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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Angela Davis fala sobre libertação negra, sua história e sua visão contemporânea


Cinquenta anos depois da fundação do Partido Pantera Negra de Auto-defesa , a agenda e o estilo da lendária organização revolucionária Negra permanecem relevantes no debate público atual. A erradicação da “violência policial e do assassinato de negros”, essencial ao movimento “Vidas Negras importam” (“Black Lives Matter”), constava da plataforma de dez pontos dos Panteras Negras cinco décadas atrás. Tanto a aclamação e a condenação emergiram quando suas icônicas boinas pretas surgiram recentemente na apresentação da Beyoncé durante o intervalo do campeonato Super Bowl.

Por Tatiana Bustamante,
É evidente que os Estados Unidos ainda estão amarrados às mesmas desigualdades e injustiças raciais de 50 anos atrás – e que o orgulho negro permanece um tema polêmico. Tal não surpreende a intelectual, ativista, ícone feminista e parceira dos Panteras Negras, Angela Y. Davis.
“Ao lermos os dez pontos do programa do Partido Pantera Negra, constatamos que os mesmos temas do período pós-escravocrata estão no centro de um programa elaborado em 1966”, aponta Davis, atualmente professora emérita da Universidade da Califórnia, Santa Cruz. “Em 2008, quando Barrack Obama foi eleito, esses temas não foram discutidos o bastante e, definitivamente, não foram solucionados, portanto a eleição de uma pessoa a um cargo político não reverte automaticamente a história de uma opressão econômica resultante do racismo, o que não significa que não tenha sido importante eleger Barack Obama, mas que a batalha continua.”
Na semana passada, na Espanha, enquanto defendia a libertação do político separatista basco Arnaldo Otegi, Davis dedicou alguns momentos à EBONY.com para discutir temas contemporâneos como o “Black Lives Matter”, a eleição presidencial de 2016, e detalhes de seu mais recente livro “Freedom is a constant struggle: Ferguson, Palestine and the Foundations of a Movement” (Haymarket Books, 2016), editado pelo ativista pelos direitos humanos Frank Barat.

“Estive envolvida no movimento Palestine Solidarity por muito tempo”, disse Davis.
“Quando os protestos de Ferguson ocorreram, há um ano e meio, ativistas no terreno da Palestina ocupada foram os primeiros a expressarem, no Tweeter, seu apoio aos manifestantes em Ferguson. Disso decorreram conexões transoceânicas muito interessantes e ricas. Uma delegação palestina visitou Ferguson. Ativistas do Black Lives Matter e de Ferguson, (assim como membros do) Dream Defenders, Black Youth Project 100 viajaram à Palestina, cerca de um ano atrás, para expressar sua solidariedade.”
EBONY.COM: Qual é a mensagem do seu novo livro?

Angela Davis: Estou particularmente interessada em fazer com que os ativistas ligados ao movimento pela liberdade Negra se deem conta de que nossas lutas jamais teriam alcançado a universalidade atual, não fosse a solidariedade da África, Ásia, América Latina, Europa e Austrália. Nossas lutas são globais, assim, é importante que incorporemos essa visão global às nossas batalhas no terreno contra os crimes cometidos pela polícia e o complexo prisional industrial. Desde muito jovem estou envolvida em organizações – o Partido Comunista, o Partido Pantera Negra – dotadas dessa perspectiva global.

EBONY.COM: Conforme destacado em seu livro, os acontecimentos em Ferguson depois dos disparos da polícia contra Michael Brown expuseram a militarização das forças de ordem. Aonde chegou esse incentivo à militarização e como pode ser interrompido?

Angela Davis: Quando se observa a história da polícia, principalmente ao longo dos últimos 15 anos, após o 11 de setembro, pode-se verificar uma ênfase na transferência de recursos das forças armadas para a polícia. Essa é uma história muito mais longa se analisarmos como a Guerra do Vietnã resultou em impactos na polícia local. Os esquadrões SWAT surgiram em decorrência do uso de técnicas e tecnologia aplicadas pelos Boinas Verdes na Guerra do Vietnã. O Departamento de Polícia de Los Angeles foi o primeiro a usar tais táticas contra o Partido Pantera Negra. Também emergiram as corporações de policiamento privatizadas. No livro, menciono o G4S (“Group 4 Security” – Grupo para a Segurança), uma corporação de segurança privada que disseminou policiamento e detenção por todo o mundo. É importante não olhar apenas para a forma como momentos de imposição do terror foram conduzidos por departamentos de polícia, mas é também essencial entender a dimensão econômica de tais processos. A G4S, obviamente, é a terceira maior empresa do mundo, e o maior empregador no continente africano. Está vinculada, historicamente, à privatização das prisões nos Estados Unidos e em outros lugares.

Gostaria de destacar que empresas como a G4S já reconheceram o que as feministas denominam “interseccionalidade”. A G4S vai de policiamento privado ao transporte de imigrantes a prisões privadas, à deportação de pessoas oriundas do México, nos Estados Unidos, para a fronteira mexicana, deportação de africanos da Europa para países na África. Acredito que a G4S tenha lidado com a questão da violência sexual contra mulheres, então criaram agências que tratam de mulheres ameaçadas ou que foram vítimas de violência sexual.

Eu menciono esse aspecto pois há uma lição para nós de que a noção feminista de interseccionalidade deve ser integrada também em nosso trabalho. Prefiro falar em interseccionalidade de lutas, e como é importante vincular o combate à violência de gênero à luta contra a violência de Estado, crimes da polícia e crimes contra os corpos das mulheres.

EBONY.COM: Você fala de como as bases que já foram lançadas permitem que os movimentos de massa de hoje sejam eficazes. Contudo, muitos dos atuais grupos liderados por ativistas do novo milênio rejeitam as estruturas tradicionais de organização. Então como aquelas bases lhes podem ajudar a criar mudança efetiva?

Angela Davis: Jovens estão em busca de fóruns a partir dos quais eles possam expressar uma urgente necessidade de mudança radical. Eles questionam a máxima de que liderança deve ser individual e masculina. Estão lidando com novos modelos coletivos de liderança.

Pode-se notar a ascensão de muitas mulheres à liderança. Naturalmente, há as três mulheres que criaram o Black Lives Matter – Patrisse Cullors, Opal Tometi and Alicia Garza – que levantaram muitas questões interessantes sobre o que significa construir liderança. No Black Youth Project 100 há a Charlene Carruthers que é uma porta-voz potente, mas que sempre esclarece que fala por um coletivo. No Dream Defenders, desafiam as formas hetero-patriarcais. Questionam o impacto do sexismo e da homofobia e todas essas ideologias em sua geração.

Para aqueles da minha geração, tais processos soam estranhos, mas, claro, o Movimento pelos Direitos Civis desenvolveu de forma diferente dos movimentos que o precederam. Os movimentos dos anos 1930 liderados principalmente por comunistas negros (cuja história foi apagada justamente em função do anticomunismo) desafiaram a liderança que viera antes, então trata-se de um processo que acontece. É animador testemunhar o que poderá resultar do movimento atual.

EBONY.COM: O que você pensa a respeito da candidatura do ativista Deray McKesson, do Campaign Zero, à prefeitura de Baltimore?

Angela Davis: Os grupos mencionados tiveram impacto na condução das eleições nacionais e foram alvo de críticas sobre como os candidatos não abordaram questões ligadas a racismo e como a polícia segue agredindo pessoas e comunidades negras. Ativismo deve ocorrer em todas as áreas, inclusive naquela eleitoral. Não é produtivo pensar que tudo está orientado para a política eleitoral. Mas é certamente importante contar, nas eleições, com indivíduos que tenham experiências progressistas ou no âmbito de movimentos radicais.

EBONY.COM: Haveria um candidato específico que você apoiaria nesta eleição presidencial?

Angela Davis: Eu sempre tendo a priorizar uma política independente, mais radical, mas realmente acredito na importância de que Bernie Sanders toque em temas que, de outro modo não seriam abordados no contexto de uma campanha entre os dos maiores partidos.

É absolutamente essencial levantar temáticas como a descomodificação da educação e [a necessidade da] educação gratuita. E, obviamente, ele apela em favor de uma educação gratuita em nossas universidades públicas, o que possuem uma história de gratuidade. São atualmente privatizadas como universidades particulares. A história do apelo em prol da educação pública relacionada à luta pela liberdade Negra traz lições importantes. Antigos escravos pediram por educação pública gratuita no Sul, criando, assim, o contexto para que estudantes brancos e pobres tivessem acesso à educação.

E, naturalmente, há a questão da assistência de saúde. Eu concordo plenamente com a ideia de um sistema de saúde gratuito e de único-pagador (“single-payer health care”). E há questões mais amplas sobre o complexo industrial prisional que não foram discutidas. É preciso levantar o assunto do fim do encarceramento em massa, mas também questionar o racismo embutido em toda a história da punição neste país.

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**Sheryl Huggins Salomon é escritora do Brooklyn, baseada em Nova York, editora e consultora de mídia digital.



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