Páginas

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Só haverá ‘pátria educadora' se as questões raciais não forem silenciadas

Imagem: Tirinha do Venes

por: Juliana Gonçalves,
Novo lema do governo cria oportunidade de cobranças mais efetivas sobre a não aplicação da Lei 10.639. Projeto patrocinado pela Petrobras e realizado pelo CEERT reúne depoimentos que mostram, entre outros fatores, que incluir a história do negro nos currículos escolares é premissa para um ensino de qualidade

Durante sua posse, no primeiro dia do ano, a presidenta Dilma Rousseff afirmou que a educação será "a prioridade das prioridades" em seu segundo mandato e anunciou o lema do novo governo: "Brasil, pátria educadora". Dilma garantiu que a educação receberá volumes “mais expressivos” da verba conseguida por meio do fundo social da exploração da camada pré-sal e dos royalties do petróleo.

Se verba não será o problema, contanto que o recurso seja bem administrado, o que impediria esse novo lema do governo se tornar realidade? Para além das questões sobre infraestrutura, o que de fato o Brasil precisa para se tornar uma pátria educadora nos próximos quatro anos?

Para o coordenador de projetos do CEERT, Daniel Teixeira, o entendimento de que esse enfoque em educação precisa passar pela promoção da igualdade racial é o primeiro passo. “Passados 12 anos da Lei 10.639 que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, o que temos ainda hoje é um cenário de muita omissão e poucos incentivos para uma implementação efetiva”, afirma ao citar que hoje ocorrem ações pontuais tanto do estado quanto da sociedade civil, como é o caso do Prêmio Educar para a Igualdade Racial e de Gênero, realizado pelo CEERT, mas não há fiscalização ou penalidades sendo aplicadas em casos de não cumprimento da lei.

A Lei 10.639 completou 12 anos no último dia 09 de janeiro, porém, basta uma conversa informal com alguns educadores para entender como a grande maioria acredita que ela está no campo das leis brasileiras que “não pegaram”. Há um caminho longo a ser percorrido para reverter esse processo. O início seria a conscientização de que a escola é um dos principais locais em que há manifestações de racismo e desigualdades.

Na etapa atual do projeto “Direitos da Criança e do Adolescente e a Promoção da Igualdade Racial”, realizado pelo CEERT com o patrocínio da Petrobras, vários depoimentos estão sendo colhidos na construção de um documentário que discutirá o racismo na infância. Em um deles, uma enfermeira conta como conseguiu que uma menina negra verbalizasse a discriminação que vivenciava na escola. Ao ver o cabelo “black power” da profissional da saúde, a menina se identificou e contou sobre as perseguições que vivia na escola por ter o cabelo crespo. Nem os pais adotivos, nem os professores, procuraram saber o que acontecia com criança no ambiente escolar. “É muito comum a escola ignorar o impacto do racismo em crianças negras. E quando percebem, não encaminham o caso, perdem a oportunidade de transformar aquela situação em algo construtivo e se preferem o silenciamento, como se assim a questão se resolvesse. Aliás, o silêncio como pretensa resolução do racismo é um comportamento histórico no Brasil, infelizmente”, conta Teixeira.

O educar pela e para as relações raciais possibilita não só a problematização da condição do negro, mas também abarca a discussão necessária sobre o papel do branco na construção do racismo. Considerar o olhar branco sobre o negro é essencial para entender como uma menina negra se sente feia simplesmente por não ser branca.

Esse é um exercício constante, exige formação, politicas públicas, investimento, fiscalização e, principalmente, o entendimento que a escola é um local estratégico para o combate do racismo na nossa sociedade. Um lugar que reconheça e valorize as diferenças e não as transforme em fatores de desigualdade. 

Fonte : CEERT

Nenhum comentário:

Postar um comentário