Páginas

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Oh! Minas Gerais, Oh! Minas Gerais. Suas ladeiras históricas têm sangue demais. Oh! Minas Gerais!

A quilombola mineira Dona Tiana em cena do filme "A Filha de São Sebastião", 
de José Francisco Duarte e Raquel Alvarez.

É complicado entender o que é se sentir negra no Estado de Minas Gerais. Desde que me entendi e me reconheci enquanto negra, me inseri em movimentos de negritude e me tornar uma negra em movimento, tenho me questionado acerca da identidade negra nesse estado. De acordo com os dados do IBGE em 2010, 53,5% da população mineira se auto-declara enquanto negra, somando pretos e pardos. No século XVIII, Minas foi o estado com maior número de escravizados explorados pela mineração. Sendo assim, a forma de trabalho dominante na sociedade mineira, foi a de abuso da mão de obra de africanos escravizados que já dominavam sofisticadas técnicas de extração e manipulação desses materiais. Em sua grande maioria os povos denominados bantus (o que hoje estima-se a região de Angola, Congo e Moçambique, conforme distribuição territorial dos colonizadores), os povos Africanos em Minas Gerais também constituíram inúmeros quilombos. Apesar da fama do Quilombo de Palmares e o reconhecimento do povo negro a seu merecido líder, Zumbi, Minas Gerais é onde se registrou o maior número de quilombos no Brasil. Mas não se vê, na maioria dos espaços, e na mídia diversa, a identidade negra mineira.

Os caminhos de exploração de ouro e pedras preciosas, deram origem as chamadas cidades históricas, em todas o que se percebe no ar é o cheiro e as marcas da escravidão e da desumanização negra. A estrada real, que seguia até o Rio de Janeiro e marcava os postos de coleta de impostos sobre a mineração, tornou-se um caminho turístico pra mineiridade que insiste em transformar seu histórico de racismo e exploração em “nosso patrimônio”. Eu os nego! É angustiante testemunhar que pessoas têm estômago para comer em antigas senzalas com correntes amostra, como acontece em Ouro Preto. É nauseante pensar que as pessoas ainda posam pra tirar fotos no pelourinho de Diamantina. Muito, mas muito decepcionante ainda, é perceber que a maioria dos museus de Minas que tratam da questão negra, são museus do escravo e não museus do povo negro. Reconheço o qual necessário é ainda hoje de falar sobre a escravidão. Mas será que é só isso que temos? Ainda são necessárias tantas imagens e representações do sofrimento de nosso povo? E nossa identidade e orgulho, cadê. Nossa africanidade, onde esconderam?

Quando viajo a outros estados e me apresento como mineira, as pessoas se espantam. Nem imaginam que em Minas Gerais tem negros. O que não é de se assustar quando se percebe que nem quem é natural do estado conseguem perceber que Minas é muito negra. Nas vinhetas televisivas, nas músicas cantadas pela intelectualidade burguesa mineira, nas propagandas do estado de divulgação para o Turismo, existe um fato: É como se fossemos uma miscelânea de brancos e brancas no estilo Paula Fernandes, enfeitados e adornados com pão de queijo. Mal sabem os amigos de outro estado, que pra gente que tá no centro da capital, possuir um queijo é quase que um troféu, de tão caro que o produto pode chegar a nós.

A realidade é que os Quilombos em Minas Gerais pedem socorro. Estão sendo engolidos pelas mineradoras, sendo expulsos de seus territórios e tendo sua identidade apagada brutalmente. Na capital, existe uma segregação explícita, onde separam espaços que cabem a negros e brancos. Com a política de branqueamento e higienização reforçada no mandato da atual prefeitura, moradores de favela estão sendo retirados de suas casas e forçados a ir para a região metropolitana, morando em cidades dormitórios, sem qualquer estrutura básica de saúde, transporte e educação.

O processo de formação do estado sempre estava diretamente ligado aos controles da igreja católica que hoje revezam seus abusos com igrejas evangélicas das mais diversas denominações. O resultado disso são vários terreiros sendo expulsos de Belo Horizonte e sendo obrigados a se “esconder” ou também a migrar para as áreas metropolitanas.

O mito da democracia racial em nosso estado se junta a tradicional família mineira colonizadora. E essa mistura potencializa o racismo no estado, forjando esse como o melhor lugar de se morar, mas escondendo o que perversamente se mantém sobre a população negra. A Polícia Mineira, considerada a melhor do Brasil, continua exterminando nossos jovens, a Universidade Federal ainda pertence aos herdeiros da república café com leite.

Não é estrada real, é caminho de escravização que marca todas as ladeiras e morros.

Oh! Minas Gerais. Suas ladeiras têm sangue demais. Oh! Minas Gerais

___________________________________________________________
Imagem destacada: Mostra do Filme Livre

Graduanda em letras, favelada, negra. Passei por diversos coletivos negros e hoje integro o coletivo Mutuê. Bolsista pesquisadora do projeto Ensinar qual língua, ler qual literatura? Interculturalidade entre países de língua portuguesa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário