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quinta-feira, 28 de maio de 2015

O desabafo de Mirian França: "Sou negra! E sou a prova!"

Mirian França, encarcerada e considerada culpada de um crime que não cometeu (Divulgação)

“Sou filha de uma negra solteira, pobre, costureira, que jogou uma negra doutora na cara da sociedade. Eu sou a prova viva de que a redução da maioridade no Brasil é pretexto pra prender criança negra. Sou a prova de que, pra polícia brasileira, culpa tem cor [...]” Leia a íntegra do desabafo de Mirian França, encarcerada por suspeita de assassinar uma turista italiana

Hoje acordei com vontade de gritar: SOU NEGRA!

Por Mirian França,
Sou filha de uma negra solteira, pobre, costureira aposentada, que jogou uma negra doutora na cara da sociedade. Uma negra que estuda e trabalha pra caralho pra garantir o direito de ser livre e viver como quiser.

Essa sou eu, MIRIAN FRANÇA, a negra encarcerada no Ceará em Dezembro de 2014 por suspeita de assassinar uma turista italiana.

Graças aos amigos e a população, a policia foi obrigada a me libertar do meu cárcere. Cárcere, sim! Pois se tratando de uma prisão sem fundamentos, está configurada uma prisão ilegal. Uma prisão cometida por uma polícia despreparada e racista, que insiste em enxergar o negro como culpado mesmo quando não existem provas, evidências, motivação ou testemunha; que insiste em dizer que têm “CONVICÇÃO” de que somos culpados mesmo quando não há nenhuma prova da nossa culpa.

Quando se trata dos negros, a polícia se esquece do nosso direito básico de que somos inocentes até que ELES provem o contrário. Não somos nós que precisamos provar nossa inocência.

Aos 31 anos descobri o que é ser negra de verdade.

Ser negra é ser chamada de estranha quando você sai de férias e passa o dia na beira da piscina lendo, porque uma negra gostar de ler “é muito contraditório […] provavelmente está forjando um álibi”.

Ser negra é ser questionada sobre como teria dinheiro para tirar férias no Ceará (um estado do MEU país, onde apenas turistas estrangeiros parecem ser bem vindos).

Ser negra é ter a obrigação de andar com um macho a tira colo; não poder viajar sozinha; não ter o direito de trepar com quem quiser sem ser chamada de puta (aliás, essa é a sina de todas nós mulheres).

Ser negra é ter medo de parir uma criança que já nasce como um alvo para o genocídio. Que precisa ser preparado para a violência policial, pra chacota na escola, no teatro, na vida toda.

O RACISMO no Brasil É UM CRIME PERFEITO. É o crime sem corpo, sem prova, sem testemunha. Mas é nítido quando a polícia tem “convicção de que você é culpado”, apenas com base no seu “comportamento suspeito” (Gostar de ler? Gostar de escutar música? Gostar da introspecção? Gostar de viajar? Ser solteira?).

Não precisa chamar o negro de macaco pra ser racista, basta abrir os olhos e ver quem é preso por engano. Basta ver quem precisa provar a inocência (quando a lei é clara que se é inocente até que se prove o contrario).

Quem é assassinado nos autos de resistência nunca é um branco. Eu nunca soube de um branco preso em manifesto por portar uma garrafa de desinfetante (Daniel Braga). E nem uma branca ser arrastada por viatura policial (Claudia Ferreira).

Eu sou a prova viva de que a redução da maioridade penal no Brasil é pretexto pra prender criança negra.

Sou prova viva de que pena de morte no Brasil é consentimento jurídico para o Estado assassinar mais negros.

Eu sou a prova de que, pra polícia brasileira, a culpa tem cor.

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Saiba mais informações sobre o caso Mírian França nos links indicados:

Fonte: MamaPress.

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