Estudantes africanos da Universidade de Brasília se unem para enfrentar as diferenças culturais e demonstrações de racismo. Eles reclamam dos comentários depreciativos sobre a África e das atitudes preconceituosas de colegas
Martin Fonkoua (E), de Camarões; Pereira João, de Angola; Jonathan Fumupamba, do Congo;e Arthur Nnang, também camaronês: diferenças culturais.
Quem passa diariamente pela entrada do Restaurante Universitário se surpreende com um português com sotaque diferente.Às vezes, dá até para ouvir nosso idioma misturado com frases em francês ou inglês. A porta do RU da Universidade de Brasília é ponto de encontro dos estudantes africanos, que, com ou sem bolsa de estudos, se unem para compartilhar as dificuldades de encarar a cultura diferente e conversar sobre disciplinas, mas também sobre festas e novos amigos, como qualquer outro aluno nascido no Brasil.
Só na UnB, eles são 151 estudantes, vindos de 21 países. Setenta vieram de nações onde também se fala o português,com o Angola e Guiné-Bissau.O restante é de países onde se fala o inglês, como a Nigéria, ou o francês,como Camarões. É de lá que vem Arthur Nnang, 30 anos, doutorando em engenharia civil que já tem o português bem fluente, fruto dos seis anos que se passaram desde que chegou ao Brasil. “A língua foium grande desafio no começo, mas a gente consegue melhorar falando com as pessoas e assistindo às aulas”, comenta o camaronês.
Arthur é líder daUnião de Estudantes Africanos. “Nós ajudamos os novos estudantes a se adaptarem”, explica. Além do idioma, das dificuldades para se conseguir auxílio moradia e em descobrir como funciona o sistema de matrículas daUnB, Arthur afirma que diferenças culturais são outro obstáculo. Às vezes, esse choque pode ser constrangedor. “Por exemplo, explicamos que, no Brasil, é normal ver duas pessoas se beijando em público, coisa que na maioria dos países africanos não é”, explica.
Racismo
Os desafios do choque cultural, porém, não chegam perto da pior dificuldade que os alunos africanos enfrentam: o preconceito. “Aqui, já háumracismo muito forte, mas é ainda pior quando você é africano”, lamenta o doutorando em farmácia Martin Fonkoua, 34 anos, também de Camarões. “No ônibus, ninguém se senta perto da gente, só quando não tem mais lugar. As pessoas olham e procuram algum assento mais afastado.No restaurante da UnB, a mesa fica cheia só de estudantes africanos porque todo mundo evita ficar perto”, relata. Nem mesmo no câmpus da universidade eles ficam livres do preconceito.Mal informados, outros estudantes acabam ofendendo os alunos estrangeiros. “Sempre que aparece na tevê alguma guerra no continente, alguns colegas Fazem comentários que só reforçam a imagem negativa que eles têm da gente”, explica
Martin.
O estudante de engenharia de redesPereira João, 22 anos, veiode Angola e já passou por problemas com professores. “Temprofessor que pula minha fala e passa a palavra para outro aluno. Os próprios colegas brasileiros percebemisso”, reclama.
De acordo com a professora Ana Flávia Barros, diretora da Assessoria de Assuntos Internacionais daUnB, a vinda de estudantes da África é uma oportunidade para que brasilienses se informem sobre o continente. “As pessoas Têm um conhecimento superficial dos países africanos, então, esse intercâmbio nas conversas com colegas e professores brasileiros é uma oportunidade para que aprendam muito”, afirma.
Certa vez, o estudante de economia Luís Felegueira, 22 anos, também angolano, assistiu a uma apresentação de trabalho de alunos brasileiros que mostrou uma ideia da África com os estigmas da Aids, da fome e das guerras, cidades atrasadas esemperspectivas. “Na mesma hora, abri meu computador e mostrei fotos de Luanda, onde nasci. É uma cidade que está cada vez mais moderna,com multinacionais e centros comerciais”,
diz.
Crescimento
Luís não errou ao mostrar a face desenvolvida de Luanda.Mais de uma década depois de uma violenta guerra civil, Angola vive momento de bom crescimento econômico, com estimativa de aumento de 6,3% doPIBem2014, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI). Bons horizontes em Angola levam estudantes do país a virempara cá.Éocasode Alberto Carvalho, 27 anos, que fez mestrado em relações internacionais naUnB. Agora, ele é professor no Instituto de Relações Internacionais de Luanda (IRI) e espera conseguir uma vaga de diplomata. “Ter estudado em Brasília foi excelente parame especializar na política externa de Angola em relação ao Brasil”, explica.
Não é só em Angola que os horizontes estão bons.Camarões, terra de Arthur Nnang, tem índice de crescimento relativamente bom, de 4,9%, segundo previsão do FMI para 2014. Ele espera pegar carona no desenvolvimento do país. “Minha especialidade são solos, e parte do Brasil tem o solo parecido com o camaronês, então, ter uma formação acadêmica aqui é bom para o mercado delá”, comenta.
Fonte: Correiobraziliense.
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