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quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Sobre as festas “neotropicalistas” e a apropriação cultural indevida. “A cultura negra é popular, pessoas negras não são”.


“A cultura negra é popular, pessoas negras não são”. 

O poeta negro B. Easy publicou isso em sua conta no Twitter, denunciando o que a música popular estadunidense tem feito com a música afro-americana[1]. Essa frase introduz muito bem a problematização que farei das festas auto-intituladas “neotropicalistas” que têm se tornado muito populares entre jovens de São Paulo.


No Facebook, semanalmente surgem eventos em que abundam palavras referentes às religiões de matriz africana como “mironga”, “saravá”, “gira”, nomes de orixás e até mesmo palavras do yorubá (língua matriz no culto da Nação Ketu, do Candomblé, entre outros) como “obá” e “ilú”. As divulgações costumam explorar a estética “étnica”, “afro”, mostrando mulheres com turbantes, colares de contas (aludindo às guias e ilekês), cores quentes, padronagens. São festas alternativas às baladas de música bate-estaca, voltadas para o público descolado, universitário, que frequenta a Vila Madalena. Nessas pistas de dança é comum ver pessoas brancas carregando turbantes na cabeça [2], quando não cocares, pinturas aleatórias no rosto, dançando ao som de músicas brasileiras. A decoração não exita em utilizar imagens de orixás. Resumindo: são eventos que se apropriam de elementos afro-brasileiros (e também indígenas) para fazer dinheiro.

Essa banalização e mercantilização da cultura e religião afro-brasileira é muito desrespeitosa com o povo de terreiro e com as pessoas negras. Turbantes são vestimentas sagradas e símbolos de luta e resistência, orixás são divindades ancestrais e figuras de empoderamento. Eles devem ser valorizados e ostentados, sim, mas não em festas na Vila Madalena e regiões centrais elitizadas, por pessoas brancas que não sabem direito o significado e peso político e social daquilo que “festejam”.

É muito fácil saravar na balada. A afrorreligiosidade é muito atrativa quando é emburguesada, embranquecida e explorada ao som de MPB e regada a álcool. Deve ser interessantíssimo fumar um baseado e dançar a tecnomacumba da Rita Beneditto (Rita Ribeiro). Enquanto isso, imagens de Oyá são decapitadas [3], terreiros são invadidos e vandalizados pelo fanatismo cristão e a TV aberta exibe programas onde nossa fé é demonizada. Na periferia acontece o genocídio da população negra. Mas não há peso na consciência dos universitários que só querem “neotropicalizar”.

E não, visibilidade não é um argumento. A visibilização acontece quando religiosos de matriz africana e pessoas negras protagonizam suas pautas e levam suas vozes, seus rostos e sua cultura para a mídia, para a música, para a rua, e tornam seus símbolos patrimônio imaterial da humanidade, como aconteceu com a Capoeira [4].

Seria exagero pedir respeito? Não. Portanto sugiro às pessoas que frequentam tais eventos que gastem seu dinheiro, tempo e energia de maneira mais consciente. Se quiserem louvar aos orixás e ouvir o som da percussão sagrada, são muitas as opções de terreiros espalhados por São Paulo, com calendário repleto de festas públicas. Fica a dica.

Àse!
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[1] Em premiações da MTV, artistas brancos como Iggy Azalea têm sido premiados em categorias de hip hop, ao invés de pessoas negras. "Fancy" é o nome da música onde Iggy canta e faz rimas imitando mulheres negra e da periferia. Saiba mais sobre a situação em http://www.cartacapital.com.br/revista/820/a-pilantragem-e-branca-4628.html




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