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sexta-feira, 29 de maio de 2015

Eu, negro, sobrevivente das estatísticas no Brasil



O risco de um jovem negro de 12 a 29 anos ser assassinado no Brasil é 2,5 vezes maior do que para um jovem branco, de acordo com os números do relatório do Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade Racial 2014. O estado da Paraíba, onde o risco relativo é 13 vezes maior, é o primeiro na lista do estudo elaborado em parceria pela Secretaria Nacional de Juventude (SNJ), Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Ministério da Justiça e Unesco.

Por Marcos Sacramento,
Considerando que no Espírito Santo, onde nasci e cresci, a chance é quase seis vezes maior e que estou na casa dos 30, sou um sobrevivente. Porém, ao contrário dos entusiastas da meritocracia, não sinto orgulho por ter ficado de fora desta estatística mórbida.

Saber que o tom escuro da pele aumenta o risco de morrer jovem incomoda. Igualmente angustiante é não ver perspectivas de melhorias a curto prazo. Embora seja fácil encontrar na escravidão as raízes históricas dessa vulnerabilidade, as razões atuais são múltiplas e envolvem desigualdade social, falta de estrutura em bairros da periferia e a guerra obtusa às drogas, questões que só serão resolvidas com muita boa vontade política e compromisso dos cidadãos em criar uma sociedade mais justa.

Por outro lado, há parlamentares trabalhando para aumentar a letalidade entre a juventude negra, por meio de bandeiras como a redução da maioridade penal e o afrouxamento das regras para obtenção do porte de arma. Eles têm o apoio dos ditos cidadãos de bem, que acreditam no mito da democracia racial e acham que a única solução para a violência urbana é encher as ruas de polícia.

Ações recentes como implantação de cotas raciais para facilitar o acesso de negros ao ensino superior e a cargos no funcionalismo público poderão mudar este panorama no futuro, mas nem a Pollyanna do livro infantil acreditaria que só o fato de cursar faculdade livra a pele do jovem negro.

A história absurda de Alcides do Nascimento Lins ensina que o diploma é inócuo contra armas de fogo. Natural de Pernambuco, ficou conhecido nacionalmente em 2007 depois de ingressar no curso de Biomedicina da Universidade Federal de Pernambuco.

De família pobre, filho de uma ex-catadora de material reciclável, foi aprovado na UFPE em primeiro lugar entre os alunos de escola pública, contrariando as estatísticas que o empurravam para longe da educação superior. Não teve o mesmo êxito para vencer os números cruéis da violência.

Em 2010 foi morto na própria casa, enquanto estudava. Dois criminosos invadiram a residência procurando por um vizinho do universitário. Como Alcides não soube responder, foi baleado. Tinha 22 anos. No estado onde Alcides morava o jovem negro tem 11,5 mais risco de morrer que um branco.

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Sobre o Autor

Marcos Sacramento, capixaba de Vitória, é jornalista. Goleiro mediano no tempo da faculdade, só piorou desde então. Orgulha-se de não saber bater pandeiro nem palmas para programas de TV ruins.

SARAU COMPLEXO SAMAMBAIA n ° 70°


O Sarau Complexo é uma livre iniciativa de artistas de Samambaia com a colaboração de artistas de todo o DF e Entorno, que reivindicam e lutam pela Construção do Complexo Cultural Samambaia, " em andamento ". Coordenado pelo Conselho Regional de Cultura de Samambaia

SERVIÇO
Data: 29/05/2015
Hora: 19:30hrs
Local: QS 310 conjunto 02 - Área Especial na Associação Desportiva E Cultural Superar - Samambaia Sul/DF.
Referência: Em Frente ao Supermercado Mineirão da Avenida Principal 300/500.


SARAU & TAL - POEMAÇÃO NA ASSEFE


A Assefe (Associação dos servidores do Senado Federal) em conjunto com o Poemação, realizará o primeiro SARAU & TAl.

Com o propósito de incentivar e divulgar a poesia brasiliense, o evento contará com a participação de poetas de Brasília que dividirão o palco com convidados na área musical e cênica.

Durante o evento a Assef disponibilizará de espaço para exposição e venda dos livros dos poetas, bem como a divulgação da obra dos participantes.

O Poemação e a Assefe convidam a todos para participar do 1º SARAU & Tal no dia 29 de maio de 2015, apartir das 17:00 horas na Assefe, SCES trecho 1 Lote 7 Asa Sul Brasília.

Participam do 1º Sarau & Tal
** Aldécio (voz e violão)
** banda Big O’Lie 
** Noélia Ribeiro
** André Giusti 
** Paula Passos
** Marina Andrade 
**João Dias
** JoãoZinho da Vila
** José Tadeu 
** Walesca 
**Marcelo (violão e voz)
** Welcio Toledo
** Jorge Amancio
** Victor Vitrola
** Gog 

POESIA NA PLATÉIA. 
** QG DO Samba 

SERVIÇO
DIA 29 DE MAIO
DAS 17:00 AS 22:00
ASSEFE – Associaçõa dos Servidores do Senado Federal
SCES, Trecho 1, Conjunto 1, Lote 7 - - Asa Sul, Brasília - DF, 71200-001
(61) 3443-8996 fica ao lado da ponte Costa e Silva


Fonte: SARAU & TAL

29/05: DIA D - Em defesa dos direitos da juventude!


O governo Dilma, o Congresso Nacional e os governos estaduais e municipais querem que os jovens e trabalhadores brasileiros paguem os prejuízos da crise econômico. Com esse objetivo, aplicam o ajuste fiscal e retiram nossos direitos sociais e trabalhistas.

É hora de colocarmos o bloco na rua e resistir. Por isso, inúmeros movimentos populares, centrais sindicais e entidades estudantis estão convocando um Dia Nacional de Paralisação e Manifestações. 

No dia 29 de maio, a juventude em luta por outro futuro vai às ruas contra as terceirizações, os cortes na educação e a redução da maioridade penal

Descubra as iniciativas em sua cidade e não fique parado. 

Só a unidade do povo brasileiro e nossa mobilização pode impedir tantos retrocessos! Queremos mudanças e nenhum direito a menos!

+Info: 29/05: DIA D

Fonte: DIA D

“A MOÇA DO TEMPO”


por Edson Lopes,
Maria Júlia Coutinho é agora um nome nacional e já sabemos que ela prefere ser chamada de “Maju”. Sua presença vem contribuindo para descontrair o ambiente do “Jornal Nacional” na hora da previsão do tempo, de acordo com as “novas” estratégias de reconquista da audiência perdida. E o faz com segurança, numa televisão que impõe severas restrições à participação de pessoas negras.

Elas têm presença garantida na construção de cenários e ambientes, pedreiros, pintores, marceneiros, eletricistas, ou manicures e costureiras, iluminadores, etc. Quando o cenário está pronto e o programa começa, as pessoas de pele escura devem recolher-se. Mas nunca o fazem totalmente, sempre podemos vê-las aqui e ali ou pressentir sua presença.

Lembrem-se de Machado de Assis, descoberto a semana passada numa foto que documentou a missa campal em comemoração ao treze de maio. Recordemos uma cena de seu romance “Quincas Borba” (cap. 51), publicado em 1892.

O almoço já está servido, as personagens se dirigem à mesa e não vimos nada, sabemos que Sofia “apenas tomou um caldo”. Depois do almoço, Sofia, pensativa, ouve o rumor de pratos, o andar das escravas, e perdendo-se “em reflexões multiplicadas”, aborrecida e irritada por causa de episódio da véspera e da conversa com Palha, seu marido, vê, enquanto contempla a paisagem no jardim, “um pobre preto velho, que em frente à casa dela, trepava com dificuldade um pedaço de morro. As cautelas do preto buliam-lhe com os nervos”.

Acrescente-se que o narrador nos informou que a personagem tinha “ficado só”, após o almoço. O que não conta absolutamente para reduzir a solidão de Sofia é o fato de que a casa está cheia de escravos/as, os pretos estão em todo lugar e espalham-se pela paisagem.

Mas nós os veremos pelas frestas da narrativa, pelo resultado de atividades domésticas que garantem o conforto, a alimentação, etc.. Há indícios e registros dessa presença em todo o texto. Vejam também como a presença negra envolve os sentidos da personagem (paladar, audição, visão), e se faz presente nas associações simbólicas. Diante do assédio de Rubião, Palha, que lhe deve muito dinheiro, recomenda cautela a Sofia. A trajetória do casal de arrivistas e as cautelas necessárias de sua escalada social se materializam na paisagem através do esforço do preto velho.

Os mecanismos da narrativa no Brasil estabeleceram assim os fundamentos de uma apreensão refinada do país quase invisível habitado por negros.

Os jornalistas quando levantam da bancada principal do Jornal Nacional para interrogar Maria Júlia sobre as condições do tempo cruzam uma fronteira social. Como a interação com os negros se dá sempre de cima para baixo, pesa no diálogo inusitado o tom adocicado e paternalista. Acho que a história de “ela prefere ser chamada de Maju” entra também por aí.

Na entrevista que fez com a apresentadora Maria Júlia Coutinho (FSP 16.05.2015, C8 Ilustrada), Lígia Mesquita, que assina a coluna “Outro Canal”, lhe fez a seguinte pergunta: “Você é uma das poucas jornalistas negras no ar. É importante estar no principal telejornal do país para isso mudar?”.

Maria Júlia respondeu que uma andorinha só não faz verão e que o fardo é difícil de suportar: “não pode demorar tanto tempo pra ter outra Glória Maria, outro Heraldo Pereira”.

As pessoas, como se sabe, estão intimamente vinculadas a um conjunto de experiências de que são o resultado. O conjunto, extraordinariamente rico e diversificado, da experiência de africanos e seus descendentes no Brasil não interessa aos meios de comunicação (como não interessa aos políticos, etc.). Decorre daí, como bem disse Stuart Hall, esta presença pouca e dispersa, esta visibilidade controlada e regulada.

A demora a que se refere Maria Júlia ( Glória, Heraldo e ela mesma) é a expressão de uma regulação, movimentos demarcados por uma estratégia bem sucedida. 

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Edson Lopes Cardoso.
Jornalista e Doutor em educação pela Universidade de São Paulo. 

Fonte: Brado Negro

quinta-feira, 28 de maio de 2015

Um pouco do que foi a Marcha Contra a Redução da Maioridade Penal em Brasília!


Por Webert da Cruz,

Mais uma vez marchamos pela vida!
Contra o extermínio da juventude negra e pobre!
Contra o genocídio da população negra!
Contra o encarceramento das nossas crianças e adolescentes!











Para acompanhar mais fotos acesse: Marcha Contra a Redução da Maioridade Penal

Manifestação contra redução da maioridade penal pede mais educação


O ato começou às 15h30 e ocupou três das seis faixas do Eixo Monumental

Um grupo de manifestantes contra a redução da maioridade penal seguiu para o Anexo 2 da Câmara dos Deputados, onde ocorre uma reunião fechada da comissão que trata do tema. Inicialmente o protesto iria até a frente do Congresso, mas uma outra manifestação contra a corrupção que ocorre na Esplanada fez os organizadores mudarem o itinerário.

Centenas de pessoas caminham, gritando palavras de ordem e carregando faixas pedindo mais políticas de educação em vez de redução da maioridade penal. O ato é encabeçado pela Frente Nacional Contra a Redução da Maioridade Penal. "Historicamente, punir sempre foi praxe no Brasil. Estão tentando dirimir o problema com mais problema. A gente entende que prisão não resolve nunca. A educação e o Estado não chegam nunca", disse um dos organizadores da marcha, Dhay Borges.

O ato começou às 15h30 e ocupou três das seis faixas do Eixo Monumental. Mesmo causando lentidão no trânsito, muitos motoristas apoiaram o movimento, buzinando ao passar. O objetivo dos manifestantes é entregar uma carta no Senado manifestando o repúdio à proposta de redução, que tramita atualmente na Câmara dos Deputados.

Movimentos sociais e ativistas de todo o país se reunirão em Brasília para a Marcha Nacional contra a Redução da Maioridade Penal


Brasil, dia 27 de maio, em Brasília (DF), ativistas, conselheiros tutelares, coletivos, fóruns e organizações da sociedade civil se reunirão a partir das 14h, em concentração na Biblioteca Nacional de Brasília rumo ao Congresso Nacional, para uma grande caminhada contra a redução da maioridade penal. O objetivo da atividade é sinalizar aos e às parlamentares que a PEC 171/93 e seus apensos ferem os direitos das crianças e adolescentes.

Enviado por DHAY BORGES, via Guest Post para o Portal Geledés ,
A PEC 171/93, proposição legislativa de autoria do Dep. Benedito Domingos (PP/ DF), tramita no Congresso Nacional desde 1993. De lá para cá, outras 37 novas Propostas de Emenda à Constituição foram apensadas à matéria. Entre elas, há proposições que reduzem a inimputabilidade penal aos adolescentes menores de 12, 14 e 16 anos; proposições que reduzem a inimputabilidade penal aos adolescentes menores de 16 anos sob casos específicos; propostas que conferem ao Judiciário o poder de excepcionar a inimputabilidade aos adolescentes menores de 16 anos, entre outras especificidades. De modo geral, todas têm o foco na diminuição da idade mínima para a imputabilidade penal dos adolescentes.

Para a Frente Nacional Contra a Redução da Maioridade Penal, movimento social composto por centenas de ativistas de todo o Brasil, a PEC 171/93 é uma afronta aos marcos legais nacionais e internacionais das quais o país é signatário, ferindo, inclusive, o Princípio da Proibição do Retrocesso Social constante na Constituição Federal de 1988.

“Antes que se faça qualquer alteração em uma cláusula pétrea na Constituição Federal é preciso que a própria Constituição e o Estatuto da Criança e do Adolescente sejam efetivados em sua íntegra, assim como a Lei do SINASE, que é a lei que regulamenta a aplicação das medidas socioeducativas em todo o país. Se o país ainda não consegue dar creche para todas as crianças, se ainda não há uma educação de qualidade para os nossos adolescentes, se ainda há uma série de violações do Estado contra crianças e adolescentes quilombolas, indígenas, ciganas, com deficiência, como o Congresso pode retirar explicitamente direitos fundamentais de nossos adolescentes?”, afirma Leonardo Duarte, conselheiro tutelar em São Bernardo do Campo e um dos coordenadores da Frente Nacional.

Fonte: Geledés.

Os interesses por trás da redução da maioridade penal no Brasil

(Esquerda): deputados comemoram a aprovação da PEC da redução da maioridade penal na CCJ. (Direita): Pedro* perdeu o irmão para o crack, largou a escola e passou duas vezes pela Fundação Casa (Imagens: Marcelo Camargo e José Cícero)

"Muitos deputados têm financiamento de gestores de penitenciárias privadas e empresas de segurança. Estamos falando de muito dinheiro", revela advogada. Conheça os mitos e os interesses por trás da redução da maioridade penal no Brasil

Por Andrea Dip da Agência Pública,
“Todo mundo dizia que eu não iria passar dos 15. Mas ó, tô aqui, firme e forte, 29 anos, venci a estatística. Um homem feito, trabalhador. Mas passei meu veneno na Fundação Casa, vou dizer. Na época era Febem ainda. Tudo começa porque a gente não tem estrutura aqui na periferia. A molecada corre pra onde? Pra rua. O refúgio é rua, sempre foi. Eu recebi educação da minha mãe, guerreira, criou sozinha cinco filhos. Mas quem me ensinou mesmo foi a rua. Já passei fome na rua, já bati na rua, já apanhei na rua”, conta Pixote, na pracinha perto da sua casa, no Jardim Vazame, região metropolitana de São Paulo. “Com 13 anos eu era moleque doido, a gente não tinha o que fazer. Comecei a roubar junto com outros meninos daqui. A gente roubava mercadinho, coisa pequena. Minha mãe dormia no serviço, e minha irmã não conseguia me segurar em casa. Um dia nós pulamos o muro de uma casa pra roubar roupa, CD, sem arma, nem era pra vender na quebrada, era só coisa pequena que a gente queria. Daí fomos abordados pela polícia, já no caminho de volta. Eles bateram, falaram que iam matar a gente. Foi a maior decepção pra minha mãe. Fiquei um ano na Febem, que depois virou Fundação Casa, mas que de casa não tem nada porque aquilo é cadeia. Apanhei muito lá dentro, sem motivo. Eles tiravam a gente do quartinho e espancavam. Vi cada coisa naquele lugar. Quando eu saí, pensei na minha mãe. Que não queria dar desgosto pra uma mulher que não merecia. Mas se fosse pensar no que passei lá dentro… A cabeça não sai boa, a gente não aprende nada na ‘cadeia’. Eu limpei bosta com a mão. Nem era minha. Foi a única vez que ouvi um por favor lá dentro. ‘Por favor, limpa essa merda com a mão.’ Daí agora querem botar a molecada na cadeia mesmo, misturada com os mais velhos. Acham que eles vão sair uns anjos de lá? Vão sair três vezes pior, com um garfo na mão espetando até o cão. Eu tive sorte, sobrevivi. Mas muitos não têm.”

Pixote tem razão quando diz ser um sobrevivente. A violência mata mais os adolescentes do que qualquer outra camada da população. E, ao contrário do argumento usado por quem defende a redução da maioridade penal, não são eles os que mais matam, como destaca Jacqueline Sinhoretto, do Departamento de Sociologia da UFSCar e coordenadora do Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos (Gevac). “A percepção social de que os adolescentes são os grandes responsáveis pela violência no Brasil não resiste à análise acurada. Os jovens entre 15 e 19 anos são as maiores vítimas da violência fatal e cometem apenas uma parcela destes crimes”, pontua a professora.

Os homicídios são a principal causa de morte de jovens de 15 a 29 anos no Brasil e atingem especialmente jovens negros do sexo masculino, moradores das periferias e áreas metropolitanas dos centros urbanos, constata o Mapa do Encarceramento: Os Jovens do Brasil, da Secretaria-Geral da Presidência da República. O relatório, ainda em versão preliminar, é baseado em dados consolidados do SIM/Datasus, do Ministério da Saúde, sobre as 56.337 vítimas de homicídio em 2012. Mais da metade delas, 52,63%, eram jovens (27.471), dos quais 77% negros (pretos e pardos) e 93,30% do sexo masculino. E apesar de, esporadicamente acontecerem crimes envolvendo adolescentes que sensibilizam a opinião pública, como o recente caso do médico Jaime Gold esfaqueado na Lagoa, no Rio de Janeiro, uma parcela ínfima comete crimes violentos. De acordo com uma estimativa do Unicef Brasil (feita a partir de dados da Pnad e Sinase de 2012) e citada em nota da ONU contra a redução da maioridade penal “dos 21 milhões de adolescentes que vivem no Brasil, apenas 0,013% cometeram atos contra a vida”.

Confirmando outra percepção de Pixote, a nota da ONU afirma: “Há inúmeras evidências de que as raízes da criminalidade grave na adolescência e juventude no Brasil se desenvolvem a partir de situações anteriores de violência e negligência social. Essas situações são muitas vezes agravadas pela ausência do apoio às famílias e pela falta de acesso destas aos benefícios das políticas públicas de educação, trabalho e emprego, saúde, habitação, assistência social, lazer, cultura, cidadania e acesso à justiça, que, potencialmente, deveriam estar disponíveis a todo e qualquer cidadão, em todas as fases do ciclo de vida”.

A legislação brasileira vai mais fundo, garantindo atendimento prioritário aos direitos de crianças e adolescentes na forma exigida pelo Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), promulgado em 1990. Na prática, porém, não apenas o Estado falha em garantir “um mínimo para esses meninos” em um país profundamente desigual, mas é ele que faz girar a roda de violência através de seu aparelho repressivo, como aponta Fernanda Laender, educadora no Centro de Direitos Humanos e Educação Popular de Campo Limpo. “A violação do Estado produz ‘vítimas’ e estas, quase sempre, se tornam ‘agressores’. É a reprodução da dinâmica da violência. No fundo, eles buscam igualdade, ter os mesmos direitos que os outros, e a violência é a forma mais ‘naturalizada’ de reivindicação. Existe um atravessamento do Estado na vida destes meninos e suas famílias, mantendo as coisas em seus ‘devidos lugares’. Pobres e negros cada vez mais pobres e excluídos. Os meninos não se tornam traficantes, eles crescem em meio ao tráfico e ao crime, mas vivem o mesmo apelo social de uma sociedade de consumo em que você é o que você tem. Os meninos querem isso também, ter coisas, ser alguém, experimentar o que é pertencimento e ser reconhecidos. Quando o Estado se mostra presente nas políticas públicas periféricas, se apresenta numa perspectiva policial e penitenciária, ou seja, policial e punitiva.”
Adolescência interrompida

Em uma rua do Jardim Maria Sampaio, no Campo Limpo, zona sul de São Paulo, sentado na calçada vendo o tempo passar, encontramos – eu, o fotógrafo José Cícero da Silva e o grafiteiro Gamão, que nos ajudava na missão – Pedro*, 17 anos, com duas passagens pela Fundação Casa. Ele nos leva até a casa onde mora com a mãe e cinco irmãos, as janelas de frente para um córrego a céu aberto que destrói tudo à sua volta a cada chuva forte. A casa de Pedro passa por uma reforma depois de ter caído em um desses dias de água brava.

O crack levou o irmão mais velho na mesma época em que Pedro largou a escola sem a mãe saber. O pai está preso. “Eu tinha 13 anos quando meu irmão morreu. Fiquei meio… Sei lá. Não tinha mais vontade de ir pra escola e fui pra rua. Rodei [foi pego pela polícia] com 15 anos, por tráfico, e fiquei na Fundação Casa 46 dias. O juiz brigou muito com a minha mãe, disse que ela não me educava direito. Mas minha mãe nem sabia que eu tava na rua, ela saía cedinho pra trabalhar e voltava tarde da noite. Fui lá pra unidade do Brás. Não apanhei, mas vi muito moleque apanhar dos agentes. Eles levavam pra um quartinho e eu só ouvia os menores gritando. Tampava os ouvidos pra não ficar ouvindo. Muita revolta, dá. Todo lugar que a gente entrava e saía tinha que pagar revista. Sacudia a camiseta três vezes, tirava a bermuda, a cueca, pagava canguru. Umas seis vezes por dia.” Pedro fala de cabeça baixa, o tom de voz quase inaudível, mas a entonação muda um pouco quando lembra da escola. “As professoras deixavam a gente escrever, desenhar. Era bom. Quando eu saí [da Fundação Casa], pensei que queria uma vida de trabalhador, estudar, ter família. Mas, quando voltei pra cá, o homem pra quem eu trabalhava disse que precisava de mim porque só tinha eu na rua e ele tava devendo um dinheiro pra polícia. Como ele me ajudou muito, deu tudo pra minha mãe enquanto eu tava lá dentro, eu não podia deixar ele na mão. Depois de uns meses me prenderam de novo, por roubo de carro. A polícia ficou rodando com a gente na viatura, bateram muito em nós, quebraram uma costela minha no chute. Jogaram tanto spray de pimenta lá dentro que eu até desmaiei na viatura. Daí me deixaram uns dias na delegacia e me mandaram pra Fundação Casa [de novo]. A mesma coisa, vi muito menor apanhar. Mas não aprendi nada lá não. Tem muito menino que sai muito mais revoltado.”

Quando indagado sobre a redução da maioridade penal, Pedro fica alguns segundos em silêncio. “Sei lá… Um menor naquele lugar? Acho que não vai ser boa coisa, né? Os caras vão querer atropelar, a mente vai sair… Pior.”

Aprovação da PEC na CCJ

No dia 31 de março deste ano, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou a admissibilidade da proposta de emenda à Constituição (PEC) 171, de 1993, que altera a redação do art. 228 a respeito da imputabilidade penal do maior de 16 anos. Ou seja: apenas os que têm até 16 anos continuam protegidos pela legislação especial (ECA) quando em conflito com a lei. Foi o primeiro passo para assegurar o andamento da proposta na Casa. O placar de votação foi de 42 deputados a favor e 17 contrários. O texto da PEC, redigido pelo então deputado do Partido Progressista (PP) Benedito Domingos, alega que os jovens de hoje têm mais discernimento do que os de antigamente: “A liberdade de imprensa, a ausência de censura prévia, a liberação sexual, a emancipação e independência dos filhos cada vez mais prematura, a consciência política que impregna a cabeça dos adolescentes, a televisão como o maior veículo de informação jamais visto ao alcance da quase totalidade dos brasileiros, enfim, a própria dinâmica da vida, imposta pelos tortuosos caminhos do destino, desvencilhando-se ao avanço do tempo veloz, que não pára, jamais”. E o deputado conclui: “Se há algum tempo atrás se entendia que a capacidade de discernimento tomava vulto a partir dos 18 anos, hoje, de maneira límpida e cristalina, o mesmo ocorre quando nos deparamos com os adolescentes com mais de 16”.

O argumento do deputado Benedito contradiz o parecer de psicólogos e especialistas em adolescência, vista por eles como uma etapa do processo de desenvolvimento. “São pessoas que estão em processo de constituição de seus valores”, destaca a presidente do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, Elisa Zaneratto Rosa, que se declarou oficialmente contra a medida. “Todos nós passamos por um processo de desenvolvimento pelo qual nos apropriamos dos valores postos na sociedade, em que desenvolvemos capacidades para fazer a reflexão crítica sobre esses valores. A psicologia reconhece que isso depende de um processo de formação – e de um processo de formação, inclusive em relação ao qual o Estado tem responsabilidade”, explicou em entrevista concedida à repórter Laura Capriglione para os #JornalistasLivres.

A proposta representa também um retrocesso em relação ao ECA, internacionalmente reconhecido como uma das melhores legislações do mundo referente à política da infância e adolescência. Uma pesquisa realizada pela ONU (Crime Trends) estudou a legislação de 57 países e aponta que apenas 17% delas estabelecem idade penal inferior a 18 anos. E essa é uma tendência: a Alemanha, por exemplo, que tinha baixado a idade penal, voltou para 18 anos e criou um sistema diferenciado para jovens entre 18 e 21 anos; o Japão também elevou a maioridade penal para 21 anos.

A aplicação de medidas socioeducativas – e não de penas criminais – para adolescentes em conflito com a lei prevista no ECA “relaciona-se com a finalidade pedagógica e decorre do reconhecimento da condição peculiar de desenvolvimento na qual se encontra o adolescente”, como citado no Mapa do Encarceramento – Os Jovens do Brasil. A intenção é proteger e educar as pessoas em desenvolvimento, um passo definitivo para se distanciar da doutrina que vigorava até então: a de repressão e disciplina dos “menores degenerados”, criados em ambientes familiares em ‘risco moral’”, que corriam o risco de se tornarem “criminosos”.

O que não significa impunidade para os menores de 18 anos. Há medidas socioeducativas cumpridas em meio aberto (advertência, reparação do dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida), mas também as que preveem restrição de liberdade (semiliberdade e internação em estabelecimento educacional), executadas por instituições públicas, ligadas ao Poder Executivo dos estados, como a Fundação Casa, em São Paulo. Segundo o último Sinase, em 2012 havia 20.532 adolescentes em medidas socioeducativas de restrição e privação de liberdade no Brasil, número correspondente a 0,10% da população de 12 a 21 anos.
A alma que pecar, essa morrerá (Ez. 18)

O ECA estabelece também que a responsabilidade pela proteção de direitos dos mais jovens deve ser compartilhada pelo Estado, família e sociedade. Mas é à Bíblia que o deputado Benedito recorre para apoiar o argumento que fundamenta sua proposta de PEC: “A uma certa altura, no Velho Testamento, o profeta Ezequiel nos dá a perfeita dimensão do que seja a responsabilidade penal. Não se cogita nem sequer a idade. ‘A alma que pecar, essa morrerá’ (Ez. 18). A partir da capacidade de cometer o erro, de violar a lei, surge a implicação: pode também receber a admoestação proporcional ao delito – o castigo. Nessa faixa de idade, já estão sendo criados os fatores que marcam a identidade pessoal e surgem as possibilidades para a execução do trabalho disciplinado. Ainda referindo-nos a informações bíblicas, Davi, jovem modesto pastor de ovelhas, acusa um potencial admirável com o seu estro de poeta e cantor dedilhando a sua harpa, mas, ao mesmo tempo, responsável suficientemente para atacar o inimigo pelo gigante Golias, comparou-o ao urso e ao leão que matara com suas mãos”.

Nem todos os deputados favoráveis à PEC, porém, votaram movidos pela visão bíblica do colega do PP. Gabriela Ferraz, advogada do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), aponta motivos mais terrenos por trás dos votos: “Muitos deputados têm financiamento de gestores de penitenciárias privadas e empresas de segurança pública. ‘Eu pago sua campanha e você vira meu funcionário, meu representante, cumpre minhas tarefas.’ Assim como foi feito com a educação e a saúde, a gente sucateia o público pra dizer que o privado é muito melhor. E a penitenciária privada surge nesse contexto. Interessante trazer a guerra às drogas, a redução da maioridade bem quando se discute as penitenciárias privadas no Brasil. Essas penitenciárias privadas, por contrato, precisam estar cheias. Quanto mais presos, maior o lucro, como mostrou o documentário da Pública. A gente precisa entender que o deputado está sendo pago pra isso. Assim como a indústria bélica força a queda do Estatuto do Desarmamento. Estamos falando de muito dinheiro. É importante lembrar também que existem outros 38 projetos de lei em trâmite que, de alguma forma, preveem a maior penalização do adolescente”.

A Pública bateu à porta da maioria dos 42 deputados que votaram a favor da redução na Câmara dos Deputados, em Brasília. Além de querer conhecer seus argumentos, queria saber se havia um plano para incluir esses adolescentes em um sistema prisional que hoje conta com um déficit de mais de 200 mil vagas, além de ser mundialmente reconhecido por inúmeras violações de direitos humanos.

E com uma taxa de reincidência criminal em torno de 70%, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). De acordo com o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), “as taxas de reincidência nas penitenciárias ultrapassam 60%, enquanto no sistema socioeducativo se situam abaixo de 20%”.

Apenas quatro deputados aceitaram falar, e um, Bruno Covas (PSDB), respondeu via SMS enviado pela assessora de imprensa. A mensagem diz: “O deputado tem a seguinte opinião: acha que o tema deve ser discutido. Deve ser tema de debate. Por isso votou pela admissibilidade. Uma oportunidade para ouvir especialistas contrários e especialistas favoráveis à redução da maioridade. Desse modo, a comissão especial pode chegar a uma conclusão equilibrada e justa”.

Como antecipou esta matéria do site Vaidapé, Bruno foi um dos deputados a votar a favor da PEC que obtiveram financiamento de empresas possivelmente interessadas na privatização de presídios. Na prestação de contas divulgada pelo TSE, aparecem como doadoras a empresa Copseg Segurança e Vigilância Ltda. e Grandseg Segurança e Vigilância Ltda., com doação total de R$ 20 mil. Já o pastor evangélico João Campos (PSDB-GO) recebeu R$ 400 mil das empresas Gentleman Segurança Ltda. e Gentleman Serviços Eireli. Felipe Maia (DEM-RN) recebeu doações de R$ 100 mil da empresa Gocil Serviços de Vigilância e Segurança Ltda. E, de forma mais expressiva, o deputado Silas Câmara recebeu doações de R$ 200 mil de uma empresa chamada Umanizzare Gestão Prisional e Serviços Ltda., que também doou R$ 400 mil para sua esposa, Antonia Lúcia Câmara (PSC-AC) e R$ 150 mil para a filha, Gabriela Ramos Câmara (PTV-AC).

A empresa gere presídios privatizados e é responsável pela administração de seis unidades prisionais só no Amazonas, estado do deputado. No Tocantins, ela administra outras duas unidades. A empresa administra também uma unidade no Mato Grosso em parceria com outras empresas e o Estado (PPP). Procuramos Silas Câmara em seu gabinete e através de inúmeras ligações, mas não conseguimos entrevistá-lo.

Felipe Maia foi o único entre os deputados citados acima a receber a Pública em seu gabinete. O deputado disse que não acredita que a redução da maioridade penal seja a solução para a segurança pública no Brasil, “longe disso”, mas que esta se justifica “pelo número de criminosos ou de jovens delinquentes que hoje têm como realidade a pena socioeducativa de três anos sem registro do delito”. Questionado sobre qual seria o plano para abrigá-los no sistema penitenciário, ele foi claro: “Eu sempre defendi e defendo a privatização do sistema prisional porque acho que o Estado não tem condições de arcar com os custos. Existe a possibilidade de transformar os presídios em empresas em que você cobra do concessionário a ressocialização do preso, a não fuga, a não entrada de celulares. Aquilo tem que dar lucro”. E continua: “Como você vai deixar solto um jovem que mata um pai de família porque o sistema prisional está falido? Vamos resolver os presídios!”. Ele atribui a volta da PEC à “coragem do presidente da casa, Eduardo Cunha, em trazer matérias polêmicas como a terceirização, a reforma política e a redução da maioridade”.

A coordenadora de pesquisa do Programa Justiça sem Muros, do ITTC, Raquel da Cruz Lima, também atribui a Cunha e ao atual momento político a volta da PEC da redução da maioridade penal. “O Eduardo Cunha volta com essa pauta também para mostrar a ausência de base do governo. Porque antes ela já tinha ido para votação na CCJ e o governo segurou. Agora não conseguiu porque não há capital político. Acho que é justamente para ser uma posição simbólica desse esfacelamento da base aliada e do poder do governo federal em barrar políticas diminuidora de direitos, como a da terceirização e outras que estão passando. Isso fica claro nas falas do Eduardo Cunha.”
Dois pesos, duas medidas

Outro deputado que votou a favor da PEC foi Alceu Moreira (PMDB-RS), conhecido por uma intervenção gravada em vídeo durante uma audiência pública de 2013 sobre a demarcação de terras indígenas em que recomenda aos detentores da terra que “se fardem de guerreiros e não deixem um vigarista desses dar um passo na sua propriedade” e que “reúnam verdadeiras multidões e expulsem [os indígenas] do jeito que for necessário”. Moreira disse que votou pela redução porque acredita que hoje as pessoas amadurecem mais cedo e que o adolescente tem clareza do que está fazendo ao cometer um crime. Faltou clareza ao deputado, porém, ao defender seu ponto de vista: “Não é pelo Estatuto da Criança e do Adolescente que se trata o adolescente, mas também não é através no sistema prisional”. Para explicar a contradição aparente, alegou que, embora defenda o controle do Estado sobre o sistema prisional, as empresas privadas deveriam administrá-lo através de contratação por edital. “Se você paga bem, pode ter certeza que não entra facão ou telefone lá.” Segundo o site Transparência Brasil, Moreira já foi condenado por improbidade administrativa; condenado em segunda instância ao pagamento de multa por contratação irregular de funcionário público; condenado ao pagamento de multa por conduta vedada a agente público (uso irregular de serviço social de saúde pública), e é alvo de inquérito que apura crimes da Lei de Licitações e corrupção passiva.

A Pública entrou em contato com a assessoria de imprensa do candidato pedindo explicações, mas não teve resposta até o fechamento da reportagem.

Já o deputado Laudívio Carvalho, do PMDB de Minas Gerais – membro declarado da bancada da bala e relator da proposta que revoga o Estatuto do Desarmamento –, diz que não só é a favor da PEC como luta por isso há muitos anos. “Em Minas Gerais, como jornalista da área policial, a cada dez ocorrências em que eu trabalhava, em oito havia a presença de menores em conflito com a lei. Hoje o tempo máximo de um menor infrator é de três anos. Eu defendo seis anos para crimes de violência média, e oito para crimes mais graves, contra a vida.” Sobre a crise penitenciária, repetiu o argumento ouvido diversas vezes pela Pública de outros deputados: “Nós temos que dotar o Estado de mecanismos para punir com força e cobrar dos estados federativos que os governantes tenham a responsabilidade legal de fazer cumprir”.

A fala mais transparente talvez tenha sido a do deputado Pastor Eurico, do PSB de Pernambuco. Depois de afirmar que vivemos em um país em que “a consciência da impunidade está nesses chamados menores, entre aspas, que de burros não têm nada”, ele fez a ressalva: “Cada caso é um caso”. E escancarou: “Um cidadão de bem que criou seu filho, deu educação, o menino pega o carro do pai e ‘vou ali’ daí sai, atropela, matou. Esse menino não é bandido, tem educação, testemunho, formação, ele vai ser tratado igual ao cara que sai com um revólver sequestra e mata? É diferente. Tem que parar pra pensar e analisar”.

“Vá até esses delinquentes mirins e ofereça uma boa casa, viver com dignidade, escola, tudo. Você vai encontrar um monte que não quer, que quer viver na bandidagem. Hoje é 16 anos; se amanhã for pra 14, eu voto a favor, não quero nem saber. A instituição não reeduca, mas, se não reeduca, não é problema meu. Cadeia é lugar onde se pensa. O problema é que aqui é frouxa a cadeia. O sistema nosso tem que mudar? Tem. A condição é subumana? É. Vive feito bicho? Vive. Uma cela pra 10 tem 50. Eu sei disso. Mas não fui eu que cometi crime. Todo menino bandido agora passou a ser boa pessoa. O que esse pessoal quer? Pega os meninos e leva pra casa, pra viver com sua família”, concluiu o deputado.

Em artigo escrito em 2013 para o livro “Quase Noventa Anos, homenagem a Ranulfo de Melo Freire”, a presidente da Fundação Casa de São Paulo, Berenice Maria Gianella, afirmou que apenas 1,08% dos adolescentes cumprindo medidas socioeducativas de internação em 2012 respondiam por latrocínio, 0,57% por estupro e 0,78 por homicídio doloso (quando houve intenção de matar).
Eles já estão presos

“O ECA nunca foi colocado em prática, então a gente está tentando desconstruir um sistema que nunca foi efetivado”, diz a defensora pública do núcleo de Infância e Juventude Lígia Cintra de Lima Trindade. “Esse discurso da impunidade é um mito, eles já estão em um sistema repressivo. Os adolescentes têm seus direitos colocados em xeque o tempo todo, às vezes de uma forma mais gravosa que os adultos. E, como no sistema criminal, as prisões são seletivas, discriminatórias, com a maioria de pobres e negros cumprindo as medidas socioeducativas. Mas aqui a gente ainda tem uma margem de disputa, para reivindicar que esses meninos estudem, tenham uma atenção, que suas famílias sejam colocadas em programas sociais. No sistema prisional, isso não vai acontecer”, explica Lígia.

Sua colega, a defensora Fernanda Balera, acrescenta: “A gente tem adolescentes internados por atos pelos quais adultos não seriam presos, como crimes de ameaça, brigas em abrigo, muitos por brigas em escola. Um roubo tentado, por exemplo, se fossem aplicar a lei como ela é mesmo, a pena ficaria abaixo de quatro anos e ele sairia para um regime aberto, enquanto para um adolescente é muito difícil que isso aconteça. Ele vai ficar internado por no mínimo oito meses a um ano, que na vida dele representa um tempo enorme. Quando você tem 15 anos, ficar até os 16 preso, quanta coisa acontece nesse tempo? Ninguém aqui está dizendo que ele não sabe o que está fazendo. A gente parte do pressuposto de que aquele é um ser em desenvolvimento. Ele tem consciência, mas essa consciência está em desenvolvimento, suscetível a influências, algo muito próprio da adolescência, e não tem como não levar isso em consideração”.

As defensoras contam que não só o ato infracional é levado em conta nas audiências, mas também as condições familiares e até as músicas que eles escutam. “Eu participei de uma audiência em que o menino compunha músicas, e a juíza queria saber que tipo de música, porque, se fosse funk ou rap, não era coisa boa”, lembra Fernanda. “As audiências têm um caráter supermoralizante, o juiz coloca uma lupa na vida do menino, e é alguém de classe média querendo colocar os seus valores próprios em uma pessoa que cresceu em outro meio. Mães são encaminhadas pra laqueadura, para grupos de apoio para aprender a criar seus filhos. Existe, inclusive, um recorte de gênero aí, porque a figura do pai é geralmente inexistente ou mesmo, quando existe um pai, é a mãe que toma as broncas.”

Já na primeira audiência que acompanhou, “por volta de 2000”, o defensor público de Santo André Marcelo Novaes presenciou uma cena reveladora da disposição dos juízes em relação aos adolescentes. “A vítima disse que não reconhecia o réu porque o menino que tinha assaltado usava um boné vermelho. ‘Uma bombeta?’, perguntou o juiz. E abriu uma gaveta cheia de bonés, pegou um vermelho e colocou na cabeça do menino. ‘E agora, você reconhece?’, e a vítima respondeu ‘agora reconheço”.
Tortura, submissão e revistas vexatórias

A violência sofrida por adolescentes sob tutela do Estado foi alvo de uma série de denúncias do defensor Marcelo Novaes, que, em 2013, organizou audiências públicas a respeito das cerca de dez revistas vexatórias diárias pelas quais passam os internos da Fundação Casa, em São Paulo, contadas à reportagem por Pedro*. “Cheguei a me afastar por algum tempo, quando um menino denunciou um caso de tortura e uma semana depois teve ‘um surto psicótico’ enquanto fumava um cigarro e morreu queimado. O processo foi arquivado”, conta.

Durante a investigação de denúncias de torturas em unidades do ABC (região metropolitana de São Paulo), em que 60 adolescentes foram periciados para comprovar uma surra coletiva sofrida na instituição, ele perguntou para um dos meninos se sofriam muitas revistas durante a rotina. A resposta foi estarrecedora: “E ele respondeu que sim, sete, oito, dez, doze por dia. Eles chamam de ‘descascar’. Tira a roupa, abre as nádegas, agacha, torce as roupas. Eles saem de manhã das celas – porque são celas, trancadas, clac, clac – e fazem revista. Faz a higiene, paga revista. Vai para o refeitório, paga revista. Vai pra escola, paga; volta da escola; paga. Imagina você fazendo isso no seu dia a dia. Eles têm uma linha amarela desenhada no chão, têm que andar olhando para a linha. Andar com a cabeça baixa, as mãos para trás, sempre em posição de submissão. Porque teoricamente eles podem pegar um lápis e matar um agente. Daria para contar os lápis ao invés de revistar, por exemplo, mas não é feito assim. Essa revista está no manual de procedimento.”

Reprodução de manual da Fundação Casa

Para Novaes, as revistas não são simples medidas de segurança, mas também uma forma de submeter os adolescentes. “Acho que tem uma coisa de docilização do corpo, uma forma de submeter esses adolescentes, tem uma conotação sexual muito forte, como um estupro institucionalizado. O discurso que se repete é o do ‘mas ele pode me matar’, e eu respondo que é mesmo possível. Porque esse menino já passou por um processo tão violento na vida e, quando ele chega lá, ao invés de você desconstruir essa violência e tentar construir algo positivo, responde com mais violência. Acho que o crime é uma resposta errada pra uma situação errada. ‘O mundo é injusto, meus pais se danam pra pegar uma marmita, meu irmão morreu assassinado pela PM, não entendo nada na escola.’ Daí eu me pergunto: um menino desses, quando sai da instituição, que relação vai ter com o mundo? Teve o caso do menino que colocou fogo na dentista em Diadema. Ele ficou um ano internado. Por quantas dessas revistas, humilhações e torturas ele passou? Será que ele criou um prazer em ver o sofrimento no outro? Até que ponto ele não reproduziu o que viveu? Ele riscou o fósforo, mas quem jogou o álcool? Eu não estou isentando ele da responsabilidade, mas até que ponto nós não contribuímos pra essa situação? Vou dizer uma coisa muito grave: se ele for saudável, ele vai se rebelar.”

Novaes conta que a última denúncia que acompanhou aconteceu uma semana antes das eleições de 2014. “Cheguei na unidade, um calor tremendo, todos os meninos de moletom. Pedi pra tirar e estavam lá as marcas. Os 70 meninos apanharam com cabos de vassoura que depois a gente achou no lixo. Teve uma vez que eu fui visitar uma unidade em Mauá com denúncias de tortura, e o negócio era tão feio que eu pedi no requerimento que os agentes fossem proibidos de usar botas com biqueiras de aço. Nós temos hoje uma sociedade extremamente dividida, com bolsões de miséria absurdos. Temos 30 milhões de jovens de 15 a 30 anos sem atividade, sem perspectiva. São esses caras que vão para o sistema. É nosso exército. A gente recruta preso ali. E essa questão da criminalização dos jovens vai aumentar se você colocar um menino num sistema desses, e não o contrário.”
Extermínio, o fim da linha

A experiência de Lígia como defensora lhe trouxe outra constatação aterradora: são muitos os casos em que adolescentes em conflito com a lei – raramente perigosos, como ela destaca – são exterminados depois de soltos. “Essa imagem do adolescente perigoso, armado, passa muito longe do perfil dos internos da Fundação Casa. Não é a maioria. Mas, ao contrário, é impressionante o número de processos que encerraram por óbito. É realmente muito comum. O que mais uma vez mostra que eles morrem mais do que matam. Geralmente são exterminados pela polícia. Saem da Fundação Casa e, no próximo BO em que se envolvem, são exterminados. Em uma audiência, eu conversei com um promotor e ele, querendo me convencer da redução da maioridade penal, disse que a culpa de os adolescentes serem assassinados era desse sistema que garantia a impunidade. Porque o policial prefere matar do que levar pra delegacia, pra ele ser internado e não acontecer nada; ‘se a punição for mais dura isso não vai acontecer’ [disse o promotor]. Olha onde chegamos.”

“O próprio caso do Champinha, que se usa como exemplo de impunidade, além de ser uma exceção, não faz sentido”, explica Fernanda, referindo-se ao então garoto de 17 anos que sequestrou, torturou e matou um casal de adolescentes. “O crime aconteceu em 2003 e ele está até hoje preso, em um lugar que é uma aberração jurídica chamada Unidade Experimental de Saúde. Lá ficam meninos que foram diagnosticados com transtorno de personalidade, e ninguém sabe muito o que acontece.”

A sociedade, porém, parece esquecer sua responsabilidade constitucional para com os adolescentes, ignorando fatos e números que mostram que eles são mais vítimas de crimes do que culpados pelos altos índices de homicídio do país, e não gozam da propalada imunidade quando em conflito com a lei. Uma pesquisa da Confederação Nacional dos Transportes, de 2013, revelou que 92,7% dos entrevistados apoiavam a redução da maioridade penal.

“Parece que a sociedade briga por um endurecimento por achar que as medidas socioeducativas são brandas, e na verdade existe uma punição ainda mais dura para os adolescentes porque ela justamente não tem os benefícios dos processos, ela não tem pena e ao mesmo tempo replica todas as violências como as revistas vexatórias, a seletividade, a segregação e as torturas de forma ainda pior. Ainda assim, é preciso que se entenda que o sistema de medidas vai mal, mas a solução não é endurecer ainda mais, e sim investir, melhorar e torná-lo menos punitivista”, defende a advogada Gabriela Ferraz, do ITTC.

Como destaca a pesquisadora Jacqueline, não há provas de que haja relação entre maior encarceramento e diminuição da criminalidade: “A análise conjunta dos dados sobre os homicídios e dos dados sobre encarceramento não permite afirmar que prender mais resulta em menos homicídios. Na maior parte dos estados brasileiros, houve aumento do número de presos e crescimento dos homicídios. Prender mais não resulta necessariamente em redução da violência.”

O desembargador José Renato Nalini, presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo e declaradamente contra a redução da maioridade penal, conclui: “Uma sociedade egoísta quer se livrar do incômodo e tem como solução trancar todos: os adultos num sistema prisional carcomido, corrompido, contaminado de vícios insanáveis e que não funciona em todo o planeta. Já somos o terceiro país que mais aprisiona. Queremos agora ser o primeiro que mais encarcera menores. Vamos de 18 para 16, depois de 16 para 14, de 14 para 12 e, finalmente, com algum exagero, teremos berçários-reformatórios. Não é essa a solução. É preciso juízo e fortalecer a responsabilidade cidadã. Resgatar o princípio da subsidiariedade. Não surfar na onda recorrente de criar mais tipos penais, aumentar os castigos, instituir pena de morte. O caminho é outro”.

Paulo*, 29 anos, 9 anos e sete meses passados dentro de sistema penitenciário, concorda. “Se mandar esses meninos direto pra cadeia, a mente vai ficar pesada e depois não adianta segurar porque o bagulho é um câncer. Depois que espalhar, já era, não dá mais pra conter. Eu vi cara morrer, vi a polícia jogar bomba de gás em uma cela pequena com 11 caras dentro… Tem noite que eu sonho que tô lá dentro e não consigo acordar. Imagina isso na mente de uma criança.”

O desabafo de Mirian França: "Sou negra! E sou a prova!"

Mirian França, encarcerada e considerada culpada de um crime que não cometeu (Divulgação)

“Sou filha de uma negra solteira, pobre, costureira, que jogou uma negra doutora na cara da sociedade. Eu sou a prova viva de que a redução da maioridade no Brasil é pretexto pra prender criança negra. Sou a prova de que, pra polícia brasileira, culpa tem cor [...]” Leia a íntegra do desabafo de Mirian França, encarcerada por suspeita de assassinar uma turista italiana

Hoje acordei com vontade de gritar: SOU NEGRA!

Por Mirian França,
Sou filha de uma negra solteira, pobre, costureira aposentada, que jogou uma negra doutora na cara da sociedade. Uma negra que estuda e trabalha pra caralho pra garantir o direito de ser livre e viver como quiser.

Essa sou eu, MIRIAN FRANÇA, a negra encarcerada no Ceará em Dezembro de 2014 por suspeita de assassinar uma turista italiana.

Graças aos amigos e a população, a policia foi obrigada a me libertar do meu cárcere. Cárcere, sim! Pois se tratando de uma prisão sem fundamentos, está configurada uma prisão ilegal. Uma prisão cometida por uma polícia despreparada e racista, que insiste em enxergar o negro como culpado mesmo quando não existem provas, evidências, motivação ou testemunha; que insiste em dizer que têm “CONVICÇÃO” de que somos culpados mesmo quando não há nenhuma prova da nossa culpa.

Quando se trata dos negros, a polícia se esquece do nosso direito básico de que somos inocentes até que ELES provem o contrário. Não somos nós que precisamos provar nossa inocência.

Aos 31 anos descobri o que é ser negra de verdade.

Ser negra é ser chamada de estranha quando você sai de férias e passa o dia na beira da piscina lendo, porque uma negra gostar de ler “é muito contraditório […] provavelmente está forjando um álibi”.

Ser negra é ser questionada sobre como teria dinheiro para tirar férias no Ceará (um estado do MEU país, onde apenas turistas estrangeiros parecem ser bem vindos).

Ser negra é ter a obrigação de andar com um macho a tira colo; não poder viajar sozinha; não ter o direito de trepar com quem quiser sem ser chamada de puta (aliás, essa é a sina de todas nós mulheres).

Ser negra é ter medo de parir uma criança que já nasce como um alvo para o genocídio. Que precisa ser preparado para a violência policial, pra chacota na escola, no teatro, na vida toda.

O RACISMO no Brasil É UM CRIME PERFEITO. É o crime sem corpo, sem prova, sem testemunha. Mas é nítido quando a polícia tem “convicção de que você é culpado”, apenas com base no seu “comportamento suspeito” (Gostar de ler? Gostar de escutar música? Gostar da introspecção? Gostar de viajar? Ser solteira?).

Não precisa chamar o negro de macaco pra ser racista, basta abrir os olhos e ver quem é preso por engano. Basta ver quem precisa provar a inocência (quando a lei é clara que se é inocente até que se prove o contrario).

Quem é assassinado nos autos de resistência nunca é um branco. Eu nunca soube de um branco preso em manifesto por portar uma garrafa de desinfetante (Daniel Braga). E nem uma branca ser arrastada por viatura policial (Claudia Ferreira).

Eu sou a prova viva de que a redução da maioridade penal no Brasil é pretexto pra prender criança negra.

Sou prova viva de que pena de morte no Brasil é consentimento jurídico para o Estado assassinar mais negros.

Eu sou a prova de que, pra polícia brasileira, a culpa tem cor.

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Saiba mais informações sobre o caso Mírian França nos links indicados:

Fonte: MamaPress.

terça-feira, 26 de maio de 2015

Não à Redução da Maioridade Penal!


“porque o julgamento será sem misericórdia para aquele que não pratica a misericórdia” Tg 2,13.

Questão Social

por Bruna Rosa Dias,
Vive-se em uma sociedade capitalista, exacerbadamente consumista e socialmente desigual de modo que quando adolescentes cometem furtos estão reagindo negativamente às pressões sociais; se cometem ilícitos contra a pessoa é porque, em via de regra, conviveram desde tenra idade com a violência e não foram ensinados que a vida deve ser valorizada e respeitada; quando raramente cometem crime contra a liberdade sexual, em sua maioria, sofreram abuso sexual infantil e como a maioria das pessoas não aprenderam a respeitar a sexualidade do outro e nem a sua própria.

Pesquisa realizada pelo ILANUD [Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente], na capital de São Paulo durante os anos de 2000 a 2001, com 2.100 adolescentes acusados da autoria de atos infracionais, observa-se que a maioria se caracteriza como crimes contra o patrimônio. Furtos, roubos e porte de arma totalizam 58,7% das acusações. Já o homicídio não chegou a representar nem 2% dos atos imputados aos adolescentes, o equivalente a 1,4 % dos casos conforme divulgado em texto do jornalista Vinicius Bocato.

No mesmo texto há dados que informam que dentre os 9.016 internos da Fundação Casa, neste momento apenas 83 infratores cumprem medidas socioeducativas por terem cometido latrocínio, roubo seguido de morte, caso que reacendeu o debate sobre a maioridade penal na última semana. Ou seja, menos que 1% cumprem medidas socioeducativas. A propósito, essas pesquisas sequer incluem os crimes contra a liberdade sexual o que nos leva a crer que isso se deve a sua ínfima prática.

Em outra pesquisa, realizada em São Paulo, e disponibilizada pela Fundação Casa percebe-se o perfil dos adolescentes internados onde a maioria é órfã, pobre e já não frequenta mais a escola, uma população que já é marginal e seria ainda mais marginalizada com a redução da maioridade penal. O que vai contra o objetivo constitucional do Brasil que é reduzir a pobreza, a marginalização e a desigualdade social.

Um ponto de vista materno

Quando penso como mãe e me deparo com o fato de que grande parte dos adolescentes que cometem delitos são órfãos as coisas começam a fazer sentido e passo a sentir um enorme peso diante dos fatos. A principal função da mãe e do pai é amar seu filho ou filha, observemos que quando essas crianças que depois se tornarão jovens delinquentes não tem a presença desse adulto que deveria tê-los amado em primeiro lugar e acima de tudo, pelo simplesmente fato de existirem, não é difícil perceber o imenso mal que isso gera em sua formação enquanto pessoa, especialmente em seu caráter.

Políticas Públicas ou Redução da Maioridade Penal, qual seria mais eficaz?

Até que ponto não seria mais eficaz no combate à violência na sociedade, políticas públicas que gerem menos órfãos, e práticas sociais de apoio, ajuda e compreensão aos órfãos? Sobre a outra parte dos jovens que não sendo órfãos e ainda assim delinquem precisaríamos investigar se suas mães e pais aprenderam a amar e a dar amor. O endurecimento social, a banalização do mal e da violência muitas vezes nos impede de aprender a amar, e quando a função de pais e mães é amar seus filhos, o que ocorre quando eles não amam?

Do ponto de vista da maternidade o que me passa é que devemos amar as crianças dos outros porque elas também são nossas, e elas vão nos procurar mais cedo ou mais tarde, ou protagonizando belas histórias de superação da pobreza ou violando as normas do direito penal. O que não entendo é como é possível que se ame as suas crianças e se odeie todas as outras que não se adequaram às normas sociais que lhes são impostas.

A situação de extrema pobreza também pode levar parte desses jovens a delinquir, é por isso que a nível estatal temos que apoiar programas de transferência de renda como o bolsa família, o bolsa educação e outros que muitos criticam desavisadamente. No âmbito pessoal, se você conhece uma família que precisa, doe cestas básicas, olhe para o lado e será possível ver muitos meninos que nunca tiveram um tênis, doe. Talvez se nós fizéssemos o bem primeiro, eles não seriam tão facilmente aliciados pelo tráfico.

Questão Jurídica

Antes de tudo é preciso dizer que o parecer da Comissão de Constituição e Justiça não foi aprovado por quem entende acerca de questões jurídicas, e sim por politiqueiros que agem pautados por medidas populistas. Desconheço um jurista sério que defenda a constitucionalidade da redução da maioridade penal, vejamos o que diz a letra da nossa Carta Magna:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III – a dignidade da pessoa humana;

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

II – prevalência dos direitos humanos

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
3º – O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:

IV – garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica.

A Carta Magna é explícita em determinar que o fundamento do Estado é a dignidade da pessoa humana, ora passa longe de ser fiel as suas bases a permissão para lançar no precário e medieval sistema carcerário brasileiro, adolescentes a partir de 16 anos. Esse sistema precário, digno de filmes de horror, está bem longe de promover a reabilitação social, servindo à expiação dos corpos culpados e à saciar a sede de vingança coletiva tal qual já descrito por Beccaria e Foucault.

E afinal de contas, o que é a Dignidade da Pessoa humana?

É complexa a compreensão do que seria a dignidade da pessoa humana, conceito forjado primeiramente por teólogos e em seguida incorporado pelas ciências jurídicas, mas que podemos entender como sendo o conteúdo dos direitos fundamentais que possui todo o ser humano apenas por ser pessoa humana, e dentre esses direitos humanos está o o direito à vida, à liberdade e a integridade física e psíquica. O princípio da dignidade humana pode ser instrumentalizado como critério de ponderação, de modo que entre o direito de punir do Estado e o direito à liberdade e à integridade física e psíquica dos adolescentes, segundo o princípio da dignidade humana, deve prevalecer os direitos dos jovens.

Dentre os objetivos da República Federativa do Brasil encontra-se a construção de uma sociedade justa e solidária. E como é possível que construir justiça e solidariedade por meio do encarceramento de adolescentes?

O conceito de justiça é complexo, mas se achamos que vale a pena ir atrás dela precisamos tentar admitir alguma definição que seja válida para a maioria das pessoas que dialogam e se comunicam em busca do bem social, partimos assim do pressuposto de que a justiça não é a conveniência dos mais fortes, como defendiam os sofistas. Mas que a justiça é o que legitima o próprio direito. A justiça é entendida como um bem em si que deve ser buscado para que o direito seja legítimo e não apenas a expressão do uso da força.

A justiça é um bem em si, se não o bem em si. De maneira que ao verificar se determinada postura social é justa precisamos investigar se ela é boa por si mesma. Então vamos lá, pensem em imagens de presídios brasileiros que são constantemente televisionadas ou pesquisem por imagens de cadeias, em seguida visualize que com a redução da maioridade penal colocaremos milhares de adolescentes naquele local. Isso é o bem em si? Ou isso é conveniente para os que desejam vingança?

Questão importantíssima para a temática é a inconstitucionalidade da proposta de emenda constitucional que pretende reduzir a maioridade penal. Ocorre que além de violar o princípio da vedação ao retrocesso no que diz respeito à proteção dos direitos humanos, violaria também o princípio da inimputabilidade penal dos menores de 18 (dezoito anos) que determina a aplicação da legislação especial quando ocorrer à prática de ato infracional, o que se trata de direito fundamental dos adolescentes e como tal não pode ser retirado, nem mesmo por meio de PEC (Projeto de Emenda Constitucional), pois constituindo-se em tema protegido por cláusula pétrea, não pode ser excluído ou sequer reduzido, sem violação da Ordem Constitucional vigente.

Se esse “detalhe” sobre a inconstitucionalidade escapou à análise da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, temos plena convicção de que não passará em branco pelo julgamento da Corte Constitucional, que em diversos casos em que estão sob litígio os direitos fundamentais tende a priorizar a sua defesa em detrimento de outros direitos que não sejam direitos fundamentais.

Fonte: Afromaternidade.

Mortes de jovens negros no Maranhão ultrapassam média nacional



Os dados divulgados na semana passada, fazem parte do Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade Racial 2014 (IVJ), elaborado em parceria entre a secretaria, Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Ministério da Justiça e o escritório da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) no Brasil. Os dados utilizados são de 2012.

O levantamento mostra que os negros, que incluem pretos e pardos, com idade de 12 a 29 anos, correm mais risco de exposição à violência, ou seja, estão mais vulneráveis que os brancos (que incluem brancos e amarelos), na mesma faixa etária.

O cálculo feito pelo relatório da SNJ leva em conta mortalidade por homicídios e acidentes de trânsito, frequência à escola e situação de emprego, pobreza no município e desigualdade. Em relação ao Maranhão, o fator situação de pobreza é o que mais contribuiu para o elevado índice de risco de homicídio entre a juventude negra do estado. De acordo com os dados do levantamento, o indicador de pobreza no Maranhão chega a 0,862, colocando o estado na segunda pior posição em relação a esse fator, ficando à frente apenas do estado de Alagoas, onde o indicador chega a 0,872.

Com relação à vulnerabilidade, o Maranhão apresenta o 13º maior índice (0,451). O maior índice é o de Alagoas (0,608), seguido da Paraíba (0,517), Pernambuco (0,506) e Ceará (0,502). São Paulo tem o menor (0,200), junto de Rio Grande do Sul (0,230), Santa Catarina (0,252), Minas Gerais (0280) e Distrito Federal (0,294).
Risco de Homicídios
Quando se leva em conta, apenas o critério de homicídios, o Maranhão tem o 13º maior risco relativo aos jovens negros. No estado, um jovem negro tem 2,80 vezes mais chance de ser assassinado do que um jovem branco. O estado da Paraíba é onde há o maior risco.
O levantamento faz uma comparação entre os dados de 2007 e 2012. Nesse período, segundo os dados, houve agravamento no índice de vulnerabilidade tanto à violência geral, quanto ao risco de homicídios. Em 2007, foram assassinados 33,2 negros para cada grupo de 100 mil jovens no Maranhão, contra 15,2 jovens brancos para cada 100 mil. Já em 2012, foram mortos 50,2 negros para cada grupo de 100 mil jovens no estado, contra 17,9 jovens brancos para cada 100 mil.

Ranking dos municípios
Os dados divulgados pela SNJ apresenta ainda o ranking dos municípios com mais de 100 mil habitantes em relação ao índice de vulnerabilidade juvenil. Das 288 cidades com essa quantidade de habitantes, incluídas nos dados do IVJ, nove estão no Maranhão. São José de Ribamar, que aparece na 15ª posição no ranking, com vulnerabilidade muito alta, com IVJ de 0,541. Além da cidade da região metropolitana de São Luís, aparecem com alta vulnerabilidade à violência, os municípios de Caxias (19ª posição), Imperatriz (45ª), Timon (50ª), São Luís (73ª), Açailândia (86ª), Bacabal (104ª), Paço do Lumiar (123ª) e Codó (124ª).

Segundo o governo, o novo indicador será utilizado pelo Plano Juventude Viva, da Secretaria Nacional de Juventude, para orientar políticas públicas de redução da violência contra jovens no país.

Governo do Estado
Para a titular da Secretaria Extraordinária da Juventude (SEEJUV), Tatiana Pereira, o que deve ser observado inicialmente, sobre os dados divulgados pela Secretaria Nacional de Juventude, é o fator preponderante entre os que são levados em consideração para se chegar ao Índice de Vulnerabilidade Juvenil, ou seja o indicador de pobreza. De acordo com Tatiana, esse é um dos pontos prioritários a ser combatido pelo Governo do Estado através de um grande plano de políticas públicas, que devem ser refletido em toda a população maranhense, mais sobretudo na população jovem.

“O Plano Mais IDH é um conjunto de projetos, programas e ações que o governo já está implementando para melhorar o Índice de Desenvolvimento Humano no estado. Entre essas ações, há ações e programas que vão atingir principalmente, os jovens, especialmente no que se refere à Educação, à Educação Profissional e à Oportunidade de Emprego. Podemos destacar o programa “Escola Digna”, que vai investir na melhoria da estrutura das escolas estaduais, associada à valorização dos professores. No tocante à oportunidade de profissionalização, recentemente, o governador Flávio Dino anunciou, durante o Fórum Estadual de Aprendizagem Profissional e Inclusão de Adolescentes e Jovens no Mercado de Trabalho do Maranhão, a abertura de mil vagas para jovens aprendizes nas empresas e demais autarquias do Governo do Estado. Essas são apenas duas das ações que o Governo está desenvolvendo e que, certamente contribuirá diretamente para a melhoria nesse quadro de vulnerabilidade dos nossos jovens à violência”, disse a secretária.
Tatiana Pereira destacou ainda a formação de uma rede de monitoramento que acompanhará o processo de violência contra a juventude no Maranhão, com recorte para os jovens negros, que está sendo liderada pela Seejuv, envolvendo entidades da sociedade civil e outras secretarias estaduais. Segundo ela, entre as prioridades dessa rede será identificar causas, sujeitos e apontar caminhos para a mudança da realidade de violência envolvendo jovens negros no estado. Ainda de acordo com a secretária, o ponto de partida da rede de monitoramento será a Semana de Enfrentamento e Combate da Violência e Extermínio da Juventude Negra no Maranhão, que ocorrerá no mês de agosto.