Qualquer cidadão do sexo masculino, negro, com aparência de pobre e tatuagens à vista é potencialmente abordável
Por Rodivaldo Ribeiro,
A Polícia Militar aborda de maneira mais dura e direciona seus procedimentos baseada em arquétipos preconceituosos relacionados à cor da pele, aparência física e de vestuário, segundo conclusão da pesquisa “Práticas de abordagens operacionais no contexto das relações étnico-raciais: desafios para a formação do policial militar”, defendida como dissertação de mestrado em Educação na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) em abril deste ano pelo também policial militar Jamil Amorim de Queiroz.
O argumento legal é o de evitar que crimes ocorram e para isso adota-se o chamado policiamento ostensivo em praças e logradouros públicos, além do monitoramento — muitas vezes nem tão à distância assim — em manifestações e eventos com grande contingente humano. É quando são realizadas as tais “abordagens de pessoas suspeitas”.
É aí também que entra em cena o preconceito racial e social. Pois, ao encontro da principal queixa dos moradores mais jovens das periferias da cidade, está a dissertação do mestre PM Jamil de Queiróz, com a afirmação textual: condição social, cor da pele e sinais físicos como tatuagem são fatores que influenciam, sim, na abordagem dos cidadãos.
“Não sei nada de pesquisa nenhuma, não, mas se perguntar para qualquer um aqui é mais difícil achar quem nunca levou um bacu [abreviação de baculejo, termo jocoso pra abordagem] violento, do que quem já. E nunca é gostoso”, expressa José Manoel, 41, o Neneco, morador do bairro Santa Isabel. Para ele, o que o pedagogo-PM concluiu “não é novidade”.
O trabalho, aliás, foi direcionado em linha de pesquisa dos Movimentos Sociais, Política e Educação Popular, parte do Instituto de Educação da UFMT.
Para coletar os dados, Jamil fez entrevistas com policiais e pessoas abordadas. Nas quantificações, a construção do perfil perigoso sob a ótica do preconceito — homem, classe popular, pele escura. Se tiver tatuagem, pode encostar a mão na parede, abrir bem as pernas e não olhar para trás. Nas chamadas aproximações repressivas, de novo, são abordados indivíduos pobres, em locais públicos das periferias. A polícia apenas reflete o restante da sociedade, diz o pesquisador, ao marginalizar os mais pobres e de cor.
Para Jamil, policiais não só agem de forma mais rigorosa nas abordagens dessas pessoas, como por vezes lançam mão de violência. “Percebe-se que as escolhas policiais ocorreram pela subjetividade dos profissionais, acreditando que sua presença é obrigatória para manter a ordem”, afirma. Como a abordagem policial é um procedimento legal, serve para encobrir abusos, pois ninguém tem muita vontade de denunciar policiais para outros policiais. E os motivos são óbvios.
“Que? Fazer B.O. contra abordagem? Você já viu quem vai te ouvir na delegacia, mano? É outro fardado. E outra, você pode muito bem encontrar o mesmo cara que te esculachou na rua e ver o tapa cantar lá mesmo. Estou fora, pancada a gente esquece, tiro é mais difícil”, ironizou Neneco.
O caminho para amenizar o problema, aponta o pesquisador Jamil Queiroz, é discutir abertamente o tema e melhorar a preparação dos policiais. Relações étnico-raciais e diálogos com as minorias devem ser parte desse processo de preparação dos policiais. E isso é urgente, pois o Brasil tem sabidamente uma das polícias que mais matam no mundo.
Fonte: Diário Cuiabá
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