Sede da Câmara Legislativa do Distrito Federal (Foto: Ricardo Moreira/G1)
Policiais debocham de vítima de acidente após perseguição na BR-020.
Ministério Público e corporações do DF e de GO investigam o caso.
por Raquel Morais,
O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do Distrito Federal, Ricardo Vale (PT), pediu à Secretaria de Segurança Pública todas as informações relacionadas à postura dos policiais durante a abordagem às vítimas de um acidente de trânsito que foram filmadas agonizando no chão. No vídeo, vozes de supostos militares falam "você não rouba, desgraça?", "assume o papel de homem" e "morre com dignidade” (sic).
Entre os documentos pedidos estão boletim de ocorrência, relatórios e os vídeos. "Fiquei indignado ao ver o vídeo em que os policiais debocham de uma das vítimas, que agoniza até a morte. Não é função da polícia julgar, sentenciar e aplicar penas a qualquer cidadão. Por isso, quero investigação rigorosa sobre o que aconteceu naquela trágica madrugada", afirmou o parlamentar.
Por e-mail, a Secretaria de Segurança Pública disse que a responsabilidade por cuidar dos procedimentos relacionados ao caso é da Polícia Militar. A pasta também disse que o secretário Arthur Trindade ainda não se posicionou a respeito porque não foi oficialmente comunicado do pedido e não conhece o teor da solicitação. Perguntado sobre, o governador Rodrigo Rollemberg declarou que não viu aos vídeos, mas que solicitou investigação à corporação.
A gravação com o deboche às vítimas ocorreu na madrugada do último domingo (15). Na ocasião,cinco adolescentes morreram após perseguição policial na BR-020. Os garotos ocupavam um carro com placa clonada e desobedeceram a ordem de parada de uma equipe da PM em Planaltina. Depois, furaram bloqueios da Polícia Rodoviária Federal e da PM de Goiás e acabaram colidindo contra outro veículo na entrada de Formosa.
Familiares dos cinco jovens, que tinham entre 12 e 18 anos, relatam que as vítimas foram retiradas do veículo e colocadas no chão. Três morreram na batida. Os vídeos que circulam por redes sociais mostram os outros dois em sofrimento, gemendo e tentando se mexer, enquanto são alvo de ofensas. Os pais afirmam que houve omissão de socorro e chegaram a fechar a rodovia nesta quinta em protesto.
O Ministério Público informou que vai investigar junto à PM as circunstâncias da filmagem. A expectativa é de que a apuração leve 60 dias.
"Fiquei indignado ao ver o vídeo em que os policiais debocham de uma das vítimas, que agoniza até a morte. Não é função da polícia julgar, sentenciar e aplicar penas a qualquer cidadão. Por isso, quero investigação rigorosa sobre o que aconteceu naquela trágica madrugada"
Ricardo Vale,
presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa
De acordo com o promotor Nísio Tostes, o corregedor-geral adjunto da Polícia Militar participou de reunião com os representantes da Promotoria de Justiça Militar na última tarde e reafirmou que investiga o caso. Em nota, a corporação já havia dito ao G1 que apura se as falas registradas pertencem a um membro da corporação – a perseguição, diz, contou também com policiais de Goiás.
“Todo policial é formado para servir e proteger a sociedade, como sempre fizemos. Este tipo de atitude isolada que denigre a imagem da corporação não será aceita”, declarou a PM do DF. A entidade goiana também diz investigar e afirmou que as imagens não permitem a obtenção de informações conclusivas.
"A situação do vídeo é meio complexa. Não aparece o rosto dos envolvidos. Há uma questão de farda, aparentemente envolvendo a presença de policiais militares do DF, de Goiás e da Polícia Rodoviária Federal. Ainda tem que ser esclarecido quem é quem", disse Tostes.
Segundo o promotor, uma análise preliminar aponta indícios de que as ofensas não teriam sido proferidas por militares da capital federal. "Tem uma passagem que fala em 'Copom', que é o Centro de Operações da PM. Só que o Copom não existe mais no DF, existe o Ciade. Isso demonstra aparentemente que o policial não é daqui."
O MP diz que vai requerer ao Corpo de Bombeiros e ao Samu detalhes sobre os pedidos de socorro, para saber se houve omissão em algum momento. Tostes afirma acreditar que não haja dúvidas de que policiais não teriam contribuído para o acidente, mas critica a postura adotada por supostos agentes de segurança pública após a colisão.
"Na realidade o que choca são as palavras que são pronunciadas", declarou. "O grande problema ali são as palavras que foram pronunciadas em uma situação que é lamentável para todos os lados. O que aconteceu ali não é o que preconiza a Polícia Militar, não é o que deveria ter acontecido. Independentemente de quem está ali, criminoso ou pessoa de bem, a pessoa que está atendendo não deve usar as expressões que surgiram naquela filmagem."
O G1 tentou contato com o advogado dos familiares, Gilson Santos, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem. Nesta quinta, ele afirmou que representaria contra os policiais no MP.
Citada como suporte na operação, a Polícia Rodoviária Federal negou ter prestado suporte na perseguição e disse que já chegou ao local após o acidente, quando uma das vítimas era resgatada e encaminhada ao hospital. A corporação afirma que solicitou socorro e que nenhum dos membros participou dos vídeos.
Acidente
O acidente aconteceu na madrugada de domingo. A equipe da PM tentou abordar o carro em que estavam os jovens, com idades entre 12 e 18 anos, na entrada de Planaltina. O motorista tinha 17 anos. Ele se recusou a parar e acabou colidindo com outro veículo na entrada de Formosa, no Entorno do DF. Três garotos morreram na hora, incluindo o condutor. Policiais teriam tirado as vítimas do carro e as colocado no chão.
Familiares e moradores de Planaltina, no DF, fazem roda de oração em memória de vítimas de acidente após perseguição policial (Foto: Isabella Calzolari/G1)
Pai do menino de 12 anos que aparece agonizando nas imagens, o pedreiro José Cícero Ferreira, de 44 anos, se disse “chocado” com as filmagens. “Estava viajando e quando soube da notícia voltei correndo. Eles mataram uma criança. Eles tinham que ter socorrido o meu filho. Na hora em que eles bateram, os policiais tiraram os meninos do carro e jogaram no chão. Meu filho estava pedindo socorro e não ajudaram. Tenho certeza que os policias têm filhos. Não acredito que conseguiram fazer isso com o meu. A gente não quer briga, só queremos paz e justiça.”
Já o pai do menino que dirigia o carro, o motoboy Raimundo Ribeiro, de 41 anos, criticou a ação policial. “Meu filho trabalhava e estudava à noite, nunca teve passagem [pela polícia]. Queremos justiça para que policiais nunca mais façam isso com os outros”, afirmou.
Detalhe de camiseta com fotos de quatro das cinco
vítimas de acidente (Foto: Isabella Calzolari/G1)
Nesta quinta, familiares levaram cartazes para a rodovia e vestiram camisetas com fotos das vítimas. Eles também fizeram rodas de oração. Durante o ato, que durou duas horas e meia, policiais militares revistaram parte dos 70 manifestantes, o que gerou clima de revolta. O grupo fechou a via por 20 minutos.
O motoboy Sigenaldo Souza, 34 anos, declarou que o filho, que tinha 15 anos, e três amigos mortos no acidente iam para uma festa na Estância 3. A quinta vítima não morava em Planaltina, conhecia “de vista” os meninos e ofereceu carona ao grupo. A perseguição ocorreu depois do evento. "Foi a famosa 'carona da morte'", afirmou.
O pedreiro Juscelino de Matos, de 53 anos, contou que o filho, de 18 anos, chegou a ser levado para o Hospital de Base com um corte na boca e no supercílio, além de uma perna quebrada. “Se tivessem socorrido mais rápido, tinham salvado a vida do meu filho. Eles podiam ter feito um cerco, pelo menos meu filho estaria preso, mas vivo.”
O garoto era filho único e havia se alistado recentemente no Exército. “A gente sabe que ele não vai mais voltar, mas esses policiais precisam pagar pelo que fizeram.”
Fonte: G1.
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