Beatriz: "Uma mulher que me inspira, todas as mulheres". Estudantes do Centro Umajo celebrando o Dia da Mulher. Imagem; Blogger in the mist.
Um feminismo que não agrega, não abraça, não constrói. O feminismo que não quero pra mim. Não é de hoje que diversos ataques e atitudes desonestas vem pipocando internet afora dentro de um movimento que tem como objetivo principal garantir igualdade de direitos e oportunidades para mulheres, lutar contra as opressões e violências machistas e patriarcais. Como entender que entre mulheres possa haver racismo, lesbofobia e transfobia. De quem é o direito de definir o outro. Quem te define como mulher, como negra, como cigana, como lésbica ou bissexual? Aonde leva o ativismo baseado na desonestidade, na mentira, no ataque a outras mulheres.
No meu dia a dia existem duas palavras que me fazem dar um passo atrás e repensar pessoas e lugares. A primeira delas é o termo sororidade.
Teoricamente sororidade “é o pacto entre as mulheres que são reconhecidas irmãs, sendo uma dimensão ética, política e prática do feminismo contemporâneo”, uma vez que somos todas irmãs na teoria porque ainda existe uma seleção de quem e de como alguém fará parte deste pacto na prática?
Aparentemente para fazer parte da irmandade eu preciso ser branca, cisgênero e hétero ou então lésbica política (eu posso falar uns três dias sobre a minha aversão ao conceito da lesbianidade política que vem sendo aplicada dentro do conceito de parte do feminismo virtual, que apaga a identidade lésbica negando a possibilidade de mulheres desejarem de fato outras mulheres – mas não vou fazer isso agora).
Uma vez excluída por minhas “irmãs” quais são as alternativas? Tentar explicar porque também faço parte do mesmo grupo que elas. Impor minha presença em espaços de debate e discussão e colocar o meu ponto de vista sobre os assuntos discutidos. Mas eis que quando as alternativas são aplicadas gera uma revolta, tão sem explicação quanto os critérios de seleção das minhas “irmãs”.
Não havendo possibilidade de um diálogo que desfaça as ideias iniciais e os pontos de vista pré estabelecidos pelas minhas manas, me resta conviver nos espaços onde sou de fato acolhida como igual, onde o conceito de sororidade não esta posto no papel, ele existe sem teorias e desde sempre. Onde a irmandade se estabelece no olhar, seja na cor da pele, seja pelas violências opressoras sofridas.
Meu conceito de sororidade acolhe, na minha visão de irmandade tenho negras, brancas, índias, lésbicas, bissexuais, hétero, cis, trans, gordas e magras. Sou irmã da cadeirante, da cega, daquela que possui casa e da que dorme sobre o papelão daquele seu fogão novinho. Da trancafiada no manicômio e daquela que precisa entregar seus filhos enquanto cumpre sua pena em cárcere. Se no seu todas essas mulheres não cabem ou não são lembradas, nosso dialogo já não será o mesmo.
Como eu disse antes também passei a correr para as colinas toda vez que ouço a palavra RADICAL seguida de feminismo. Não porque não dialogo com feministas radicas, não porque não seja uma radical, mas porque entendo o radical junto do feminismo como levar algumas teorias e práticas até as últimas consequências. Ser radical é retornar as raízes, é se ater as bases. Mas quem definiu quais são essas bases? E se as tais bases teóricas não contemplarem a mulher negra? Se menciona a negra é liberal? Se eu pari, educo e convivo com homens (mesmo não me relacionando sexualmente com eles) e dialogo com os mesmos sou liberal? Posso eu me denominar radical nas minhas práticas e não me encaixar de forma alguma neste feminismo que tem cheiro e estilo de fundamentalismo religioso?
Questionamentos a parte, meu horror pelo termo radical surgiu depois de observar algumas feministas que se denominam radicais, gastando seu precioso tempo para serem transfóbicas e racistas, cobertas pelo manto da justificativa de que praticam sororidade e que a mulher é protagonista e alvo de suas lutas e é por essas que elas falam.
Pode ser só comigo mas vejo ai uma contradição monstro. Afinal o que é ser mulher? É ter útero? E as que fizeram histerectomia? É ter uma vagina? É ser branca ? Pra minha pessoa quem determina se é ou não mulher é a própria mulher. Protagonismo não é isso? Liberdade não é isso?
Na contramão fico com a pergunta (tenho várias percebam) como estas mesmas mulheres tratam ou entendem o trans homem, com útero, vagina, e homem? Negam a identidade e os obrigam a se identificar como mulheres?
Ainda não saquei porque existe tanta energia colocada em atividades que agridem, excluem e violentam outras mulheres mas não existe a mesma energia quando se trata de homens. E não me venham com este papo de que Mulheres trans são homens que se infiltram no feminismo para estuprarem lésbicas porque é um argumento tão sem nexo. Estupradores estupram, não precisam viver uma vida de preconceito, agressão, exclusão e violência para estuprar. Cada vez que escuto este argumento penso que a real intensão de quem dissemina esta teoria é de amenizar pro lado dos homens estupradores, dos agressores, dos violentos.
O feminismo radical que eu conheço, nada tem de transfobico e racista, acho uma pena terem se apropriado do termo “radical” para vomitar agressão e preconceito. Isto só enfraquece um movimento de tamanha importância pra um grupo de mulheres que de fato precisa do feminismo. Eu dispenso o feminismo troll que ao invés de desenvolver um trabalho sério está por ai agredindo outras mulheres. Cada vez que uma dessas pessoas, essas que dizem que mulher não é mulher e que negras não são negras, pronuncia a palavra sororidade uma estrela deve apagar, quando escrevem os níveis de oxigênio do planeta diminuem e os mares dão uma secada porque é demais.
Em tempo, mulheres negras que não concordam com as práticas do “feminismo fundamentalista religioso que exclui” não fingem sem negras, apenas são coerentes de sua realidade. Mulheres trans são mulheres, apenas aceitem que assim dói menos.
As minhas amigas que foram “acolhidas” por este tipo de feminismo, acredito que isso só aconteceu porque a dificuldade passada por vocês em algum momento as colocou diante de algo extremamente forte, e que seria muito legitimo se não tivesse esse lado sombrio.
Enfim, o meu feminismo acolhe, protege, luta por mulheres, cis e trans, negras, brancas, indígenas, abraça as ricas (também expostas a violências diversas) e as pobres e periféricas que fazem parte direta da minha realidade. Meu feminismo não define quem você é, ele te aceita. E eu prefiro seguir desta forma porque é uma das formas que tenho para praticar a minha forma de irmandade, a que eu acredito. E seguindo desta forma, ainda consigo tentar entender o porquê de tanta desonestidade para atingir um objetivo, se é que existe um. No meu feminismo cabem até vocês, mesmo que equivocadas, se não coubesse nem tentaríamos explicar onde esta o erro nem como isso prejudica a todas nós.
Estou no momento de braços dados com minhas irmãs pretas que entendem do que eu estou falando aqui (e são negras de verdade viu, nem é black face), estou de braços dados com minhas irmãs trans tão vilipendiadas numa luta que é minha e delas por pertencimento legitimo, estou ao lado de uma porção de manas branquinhas, privilegiadas, cientes de seu lugar de fala e acima de tudo coerentes, que entendem que precisamos sim cuidar umas das outras para sermos perigosas juntas.
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Gorda, Bissexual, Mãe, Balzaquiana e Baixinha. Apaixonada por café da manhã, livros e trilhas sonoras. Tenho medo de formigas e mortes idiotas. – “Coração de águia , inquietude de passarinho”.
Fonte: Blogueirasnegras
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