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quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Hoje em dia tudo é racismo


Eu estava lendo uma notícia que falava que a Mattel havia lançado uma linha de Barbies negras quando me dei conta que estamos vivendo a melhor época da humanidade. Sabe, imagino que ter visto o renascimento europeu deve ter sido lindo, mas não troco nenhuma pintura de Michelangelo por essa boneca de pele escura e cabelo crespo. Na verdade, não é exatamente por ela, e sim pelo fato de vivermos em um período em que ela pode existir.

Preste bem atenção: algo lindo está acontecendo ao seu redor. Estamos vendo uma princesa negra nas telas da Disney. Finn, do Star Wars, esta lutando com um sabre de luz ao invés de ser um ajudante ali no cantinho. E aquele clipe novo da Beyonce? E o novo estojo de lápis de cor com doze tons de pele? Meus amigos, é que bela época para estarmos vivos. É uma pena que ninguém tenha contado para nós, brancos, que não temos nada a ver com isso.

É sério: os curativos lançados para pele negra não são sobre nós. Não desta vez. Nem aquela apresentação maravilhosa no Super Bowl. E não, aquele movimento para valorizar o crespo não é sobre o seu cabelo.

E parece que tem muita gente frustrada com isso.

Para cada notícia a respeito dos curativos lançados para pele negra há uma pessoa pronta para comentar que a atitude não passa de uma “perda de tempo e de dinheiro”. Um desperdício, já que curativos são feitos para proteger machucados, e não agradar pessoas. Para cada mãe frustrada por não encontrar personagem negra estampada nas mochilas da loja existe uma outra mãe para comentar: quanto mimimi. E essa outra mãe ainda acrescenta: não gostou das mochilas que não compre, simples assim! Senhores de idade concordam: o problema de hoje é que os negros estão se vitimizando demais.

A verdade é que muitos brancos estão cansados desse negócio de tudo ser racismo. Afinal, durante 388 anos aqui no Brasil, tudo foi sobre nós. Personagens brancos. Heroínas brancas. Bonecas brancas. Até a escrava Isaura é branca. Os anjos pintados na igreja perto da sua casa são brancos. E agora que a população negra conquistou um pequeno espaço no campinho, o que nós fazemos?

Ficamos entediados com esse papinho de representatividade. Dizemos que já é hora de parar de ver preconceito em tudo. Achamos um grande exagero aquela polêmica sobre os manequins negros pendurados de cabeça para baixo. Nos comportamos como a criança que não sabe esperar a sua vez de brincar e leva a bola para a casa.

Se nós, brancos, estamos cansados de assistir meia dúzia de pessoas negras conquistando espaços, não quero nem imaginar como os negros devem ter se sentido durante todos esses anos. Na verdade, quero imaginar sim. Já que essa é uma das poucas coisas que devo fazer diante dessas conquistas: imaginar como deve ter sido no passado e admirar o que vem sendo feito no presente.

Acredite: como branco, você não precisa ter opinião sobre aquela nova base líquida para peles negras lançada pela Avon.

Ela não é sobre você.

Você não possui nenhum fundamento para afirmar que não existe mais racismo no mundo. Sabe por quê? Por que você não sofre racismo. Simples assim. Lamento informar que no momento em que você afirmar que “esse lance de preconceito” é coisa do passado, você está sendo extremamente racista.

E sei que pode doer ouvir isso, mas as únicas pessoas que podem falar quando já basta de problematizar sobre racismo são os negros. E pelo que eu posso perceber, eles estão só começando.

Portanto, não estranhe se hoje em dia “tudo for racismo”. Tudo não foi racismo durante tempo demais. Podemos não estar vivendo entre castelos, pirâmides e belas obras de arte, mas nada me tira da cabeça que estamos na melhor época para se viver.

Fonte: Literatortura.

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