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quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Papo sério: Representatividade importa


Quem me acompanha no twitter sabe o quanto a questão de igualdade racial é importante na minha vida. Ultimamente, vem sendo o assunto que eu mais exponho minha opinião e a Iris já tinha conversado comigo um tempo atrás, sobre a gente começar a fazer posts para empoderar os leitores do blog sobre algumas questões importantes da sociedade.

por Olívia Pilar do Literalmente Falando via Guest Post para o Portal Geledés,
Então hoje eu resolvi falar um pouco sobre a importância da representatividade, focando principalmente em pessoas negras e produções da televisão brasileira (basicamente você também pode usar esse texto para analisar filmes e livros, porque geralmente é sempre a mesma coisa).

E pra isso eu vou contar um pouco sobre eu mesma.

Em algum momento da minha vida, eu resolvi que deveria mudar meu cabelo. Eu não lembro quantos anos tinha, ainda era uma criança, mas isso com certeza foi motivado pelo fato de não encontrar uma atriz negra na televisão brasileira que me mostrasse que meu tom de pele e meu cabelo não eram inferiores aos cabelos lisos de pessoas brancas. Tem outros fatores, claro, mas esse teve um grande peso.

Então eu fiquei até os 22 anos transformando meu cabelo de todas as formas possíveis para deixá-lo parecido com o que eu achava que a sociedade considerava o “certo”. Afinal, como eu poderia assumir meu cabelo crespo se eu não via ninguém mais o fazendo? É claro que eu tinha exemplos na minha família, mas para uma criança, isso geralmente não é suficiente.

E foi só de uns dois anos pra cá que eu comecei finalmente a perceber como nós somos deixados de lado em todas as esferas da sociedade. Algumas pessoas irão dizer que eu estou me vitimizando, mas pare e se coloque no lugar de uma adolescente negra e de classe média: ela tem amigos brancos, estuda em escola particular e, quando assiste uma novela ou um seriado, só encontra um igual nas vestes de empregado. Como se existisse um lembrete dizendo que seu futuro é destinado somente aquilo.

E é por isso que a representatividade importa. Porque se você encontrar uma pessoa com o tom da sua pele em um papel de destaque, que não seja figurante, que não sirva só para dizer que não há pessoas de cor em uma produção, você se sentirá motivado a assumir o que você é.

Isso provavelmente é muito difícil de ser compreendido para quem nunca precisou questionar nada com relação aos meios de entretenimento. Afinal, desde sempre o personagem principal é branco. E agora vocês devem estar pensando “Mas teve as duas personagens da Tais Araujo que eram protagonistas”. Sim, teve. Mas em ambas as novelas existem muitas questões problemáticas. Uma delas se chama Da Cor do Pecado, que nos leva a pensar sobre todo aquele discurso da constante hipersexualização da mulher negra.

E na outra (Viver a Vida), do horário nobre, em um momento a personagem da Tais se humilha para pedir perdão. Isso nunca aconteceu com nenhuma outra personagem de uma novela nesse horário. Por que com a Tais é diferente? Porque ela é negra, ela deve se agachar e pedir perdão de joelhos a uma mulher branca?

Têm algumas novelas em que a Camila Pitanga também era considerada protagonista, mas agora parando para pensar… ela sempre fez um personagem mais de apoio ao homem galã do que dona de seus próprios passos. Tem também os personagens do Lázaro Ramos, claro. Lázaro é um colírio para a minha vida, mas ele realmente recebe o apoio que outros com menos talento recebem?

“Bem, eu tinha 9 anos quando Star Trek foi ao ar. Eu olhei para a televisão e saí correndo pela casa gritando: “Vem aqui, mãe, todo mundo, depressa, vem logo! Tem uma moça negra na televisão e ela não é empregada!”. Naquele exato momento eu soube que podia ser o que eu quisesse.” – Whoopi Goldberg

Agora pensando nos atuais seriados da TV Globo: quantos deles têm um personagem negro como protagonista? E quando eu digo protagonista eu quero dizer aquele que tem a história focada nele e é contada pelo seu ponto de vista. A resposta é: nenhum. Aliás, dá pra contar em uma mão quantos negros têm nesses seriados.

Sexo e as Nêgas é o que contém o maior número, mas mesmo assim a história é contada por um homem na visão de uma mulher branca. As quatro mulheres negras não são sequer protagonistas e donas de sua própria história em um seriado que, teoricamente, carrega indícios de que deveriam ser para elas.

Eu tenho muitas coisas para falar sobre esse assunto, mas acho que algumas vocês mesmos devem começar a refletir. Andando pelas ruas, quantos negros você encontra? Agora, assistindo a uma novela, quantos deles você conta nos dedos? Não é injusto? Não é errado que nós devemos nos contentar com 3 participantes negros do BBB contra uma maioria esmagadora de brancos? Não é errado que em Are You the One BR só tenha um participante negro? Não é errado que de todos os seriados da TV Globo, em nenhum um negro ou uma negra é protagonista?

Recentemente eu li o discurso do diretor-escritor do filme Dear White People (um dos melhores que eu já vi e que deveria ser indicado em escolas) no Spirit Awards e que ajuda a entender um pouco mais sobre a importância da representatividade:

“Eu comecei a escrever esse filme há uns 10 anos como um impulso porque eu não via realmente minha história na cultura. Eu não via eu mesmo refletido nos filmes que eu amava (…) Eu tentei me colocar na cultura. Isso pode ser difícil quando não tem realmente nada aqui dizendo que você pertence a ela (…) Se você não se vê na cultura, por favor, se coloque lá, porque nós precisamos de você. Nós precisamos ver o mundo pelos seus olhos”.

Então, se você não se vê nos livros, nos filmes, nas séries… comece a falar sobre isso. Comece a dizer o que pensa. Comece a lutar para que haja alguma mudança. Nós temos que parar de aceitar que somente a história do outro seja contada. E isso não é somente para negros, como eu, isso é para todo mundo que quer ver diversidade nos meios de entretenimento, de comunicação e de tudo mais.

Lembre-se: Selma is now.

Fonte: Geledés.

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