Hoje, 41% dos universitários brasileiros são negros. Há 20 anos, eram somente 18%. Mas o perfil das empresas tem se mantido estanque.
Por Jorge Abrahão*,
Na última quinta-feira (20/11), quase 20% das cidades brasileiras comemoraram com feriado municipal o Dia de Zumbi dos Palmares e da Consciência Negra. Essa foi a data da morte do líder do Quilombo dos Palmares, de acordo com descoberta feita por historiadores que pesquisaram arquivos esquecidos em pequenos vilarejos localizados na região da Serra da Barriga, em os Estados de Alagoas e Pernambuco, onde também ficava o Quilombo dos Palmares. De acordo com os documentos encontrados, Zumbi foi morto no dia 20 de novembro de 1695.
Em 1978, o Movimento Negro Unificado escolheu Zumbi como símbolo da luta pelo reconhecimento dos direitos e da cultura negra na sociedade brasileira. A partir de então, passou a realizar festas e grandes eventos por várias cidades brasileiras para lembrar a data. A partir dos anos 2000, algumas cidades começaram a decretar feriado municipal, passando a destacar o 20 de novembro em detrimento do 13 de maio – Dia da Abolição da Escravatura. São Paulo e Rio de Janeiro estão entre as primeiras capitais a adotar essa troca.
Em 2003, a data foi incluída no calendário escolar e, em 2011, com a Lei 12.519, o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra foi instituído oficialmente. Mas a decisão de decretar feriado ficou a cargo de lei estadual ou municipal. Hoje, 1.072 municípios brasileiros decretam feriado oficial em razão dessa data.
É um dos poucos feriados do nosso calendário que não está ligado a fatos militares ou religiosos e representa uma demanda recente da sociedade civil organizada – o de afirmar e reconhecer a importância dos negros e da cultura afro em nosso país, algo que até hoje não fizemos. Afinal, exceção feita ao futebol e à música popular, sabemos distinguir a contribuição dos negros em outras áreas?
Por exemplo, a rua Teodoro Sampaio, em Pinheiros, na capital paulista, homenageia um negro. O caro leitor sabia? Teodoro Sampaio nasceu em 1855, em Santo Amaro da Purificação, na Bahia. Foi engenheiro, geógrafo, escritor e historiador. A convite de um engenheiro norte-americano, participou do levantamento geológico do Estado de São Paulo em 1886. Depois, chefiou o departamento de saneamento do Estado. Foi um dos fundadores, em 1893, da Escola Politécnica de São Paulo, que, em 1934, veio juntar-se à Universidade de São Paulo. Além disso, fundou o Instituto Histórico e Geográfico do Estado de São Paulo. Teodoro Sampaio faleceu em 1937, no Rio de Janeiro. Atualmente, além da rua, um município paulista e outro baiano levam seu nome para homenageá-lo.
Outro exemplo é a avenida Rebouças, também em São Paulo, e o túnel Rebouças, no Rio de Janeiro, cujos nomes são uma homenagem a dois irmãos negros, baianos e engenheiros: Antônio e André Rebouças. Antônio participou da construção da Estrada de Ferro Curitiba-Paranaguá, a Estrada da Graciosa, até hoje considerada um marco da engenharia civil, pelas curvas sinuosas e precipícios que os trilhos tiveram de vencer para chegar ao destino. Isso ainda no século 19, sem as tecnologias de hoje. Morreu jovem, aos 36 anos, de febre tifoide.
André Rebouças lutou na Guerra do Paraguai e inventou o torpedo para ser usado pelo exército brasileiro. Em 1866, no Rio de Janeiro, planejou e supervisionou obras para melhorar o abastecimento de água na cidade, bem como as docas da Alfândega e dom Pedro II. Paralelamente, dava aulas, buscou apoio para que o compositor Carlos Gomes fosse estudar na Itália e engajou-se na campanha abolicionista. Saiu do Brasil com a proclamação da República, acompanhando o imperador, de quem se tornara amigo. Morreu no exílio em 1898.
Diversidade no século 19
Tanto Teodoro Sampaio quanto os irmãos Rebouças desenvolveram suas carreiras ora no setor público da época, ora em empresas multinacionais que por aqui aportaram para construir as grandes obras de que o país necessitava, como as ferrovias, as centrais de abastecimento de águas e as malhas de saneamento básico. Na época, não se falava em ações afirmativas ou em cotas, mas esses três engenheiros – e outros que não ficaram conhecidos – foram contratados por essas companhias e ocuparam altos cargos em sua hierarquia. É bom lembrar que, em boa parte da vida profissional deles, o país ainda vivia sob a escravidão, abolida apenas em 1888.
Todos os três também puderam estudar na Europa ou nos Estados Unidos. Seriam as exceções que confirmam a regra, como até hoje?
O Brasil mudou
Particularmente nos últimos vinte anos, a ascensão social dos trabalhadores tem sido crescente. Hoje, 41% dos estudantes das universidades são negros. Em 1995, eram somente 18%. No entanto, o perfil das empresas se manteve estanque, como já repetimos aqui muitas vezes.
Como mais de 1 milhão de estudantes negros nas universidades, não se pode mais falar de falta de qualificação. Então, o que falta para a diversidade racial chegar de fato às empresas brasileiras?
Durante a Conferência Ethos 360 Graus, realizada nos dias 24 e 25 de setembro último, houve um painel em que os palestrantes estavam lá para tentar, justamente, dar respostas a essa pergunta. Evidentemente, ninguém conseguiu encontrar uma “receita” para resolver um problema que é complexo e não é só brasileiro. Exemplo disso é a matéria que o portal Uol publicou no último dia 19 de novembro sobre a diversidade nas empresas do Vale do Silício, nos EUA. Na terra da Apple e do Google, mulheres e negros ainda enfrentam dificuldades para conseguir empregos, subir na hierarquia e até ganhar o mesmo salário que os homens e não negros em funções semelhantes.
Portanto, lidamos com um problema mundial. Nem por isso, devemos deixar de nos esforçar para resolvê-lo.
As empresas têm desafios a vencer para encontrar o caminho da diversidade e, dentro deste, o da equidade racial.
O primeiro desafio é reconhecer as dificuldades e dar transparência aos dados. Isto é, fazer um censo e mostrar para todos os funcionários quantas mulheres, negros e pessoas com deficiência ocupam os diversos cargos na empresa, inclusive no conselho de administração. A partir dessas informações, a empresa pode elaborar um planejamento estratégico e investir em soluções de inclusão específicas para cada segmento.
O segundo desafio é transformar a cultura organizacional, com políticas de capacitação e valorização das pessoas, sensibilizando os funcionários para a diversidade e para a equidade racial.
O terceiro desafio é, se for o caso, estabelecer cotas. Nesse sentido, a empresa precisa entender que cota não é um teto, mas o mínimo que ela vai contratar no segmento.
O quarto desafio é lidar com a questão racial em si, a que menos avança nas empresas. Recentemente, 80 grandes empresas brasileiras aderiram ao Fórum de Direitos LGBT e lançaram políticas internas sobre o tema mais avançadas até do que as ações dos governos. Por que na questão étnico-racial não ocorre o mesmo? Quem encontrar a resposta a essa pergunta achará o caminho ao “pote de ouro” que é a verdadeira inclusão de talentos nos negócios.
Afinal, a inteligência não é um privilégio de poucos. Ela está espalhada igualmente por toda a espécie humana e cada indivíduo a desenvolve de acordo com sua vivência e acesso à educação e cultura. Valorizar a diversidade é dar espaço para essa vasta vivência humana que só vai enriquecer a empresa.
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* Jorge Abrahão é diretor-presidente do Instituto Ethos
Fonte: Ethos.
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