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sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

A VOZ: Angélica, Carmem e o racismo no Big Brother Brasil







Por Artur Santoro, em colaboração com Aline Mendonça,
Todos sabemos o que é o Big Brother Brasil. Todos sabemos, também, o alcance que o programa possui nas mais diversas classes sociais e como tudo e qualquer coisa que acontece na "casa" é notícia. Abrindo sites de notícia, por exemplo, não é preciso descer muito para encontrar um espaço reservado para as novidades do programa; no momento, está sendo exposto o tédio na casa e como uma das participantes está animada e ambas as notícias estão em destaque. Não entrarei no mérito de questionar a relevância das notícias pela redundância que é esse debate. O ponto aqui é: o que está sendo excluído ali ao dar visibilidade à tais ocorridos.

No último dia 24, terça-feira, houve o famoso paredão. Em uma eliminação tripla, a escolhida foi a participante Angélica com 69% dos votos. Para quem não a conhece, Angélica é uma mulher negra, feminista, com o cabelo raspado e mãe de duas crianças. É empoderada tanto enquanto mulher como enquanto negra, como pode ser visto pela sua estadia na casa. São por esses motivos, aliás, que ela se fez presente no programa: fez discursos de aceitação para as "sisters", não mediu palavras com participantes que a silenciaram levantando a voz, incentivou outro participante negro, que havia reproduzido declarações racistas, a defender sua raça, entre outros momentos. Angélica não se deixou silenciar e sua imagem foi marcada pela sua característica de se impôr em situações, principalmente, de opressão. Sua imensa resistência à opressão naquela casa não impediu, entretanto, que sofresse lá e, pior, que sofresse fora do reality-show - aliás, que toda a sua família fosse alvo de racismo.

Durante o seu confinamento, as redes sociais se encheram de comentários preconceituosos, seja nos comentários de blogs ou nos próprios perfis de membros da família dela. Sua mãe, Carmem Ramos, chegou a relatar que recebeu imagens de um desenho em que ela e a filha estavam em uma jaula. Não acabou por aí: seus filhos foram obrigados a deixar de frequentar a escola por conta do constrangimento e humilhação que foram submetidos por conta, por exemplo, de piadas. Não é à toa que, quando Angélica foi eliminada, sua mãe deu graças aos seus orixás, ao seu pai Ogum, sua mãe Oxum, comemorou, visivelmente aliviada por acreditar que o sofrimento teria um ponto final. Esse fim, entretanto, não esqueceu de deixar algumas lembranças.

Ao discursar sobre a pessoa eliminada, Pedro Bial afirmou que "você sabe também no que pode dar dizer e fazer coisas só por dizer e fazer coisas" e que ela nunca havia ouvido falar de diplomacia. Suas reações contra a opressão foram tachadas como simples coisas, como simples "por dizer", "por fazer". Toda a resistência que Angélica teve no programa foi apagada e, não somente, tachada de "falta de diplomacia". 

É comum observar como a reação do oprimido frente à opressão sempre ganha um peso peculiar. Toda a opressão existe sob uma condição de silêncio e de não-existência. Não se fala sobre, não se debate sobre e não se questiona sobre. Acoberta-se o preconceito de forma que se mascare a realidade de desigualdade que estrutura e embasa o sistema. Quando uma minoria responde, essa resposta é, por si só, uma ato de transgressão política na medida que destrói a barreira do silêncio que é imposta e reivindica o que foi roubado: a própria voz. Não surpreende, portanto, que o apresentador da rede Globo, pertencente a uma empresa privada, tente deslegitimar as ações da participante sob o pretexto da diplomacia. O que seria não ter diplomacia para Pedro Bial? Impôr-se frente aos preconceitos? Não adotar uma postura passiva frente à opressão? A resposta é simples: ter voz.

Retomando às graças dadas pela mãe de Angélica, essa tamanha simplicidade - que até parece leviana - é confirmada quando Bial questiona o porquê de tamanha felicidade frente à derrota. Ela começa a falar que dá graças pelo que a filha estava sofrendo no programa, começa a falar como ela e sua família estavam sofrendo com o racismo e... "LÁ DENTRO, LÁ DENTRO". Bastou falar a palavra racismo para que Carmem fosse interrompida e silenciada pelo apresentador. Bastou ela trazer ao público a opressão que Bial tira o microfone de sua boca e, mesmo que ela tenha tentado continuar a falar, não é possível ouvir mais nada. Bastou apenas ter voz.

O ocorrido não é um fato isolado; pelo contrário, é recorrente. Esses silenciamentos, embora aparentem ser inocentes para a opinião pública, consagram e reforçam a posição do opressor na sociedade na mesma medida que marginaliza e rouba a voz das minorias. Esse texto é uma nota de repúdio à Rede Globo, ao reality-show Big Brother Brasil e ao apresentador Pedro Bial, que contribuem para a manutenção do racismo, do machismo e de outras formas de preconceito como exposto acima. Não somente, o texto é uma nota de apoio à Angélica, a sua mãe Carmem, a seus filhos, à toda sua família, a todos os negros e negras e às mulheres que se encontram nessa condição de silenciamento. Força nessa luta! Encontraremos e reivindicaremos a voz que nos foi e nos é roubada juntos, companheiros! Machismo NÃO passará! Racismo NÃO passará!

Assista vídeo da eliminação da Angélica:

(Momento em que Bial fala de Angélica - 2:00
Momento em que Bial silencia Carmem - a partir de 5:15)

Fonte: Artur Santoro.

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