por Marcela Lisboa,
Uma mulher negra consciente incomoda muita gente, uma Beyonce falando sobre questão racial para mais de 111 milhões de pessoas incomoda muito mais. A cantora apresentou “Formation”, sua nova música de trabalho neste último fim de semana no Super Bowl 2016, partida final do campeonato de futebol americano. A propósito a maior audiência de tevê de todo o mundo, inclusive entre brasileiros. A música, repleta de referências políticas e raciais, já atrairia diversos questionadores por trazer à tona debates como a segregação racial existente nos Estados Unidos, e tragédias que assolaram majoritariamente a comunidade negra como o furacão Katrina. Ela exalta o discurso de grupos como o #BlackLivesMatter, levante inciado em Ferguson (EUA) no ano passado, com a frases como “parem de atirar em nós” estampada no videoclipe da canção.
São muitas as referências que a cantora usa para denunciar o sistema racista que hegemoniza todos os espaços estruturais existentes. Ela aproveita da visibilidade que a fama e o dinheiro trouxeram para se apresentar como uma voz que se faz ser ouvida. Com dançarinas negras vestidas de Panteras Negras, Beyoncé deu um show de apresentação homenageando Malcom X e evidenciando debates urgentes como o do genocídio do povo negro, além de expor a vergonha que o povo estadunidense sente (ou deveria sentir) de seu histórico de segregação racial.
Acontece que dois pontos precisam ser observados. O primeiro é quando Beyonce, com toda sua influência e, convenhamos, seu poder, faz referência ao movimento dos Panteras Negras, criado nos Estados Unidos em 1966 em Oakland, na Califórnia, com o objetivo de proteger os cidadãos negros da violência policial e torná-los conscientes de sua negritude e da luta contra o sistema de supremacia branca.
Ao se apresentar de forma tão crítica e consciente, ela obriga mais de 111 milhões de pessoas a saírem da zona de conforto e refletirem sobre a importância sobre este debate. O que rendeu duras críticas do ex-prefeito de Nova York Rudolph Giuliani, que considerou sua apresentação “revoltante”. Ou do pré-candidato republicano à presidência dos EUA Donald Trump, que a avaliou como “ridícula” e “inapropriada”. Afinal, tornar evidente o racismo existente no país cujo atual presidente é negro é uma afronta, não? Ué, não bastava ser negro?
O que nos traz ao segundo ponto. Não, não basta ser negro. Quando a cantora canta que pode tornar alguém um “Bill Gates”, fazendo referência a um dos homens mais ricos do mundo, ela se coloca na posição que, de fato, está. No topo. Banhada pelos regalos do capital, ela se torna “imprudente” ao usar um vestido Givenchy e “possessiva”ao usar um colar da Roc. Afinal, esta não é a posição que uma mulher preta pode ocupar. Até porque a mulher negra não pode ser rica. Ela não pode ser consciente. Ela não pode ocupar grandes espaços. A mulher negra não pode. Não. Não a mulher negra.
Eis aí a fórmula para tanta polêmica. Afinal, quem essa neguinha pensa que é? Beyoncé poderia ser apenas mais uma peça no jogo do capital. Aceitar o espaço de “diva negra” que lhe foi cedido. Outras já ocuparam este lugar. Ele, o capitalismo, precisa desta cessão se quiser permanecer. Um exemplo disto são as novas Barbies da Mattel.
Acontece que Beyoncé renega esta posição. Não basta estar no topo se não é possível empoderar seu povo, fazer algo, falar algo. Esta mulher que ama seu cabelo afro, seu nariz largo e sua pele escura se fez ser ouvida. E este discurso incomoda. O congressista republicano Peter T. King comentou no Facebook que ela “pode ser uma entertainer talentosa, mas ninguém deveria se importar com o que ela pensa sobre qualquer assunto sério confrontando nossa nação”.
Isto só nos prova que precisamos falar sobre racismo. Afinal, uma mulher negra consciente incomoda, mas milhões de mulheres negras conscientes fazem uma revolução.
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Fonte: juntos.
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