Páginas

terça-feira, 26 de maio de 2015

Não à Redução da Maioridade Penal!


“porque o julgamento será sem misericórdia para aquele que não pratica a misericórdia” Tg 2,13.

Questão Social

por Bruna Rosa Dias,
Vive-se em uma sociedade capitalista, exacerbadamente consumista e socialmente desigual de modo que quando adolescentes cometem furtos estão reagindo negativamente às pressões sociais; se cometem ilícitos contra a pessoa é porque, em via de regra, conviveram desde tenra idade com a violência e não foram ensinados que a vida deve ser valorizada e respeitada; quando raramente cometem crime contra a liberdade sexual, em sua maioria, sofreram abuso sexual infantil e como a maioria das pessoas não aprenderam a respeitar a sexualidade do outro e nem a sua própria.

Pesquisa realizada pelo ILANUD [Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente], na capital de São Paulo durante os anos de 2000 a 2001, com 2.100 adolescentes acusados da autoria de atos infracionais, observa-se que a maioria se caracteriza como crimes contra o patrimônio. Furtos, roubos e porte de arma totalizam 58,7% das acusações. Já o homicídio não chegou a representar nem 2% dos atos imputados aos adolescentes, o equivalente a 1,4 % dos casos conforme divulgado em texto do jornalista Vinicius Bocato.

No mesmo texto há dados que informam que dentre os 9.016 internos da Fundação Casa, neste momento apenas 83 infratores cumprem medidas socioeducativas por terem cometido latrocínio, roubo seguido de morte, caso que reacendeu o debate sobre a maioridade penal na última semana. Ou seja, menos que 1% cumprem medidas socioeducativas. A propósito, essas pesquisas sequer incluem os crimes contra a liberdade sexual o que nos leva a crer que isso se deve a sua ínfima prática.

Em outra pesquisa, realizada em São Paulo, e disponibilizada pela Fundação Casa percebe-se o perfil dos adolescentes internados onde a maioria é órfã, pobre e já não frequenta mais a escola, uma população que já é marginal e seria ainda mais marginalizada com a redução da maioridade penal. O que vai contra o objetivo constitucional do Brasil que é reduzir a pobreza, a marginalização e a desigualdade social.

Um ponto de vista materno

Quando penso como mãe e me deparo com o fato de que grande parte dos adolescentes que cometem delitos são órfãos as coisas começam a fazer sentido e passo a sentir um enorme peso diante dos fatos. A principal função da mãe e do pai é amar seu filho ou filha, observemos que quando essas crianças que depois se tornarão jovens delinquentes não tem a presença desse adulto que deveria tê-los amado em primeiro lugar e acima de tudo, pelo simplesmente fato de existirem, não é difícil perceber o imenso mal que isso gera em sua formação enquanto pessoa, especialmente em seu caráter.

Políticas Públicas ou Redução da Maioridade Penal, qual seria mais eficaz?

Até que ponto não seria mais eficaz no combate à violência na sociedade, políticas públicas que gerem menos órfãos, e práticas sociais de apoio, ajuda e compreensão aos órfãos? Sobre a outra parte dos jovens que não sendo órfãos e ainda assim delinquem precisaríamos investigar se suas mães e pais aprenderam a amar e a dar amor. O endurecimento social, a banalização do mal e da violência muitas vezes nos impede de aprender a amar, e quando a função de pais e mães é amar seus filhos, o que ocorre quando eles não amam?

Do ponto de vista da maternidade o que me passa é que devemos amar as crianças dos outros porque elas também são nossas, e elas vão nos procurar mais cedo ou mais tarde, ou protagonizando belas histórias de superação da pobreza ou violando as normas do direito penal. O que não entendo é como é possível que se ame as suas crianças e se odeie todas as outras que não se adequaram às normas sociais que lhes são impostas.

A situação de extrema pobreza também pode levar parte desses jovens a delinquir, é por isso que a nível estatal temos que apoiar programas de transferência de renda como o bolsa família, o bolsa educação e outros que muitos criticam desavisadamente. No âmbito pessoal, se você conhece uma família que precisa, doe cestas básicas, olhe para o lado e será possível ver muitos meninos que nunca tiveram um tênis, doe. Talvez se nós fizéssemos o bem primeiro, eles não seriam tão facilmente aliciados pelo tráfico.

Questão Jurídica

Antes de tudo é preciso dizer que o parecer da Comissão de Constituição e Justiça não foi aprovado por quem entende acerca de questões jurídicas, e sim por politiqueiros que agem pautados por medidas populistas. Desconheço um jurista sério que defenda a constitucionalidade da redução da maioridade penal, vejamos o que diz a letra da nossa Carta Magna:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III – a dignidade da pessoa humana;

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

II – prevalência dos direitos humanos

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
3º – O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:

IV – garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica.

A Carta Magna é explícita em determinar que o fundamento do Estado é a dignidade da pessoa humana, ora passa longe de ser fiel as suas bases a permissão para lançar no precário e medieval sistema carcerário brasileiro, adolescentes a partir de 16 anos. Esse sistema precário, digno de filmes de horror, está bem longe de promover a reabilitação social, servindo à expiação dos corpos culpados e à saciar a sede de vingança coletiva tal qual já descrito por Beccaria e Foucault.

E afinal de contas, o que é a Dignidade da Pessoa humana?

É complexa a compreensão do que seria a dignidade da pessoa humana, conceito forjado primeiramente por teólogos e em seguida incorporado pelas ciências jurídicas, mas que podemos entender como sendo o conteúdo dos direitos fundamentais que possui todo o ser humano apenas por ser pessoa humana, e dentre esses direitos humanos está o o direito à vida, à liberdade e a integridade física e psíquica. O princípio da dignidade humana pode ser instrumentalizado como critério de ponderação, de modo que entre o direito de punir do Estado e o direito à liberdade e à integridade física e psíquica dos adolescentes, segundo o princípio da dignidade humana, deve prevalecer os direitos dos jovens.

Dentre os objetivos da República Federativa do Brasil encontra-se a construção de uma sociedade justa e solidária. E como é possível que construir justiça e solidariedade por meio do encarceramento de adolescentes?

O conceito de justiça é complexo, mas se achamos que vale a pena ir atrás dela precisamos tentar admitir alguma definição que seja válida para a maioria das pessoas que dialogam e se comunicam em busca do bem social, partimos assim do pressuposto de que a justiça não é a conveniência dos mais fortes, como defendiam os sofistas. Mas que a justiça é o que legitima o próprio direito. A justiça é entendida como um bem em si que deve ser buscado para que o direito seja legítimo e não apenas a expressão do uso da força.

A justiça é um bem em si, se não o bem em si. De maneira que ao verificar se determinada postura social é justa precisamos investigar se ela é boa por si mesma. Então vamos lá, pensem em imagens de presídios brasileiros que são constantemente televisionadas ou pesquisem por imagens de cadeias, em seguida visualize que com a redução da maioridade penal colocaremos milhares de adolescentes naquele local. Isso é o bem em si? Ou isso é conveniente para os que desejam vingança?

Questão importantíssima para a temática é a inconstitucionalidade da proposta de emenda constitucional que pretende reduzir a maioridade penal. Ocorre que além de violar o princípio da vedação ao retrocesso no que diz respeito à proteção dos direitos humanos, violaria também o princípio da inimputabilidade penal dos menores de 18 (dezoito anos) que determina a aplicação da legislação especial quando ocorrer à prática de ato infracional, o que se trata de direito fundamental dos adolescentes e como tal não pode ser retirado, nem mesmo por meio de PEC (Projeto de Emenda Constitucional), pois constituindo-se em tema protegido por cláusula pétrea, não pode ser excluído ou sequer reduzido, sem violação da Ordem Constitucional vigente.

Se esse “detalhe” sobre a inconstitucionalidade escapou à análise da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, temos plena convicção de que não passará em branco pelo julgamento da Corte Constitucional, que em diversos casos em que estão sob litígio os direitos fundamentais tende a priorizar a sua defesa em detrimento de outros direitos que não sejam direitos fundamentais.

Fonte: Afromaternidade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário