – 52,3% – ainda somos minoria entre as pessoas ocupadas – 42,4% (PNAD 2012). Além das dificuldades de acesso ao mercado de trabalho, quando ocupadas, as mulheres recebem menos do que os homens”, aponta Tatau Godinho, da Secretaria de Políticas do Trabalho e Autonomia Econômica das Mulheres da Presidência da República.
Além do fator de gênero, o fator racial aumenta os índices da desigualdade entre homens e mulheres negras. “O racismo é um importante indicador de análise da dinâmica das relações no mundo do trabalho, considerando que a situação de desigualdade das mulheres negras se manifesta de formas variadas: ocupação dos postos mais baixos da escala salarial, com maior precarização; remuneração desigual em ocupações de igual categoria; discriminação na admissão, promoção e qualificação. Somado a isso, são obrigadas a conciliar o emprego com as responsabilidades familiares, enfrentando assim uma dupla ou tripla jornada de trabalho.
Apesar de as mulheres terem sido incorporadas às novas atividades produtivas, as relações de poder entre mulheres e homens e entre mulheres brancas e mulheres negras nestes espaços não têm se alterado significativamente ao longo dos anos. Segundo o IBGE, entre os donos de negócios existentes no Brasil, por exemplo, 31% são mulheres e 69% são homens. A participação das mulheres é ligeiramente maior na categoria outros (principalmente amarelos), com uma proporção que chega a 34% do total, e cai para 32% na categoria dos brancos e 29% entre os pretos e pardos. A participação dos homens é de 71% nos pretos e pardos, 68% nos brancos e 66% nos outros (e 69% na média geral)”, explica Mônica Alves de Oliveira, diretora de programas da Secretaria de Ações Afirmativas da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.
Outro fator que aponta as desigualdades se dá no território brasileiro: “52% dos novos empreendedores - aqueles com menos de três anos e meio de atividade - são mulheres. A força empreendedora feminina é a maioria em quatro das cinco regiões brasileiras. Apenas no Nordeste elas ainda não ultrapassaram os homens, mas estão quase lá, com aproximadamente 49% de participação entre os novos empresários. As mulheres também são mais escolarizadas e investem mais em qualificação, buscam acesso às informações, não permitem amadorismo”, aponta Luiz Barreto, presidente do SEBRAE.
Se por um lado a tendência histórica são as mulheres negras ocupando os serviços domésticos, por outro, o aumento de experiências empreendedoras entre a comunidade negra feminina muda o curso dos números, que reforçam aspectos de uma sociedade onde a democracia racial e de gênero e as políticas de ações afirmativas sejam incipientes ao processo de equidade social; o aumento de mulheres no mercado empreendedor é notável nos últimos anos, apresentando aspectos econômicos de concorrência e criação de uma segmentação de público notável. Do mercado da moda à criação de produtos voltados ao segmento afrodescendente, as mulheres negras estão se fazendo notar. “Analisando a categoria das mulheres que trabalham por conta própria, vemos, mais uma vez, que elas estão mais concentradas em áreas semelhantes àquelas que empregam mais mulheres no mercado de trabalho: 32,6% das mulheres atuam no setor de serviços e 29,8% no comércio. O setor de atividade com menos de presença de mulheres é o da construção. Apenas 0,2% das mulheres que trabalham por conta própria atuam nesse ramo”, explica Godinho.
Um exemplo notável entre as empreendedoras paulistanas, Adriana Barbosa há onze anos realiza o primeiro e único evento que reúne empreendedores negros, a Feira Preta. “A mulher negra, ao longo dos últimos anos, vem construindo suas próprias estratégias para superar os desafios e obstáculos do dia a dia, e olha que não são poucos. Não é à toa que boa parte do perfil empreendedor da Feira Preta são mulheres, não só da Feira como o perfil dos afro-empreendedores que tem aparecido nas pesquisas que fazemos sobre o tema. O perfil empreendedor da mulher negra não é de agora, há muito tempo ela comanda a maioria dos lares brasileiros, é ela que traz o dinheiro pra casa e cuida da parte orçamentária da família. E traz o dinheiro pra casa com pequenos negócios, seja vendendo quentinhas, fazendo cabelo, ou criando peças de artesanato. Muitas delas estão na informalidade, mas já empreendendo há muitos anos”, observa Adriana.
Políticas, formação e reconhecimento da afro-empreendedora
Exemplo entre as mulheres empreendedoras negras de sucesso, Zica Simões foi indicada na lista da Forbes como uma das brasileiras mais influentes. “É maravilhoso! Quando a gente começa um novo negócio nunca sabe ao certo onde pode chegar. Estar na Forbes é algo que eu nunca tinha imaginado. De repente, você está no meio daquelas pessoas grandiosas, formadores de opinião em diferentes setores do mercado. O preconceito ainda existe, mas momentos como esse, certamente, trazem esperança para as mulheres e mostram que é possível alcançar seus sonhos”, disse Zica Simões.
Contudo, o caso de Zica ainda é uma exceção e inspiração entre as mulheres negras empreendedoras. As histórias das microempreendedoras têm em seu começo um ponto em comum: as dificuldades de investimentos e a falta de conhecimento. “O início é sempre caótico, por falta de instrução e conhecimento, saímos fazendo tudo e de qualquer jeito, daí quebramos a cara aqui e ali, e vamos ajudando umas as outras, com informações, relatos de experiências ruins, contatos, a coisa vai acontecendo. Mas só percebemos o quanto não sabemos quando estamos a alguns passos a frente e olhamos pra trás. Aí conseguimos ver o conhecimento adquirido em áreas que não fazem parte da história do negro no Brasil, por exemplo administrar. Somos treinados a ter um patrão, a seguir ordens e obedecer. Quando nos deparamos com uma situação que necessita deste tipo de empoderamento, quase sempre não conseguimos resolver”, relata Marçal.
“As políticas públicas necessitam considerar que os empreendedores negros, pela própria situação de racismo, muitas vezes não estão devidamente institucionalizados, ou não preenchem as exigências mínimas para acessar benefícios e recursos oriundos de políticas públicas específicas para este setor. Neste sentido, os critérios precisam mudar para comportar estes novos empreendedores. E o processo de divulgação dos benefícios dos editais tem que levar em conta as especificidades deste empreendedor”, reitera Cida Bento, do CEERT.
Fonte: RacaBrasil.
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