O Professor Dr. Sidnei Barreto Nogueira listou 21 “motivos” para que você permita a iniciação/ingresso de crianças no CANDOMBLÉ [se não for de CANDOMBLÉ, aí a história é outra] – um olhar sobre um espaço de desenvolvimento bio-psico-social privilegiado. Tomei a liberdade e, ilustrei a lista com 21 imagens colhidas ao longo dos anos de pesquisas e registrosdas relações sociais e sagradas dos terreiros de candomblé. Confira:
1. O Candomblé valoriza a família, a vida em família e é uma família; sendo assim, a criança é vista como um vir a ser e como a continuidade da família e da vida em família – ela é e deve ser elemento nuclear e protagonista neste universo africano;
2. Considerando a crença nagô de que nascemos sempre na mesma família – uma das explicações nagôs para uma existência cíclica e contínua, a criança pode ser um ente querido que retornou para o seio de sua família, manter esta criança e valorizá-la por meio da iniciação são também formas de, mesmo sem saber explicitamente, valorizar esta memória ancestral;
3. A iniciação é um processo de vínculo com o sagrado, com a centelha-divina-divindade- ancestral, com a divindade africana como guardiã da vida da criança, com a família – pais e parentes – se também o forem iniciados e, sobretudo, com a identidade africana-“preta”-“negra”- África- berço do mundo da criança;
4. Por meio da iniciação, a criança é alçada à posição de protagonista do processo iniciático que se reproduz em diversas formas de carinho: alimentação, roupas, colares especiais, pinturas matinais, banhos de folhas sagradas, cantos, danças, rezas, modos de ser e fazer dentro de um novo país chamado Candomblé;
5. Por meio dos cantos e rezas a criança aprende e se diverte com uma nova língua;
6. Por meio da dança, a criança aprende e se diverte, movimentando o corpo de forma mítica;
7. Durante o processo iniciático, há a contação de (h)estórias e, mais uma vez, a criança aprende e se diverte com atividades de escuta e memorização;
8. A criança aprende a respeitar os mais velhos: pais, mães, avós, tios e todos da nova família de Candomblé;
9. Além dos pais e mães e parentes biológicos, a criança reforça estes vínculos – quando a família também é do Candomblé, ou cria novos vínculos com novas crianças, novos tios, irmãos e passa a ter mais um orientador/cuidador que, no caso, é seu iniciador ou iniciadora no Candomblé;
10. A criança se flexibiliza e, desde cedo, aprende que a vida é feita de espaços/deslocamentos e ela passa a ter o seu espaço – a esteira como sua cama, mesa e espaço também de diversão. Ela pode chamar os amiguinhos para compartilhar esse espaço;
11. No momento chamado de “Efun” ou “Queima de Efun” – momento de consagração do corpo aos primórdios e aos Orixás primordiais e à gênese do corpo em Oxalá – pintura sagrada do corpo do iniciado; a criança é pintada e isso também é uma forma de valorização do seu corpo, forma lúdica e, sobretudo, forma de carinho que percorre todo o seu corpo. Muitas vezes, ela nunca recebeu um carinho sagrado desta sorte;
12. A palavra-cantada acompanha todo o processo iniciático e isso, além de lúdico para a criança, estimula a sua memória – sabe-se o quanto a música é benéfica à memória da criança;
13. No Candomblé, em momento algum, a criança é um adulto em miniatura e, desde cedo, mesmo como criança, ela aprende coisas novas e assume responsabilidades com o grupo – isso, sempre de acordo com a sua idade;
14. Se a criança for “preta” – “negra” – “diferente”, “gorda”, “magra” e afins – considerando os padrões e olhares sociais normatizados e excludente, ser do Candomblé pode ajudá-la na construção de uma identidade, em certa medida, diferenciada e que a proteja das diversas formas de violências contra as crianças e das diversas e diferentes formas de exclusão. Reconhecer-se do Candomblé – marginal – pode ajudá-la a se defender, bem como a frustrar-se menos diante de uma sociedade racista e excludente, quem se sabe e se sabe protegido e com os “diferentes” tem a sua identidade reforçada;
15. Os Orixás são também guardiões dos seus filhos/iniciados e, nesse sentido, trata-se de, no universo sagrado- ancestral, a criança ter um cuidado a mais para uma vida longeva, com saúde e felicidade – valores nagôs;
16. Ainda a questão do espaço: neste Candomblé cíclico e contínuo, a criança iniciada tem papel de protagonista e tem seu espaço, ela é honrada, louvada e protegida, como criança, que será o futuro da comunidade, porque sabem que, efetivamente, ela o será. Em uma sociedade que nega o espaço a esta criança, encontrar um espaço privilegiado no Candomblé pode, em certa medida, compensar esta ausência e, por isso, ela gosta de estar nele;
17. No Candomblé, a criança se torna protagonista da própria História a partir do momento em que, ainda que seja criança, pode ser o-a “irmão(ã) mais velho(a) de alguém”; ainda assim não deixando de ser a criança em formação;
18. A criança tem de lidar com realidades, muitas vezes, diferentes da sua e da sua casa. Conviver com novas crianças e adultos, fazer novos amigos, vivenciar novas experiências;
19. A criança aprende a se abaixar aos mais velhos e abaixamo-nos para falar com ela e, quando em transe de Orixá, quando ela se torna Orixá, Vodun ou Nkisi, os adultos e mais velhos deitam-se a ela e batem a cabeça para ela que, naquele momento, é a divindade africana e a África ancestral;
20. A criança recebe a possibilidade de pensar-se além dela, além do visível, do concreto e do tangível. Ter o sagrado e o inefável como companhia a ajuda com questões que nos são caras como a morte e/ou rupturas. Igualmente, a criança aprende no Candomblé a importância da natureza e a negação do desperdício;
21. Finalmente, em uma sociedade, onde a criança é cotidianamente esquecida, violentada, deixada à mercê apenas de equipamentos eletrônicos e tendo a televisão como Babá, ser filha de um corpo, de uma comunidade, de toda uma família e ser cuidada por esta família, proporcionar-lhe-á momentos não mais comuns na vida moderna. Vale destacar que o Candomblé empodera esta criança desde cedo e ela pode se tornar com sete ou dez anos um Ègbón (irmão mais velho), Ogá (Líder da orquestra do Candomblé) ou Ìyá Ekede (segunda mãe e aquela que zela pelos Orixás). As crianças podem aprender e ensinar, sempre!
Fonte: Olhar de um Cipo
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