Marcela Belchior – Adital,
Desde que o primeiro caso de AIDS foi registrado no Brasil, no ano de 1982, muitas fases da convivência com o vírus se passaram. No entanto, toda a mobilização nacional das últimas décadas não garantiu que, hoje, 32 anos depois, vivêssemos em um país livre de preconceito, bem informado e que oferecesse um sistema público de saúde preparado para enfrentar o vírus. Neste 1º de dezembro, Dia Mundial de Luta Contra a AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida), organizações de várias partes do país e do mundo debateram a questão.
“No Brasil, nosso desafio é seguir com campanhas e políticas públicas, tentando evitar novas infecções. Os jovens que estão entrando na vida sexual agora não viram a epidemia como vimos antes, há 20 ou 30 anos. Então, não percebem sua situação de vulnerabilidade”, alerta Roseli Tardelli, diretora-executiva da Agência de Notícias de AIDS, que atua na difusão de informações e dados sobre a pandemia. Segundo ela, mesmo hoje, muita gente desconsidera a possibilidade de contrair o vírus. “Existe ainda muito estigma, muita discriminação. Ninguém sai por aí dizendo que tem HIV [Vírus da Imunodeficiência Adquirida]”, destaca a ativista em entrevista à Adital.
Coordenador da ONG Grupo de Trabalhos em Prevenção Posithivo (GTP+), Wladimir Reis acrescenta que, atualmente, o Brasil vive um contexto político diferenciado em relação ao início da epidemia na década de 1980. Em entrevista à Adital, ele afirma que falta apoio necessário por parte das três esferas de governo no país: municipais, estaduais e federal. “Hoje, a gente vive um momento muito conservador no país. As igrejas conservadoras, por exemplo, têm exercido forte pressão sobre o setor público, e isso desmobiliza o serviço”, explica.
Nesse sentido, a falta de compromisso do Estado diante do problema seria, para Reis, uma questão de “vontade política”, e as consequências recaem sobre a população socialmente mais vulnerável. “No início da epidemia, as pessoas não sabiam como se prevenirem do HIV. Agora, as populações com mais informação e mais capacidade de conhecimento sabem negociar a relação sexual. Já as comunidades pobres não têm acesso a educação sexual e fica difícil negociar”, observa o ativista.
Diagnosticado há apenas um mês e meio, o jovem B., de 19 anos, que prefere não ser identificado, falou à Adital sobre as dificuldades em iniciar o tratamento contra o vírus na rede pública de saúde. Ele relata que falta atenção, informação e estrutura clínica para atender à população. “Eles não repassam a informação toda. Então, você não sabe direito o que tem, naquele momento”, afirma.
O jovem conta que identificou o vírus quando percebeu o acúmulo de sintomas que sinalizavam uma baixa imunidade. “Comecei a sentir muito enjoo, diarreia, vômitos. Passava de uma a duas semanas com dor de cabeça. Fiquei com anemia e comecei a emagrecer muito rápido. Foi quando um amigo me aconselhou a fazer a testagem”, conta. B. afirma que contraiu o vírus do ex-companheiro. Os dois, entretanto, ainda não conversaram sobre o assunto. “Eu não penso em falar com ele, mas poderia aconselhá-lo anonimamente”, diz.
Campanha pelo diagnóstico precoce
Também, nesta segunda-feira, 1º, está sendo lançada a campanha “Cuide bem de você e de todos que você ama”, promovida pela Pastoral da Aids, que integra a Conferência Nacional dos Bispos do Brasi (CNBB). A proposta é incentivar o diagnóstico precoce do vírus e colaborar para o cumprimento da meta 90-90-90 (90% de pessoas testadas, 90% tratadas e 90% com carga viral indetectável até 2020), estabelecida pelo Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (Unaids).
Para isso, haverá material de difusão do tema em dioceses e arquidioceses, além de veiculação em emissoras de TV e rádio, mídias sociais, jornais, folders e outros meios de comunicação da Igreja Católica, no Brasil inteiro, inclusive durante celebrações religiosas. Estão engajadas na campanha 12 mil paróquias do país, representando 250 mil comunidades brasileiras.
Em entrevista à Adital, o Frei Luiz Carlos Lunardi, assessor nacional da Pastoral da Aids, afirma que a mensagem é construída considerando toda a população e com uma atenção especial aos grupos de maior vulnerabilidade. “A linguagem da campanha é inclusiva, criativa e sensível, trabalhando com o ser humano de forma integral, mostrando que qualquer pessoa pode adquirir o vírus HIV. Temos de ter cuidado com o nosso corpo e com o corpo da outra pessoa”, afirma. “Acreditamos que o amor à vida é um sonho e um desejo de todas as pessoas, independente do grupo que pertença ou da prática sexual”, complementa o Frei.
Fazer com que todos os grupos mais vulneráveis, como profissionais do sexo, comunidades sem acesso à informação ou pessoas homoafetivas, se sintam incluídas é grande preocupação da campanha, que tem apoio do Departamento de DST/HIV/Aids do Ministério da Saúde (DDAHV). Para isso, de acordo com Frei Lunardi, estão previstas ações de base em bairros e entre grupos mais vulneráveis, além de alcançar lugares de grande circulação da população, como praças e terminais de ônibus.
“Acreditamos que testar seja uma importante estratégia de prevenção e vamos aproveitar a capilaridade da Igreja para chamar a atenção da população. Podemos prestar um bom serviço para que a informação chegue mais rápido às pessoas”, disse o assessor. Mais informações sobre a campanha podem ser encontradas no site da CNBB.
Prevenção no mundo
Relatório da Unaids intitulado “Acelerando a resposta para acabar com a epidemia de AIDS em 2030”, lançado no último mês de novembro, aponta que cerca de 28 milhões de novas infecções pelo HIV e 21 milhões de mortes relacionadas à Aids poderão ser evitadas nos próximos 15 anos caso o mundo se comprometa em adotar a abordagem do UNAIDS de aceleração da resposta ao vírus. “Estamos conseguindo inverter a trajetória da epidemia”, disse Michel Sidibé, diretor executivo do Programa. “Agora, temos cinco anos para eliminá-la para sempre ou corrermos o risco de ver uma retomada da epidemia de forma descontrolada”, alerta.
A Unaids estima que cerca de 13,6 milhões de pessoas tinham acesso à terapia antirretroviral em todo o mundo até junho de 2014, uma conquista significativa para garantir que 15 milhões de pessoas estejam em tratamento até 2015, mas ainda distante das metas 90-90-90. Além disso, um esforço especial será necessário para eliminar as lacunas ainda existentes e aumentar o número de crianças em tratamento.
Outras metas incluem a redução em mais de 75% no número anual de novas infecções pelo HIV (para 500 mil) até 2020 e o alcance do que o Unaids reconhece como Zero Discriminação. Baseadas nos direitos humanos, essas metas reforçam a abordagem de não permitir que ninguém seja deixado para trás. Se alcançadas, elas vão melhorar, significativamente, os resultados na área da saúde em todo o planeta.
O relatório também destaca a importância dos investimentos para que essas metas sejam atingidas. Os países de renda baixa vão precisar de 9,7 bilhões de dólares em financiamentos nessa área até 2020, enquanto os países de renda média baixa precisarão de 8,7 bilhões no período. Será necessário financiamento internacional para complementar esses investimentos, especialmente em países de renda baixa, cujos recursos domésticos arcam, atualmente, com apenas cerca de 10% de suas ações em resposta ao HIV. Já os países de renda média alta vão precisar gastar 17,2 bilhões até em 2020. Em 2013, 80% deles financiaram com fontes domésticas suas respostas ao HIV.
Números no Brasil
Segundo dados do Departamento de DST (Doenças Sexualmente Transmissíveis), Aids e Hepatites Virais do governo federal, desde o início da epidemia, em 1980, até junho de 2012, o Brasil tem 656.701 casos registrados de Aids (condição em que a doença já se manifestou), de acordo com o último Boletim Epidemiológico. Em 2011, foram notificados 38.776 casos da doença e a taxa de incidência de Aids no Brasil foi de 20,2 casos por 100 mil habitantes.
De acordo com dados disponibilizados no site do órgão, atualmente, ainda há mais casos da doença entre os homens do que entre as mulheres, mas essa diferença vem diminuindo ao longo dos anos. Esse aumento proporcional do número de casos de Aids entre mulheres pode ser observado pela razão de sexos (número de casos em homens dividido pelo número de casos em mulheres). Em 1989, a razão de sexos era de cerca de seis casos de AIDS no sexo masculino para cada 1 caso no sexo feminino. Em 2011, último dado disponibilizado pelo governo federal, chegou a 1,7 caso em homens para cada 1 em mulheres.
O órgão aponta que a faixa etária em que a Aids é mais incidente, em ambos os sexos, é a de 25 a 49 anos. “Chama atenção a análise da razão de sexos em jovens de 13 a 19 anos. Essa é a única faixa etária em que o número de casos de Aids é maior entre as mulheres. A inversão apresenta-se desde 1998. Em relação aos jovens, os dados apontam que, embora eles tenham elevado conhecimento sobre prevenção da AIDS e outras doenças sexualmente transmissíveis, há tendência de crescimento do HIV”, aponta o Departamento.
Quanto à forma de transmissão entre os maiores de 13 anos de idade, prevalece a sexual. Nas mulheres, 86,8% dos casos registrados em 2012 decorreram de relações heterossexuais com pessoas infectadas pelo HIV. Entre os homens, 43,5% dos casos se deram por relações heterossexuais, 24,5% por relações homossexuais e 7,7% por bissexuais. O restante ocorreu por transmissão sanguínea e vertical.
Fique por dentro
O Vírus de Imunodeficiência Humana (HIV), que causa a AIDS, pode ser transmitido via sangue, amamentação e por sêmen durante o sexo, mas pode ser controlado com a terapia antirretroviral. “Apesar dos avanços no tratamento, a infecção pelo HIV permanece incurável e não existe vacina para preveni-la. Como a Aids vem sempre de quem menos a gente espera, é preciso convencer os que mantêm vida sexual ativa da obrigatoriedade da prática de sexo seguro”, explica a organização GTP+.
Fonte: racismoambiental
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