Conversamos com especialistas sobre a discriminação racial no país.
Por: Marcelo Collar e Marina Mentz no movirs,
O Brasil precisou ser apontado por organizações internacionais como um país racista para perceber que estava em dívida com a população negra. Assim, medidas afirmativas vieram como uma espécie de reparação para negros, pardos e indígenas. A primeira delas foi a instituição da política de cotas para acesso às universidades. Depois, a preocupação foi direcionada à questão educacional: foi instituída a Lei 10.639, que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afrobrasileira e africana nas escolas públicas e privadas do país. Grande parte da luta e das conquistas não veio sem esforço. Isso porque grupos como o Movimento Negro Unificado, o MNU, batalharam para que governantes e população percebessem a desigualdade social, insistindo por políticas de inserção do negro na educação e na cultura, além do acesso à justiça e ao emprego.
“Se chegou à conclusão de que a população negra é a que mais sofre com a pobreza e, consequentemente com a falta de escolarização, com a criminalidade e uma série de outras questões.”, afirma Orson Soares (na foto), historiados e membro do Coletivo Fanon. Contudo, essa luta não é de hoje e, mesmo assim, a punição por injúria racial ou racismo, por exemplo, ainda enfrenta muitos obstáculos. De acordo com a professora da Universidade Feevale Margarete Nunes, tivemos duas expressivas leis criadas no transcorrer do século XX: “ainda nos anos 1950 a chamada Lei Afonso Arinos e, no final dos anos 80, a conhecida Lei Caó, esta última com o objetivo de coibir e punir atos de discriminação fundamentados em diferença de cor, raça/etnia, religião ou procedência nacional.”Mesmo assim, ainda em 2014, a ONU aponta que em nosso país existe “racismo institucionalizado”. Segundo relatório publicado em setembro deste ano, aqui “hierarquias raciais são culturalmente aceitas” e os dados mostram que a participação dos afrodescendentes na economia nacional é de apenas 20% do PIB, apesar de representarem mais da metade da população do Brasil.Cotas
As cotas raciais apareceram pela primeira vez nos anos de 1960, nos Estados Unidos, para reduzir a desigualdade socioeconômica entre brancos e negros. No Brasil, a Universidade de Brasília (UnB) foi a primeira instituição de ensino a implantar o sistema, em junho de 2004. De acordo com a professora Margarete, no entanto, a implantação dessas políticas afirmativas encontra resistências, e isso revela a nossa dificuldade em lidar com preconceito e discriminação raciais. “A tendência, em um primeiro momento, é as pessoas julgarem essas políticas como privilégios ou racismo às avessas”, explica Margarete. De acordo com Orson, desde sua implementação, as políticas de cotas tiveram avanços significativos. “Esses avanços vieram não sem luta, porque houve muita resistência de um grupo conservador da sociedade brasileira que entendia que a política de cotas criaria uma nação racializada. Só que ao fazer essa afirmação, esse pessoal esquece da história. A realidade diz que o Brasil, como um país que saiu da escravidão, não pensou em uma política de integração do negro na sociedade de classes, muito pelo contrário, o marginalizou.”, explica.
Pelé x Aranha
“Mesmo diante de um ato de injúria ou discriminação racial é comum ouvirmos a expressão: ‘não foi esta a intenção’. As políticas afirmativas estimulam-nos a debater, a refletir sobre essas questões, o que já é um mérito”, explica a professora Margarete. Orson diz que aqui no País lidamos a partir da assimilação, e que no Brasil não se nasce negro, torna-se.
“O Pelé faz parte de um tempo em que o negro não se via como protagonista, ele tinha ali o drama do colonizado: eu me nego e assumo outra identidade. Agora o Aranha não, ele não ficou calado. Ele se posicionou, ele usou a lei, e ele buscou a justiça e ali se posicionou. Isso é um avanço”, observa.
Racismo à brasileira“O negro é o pobre? É. Tem brancos pobres? Tem. Mas é diferente”, diz Orson. É claro que existe também o branco pobre, mas este, segundo ele, tem mais acessos – inclusive no momento de procurar um emprego, sendo o escolhido se comparado com um indivíduo negro. “Tentam diluir a questão do negro no esquema da pobreza. Isso tá dado, tá enraizado na sociedade brasileira. Por isso que o dispositivo de cotas tenta passar por cima dessa barreira, que é imposta pelo racismo à moda brasileira”, contextualiza Orson.Para ele, o racismo aqui do Brasil é mais perverso em relação ao dos Estados Unidos, por exemplo. “O racismo brasileiro é danoso porque ele não expõe como a sociedade tá pensando. E os caras vão minando todas as tuas oportunidades, os teus espaços vão sendo fechados. O cara tá lá como peão, tá la com a escolaridade baixa, enquanto isso o grupo branco tá nos espaços de poder, tá com as posições melhores remuneradas. Então é racismo. Mas até o povo entender e fazer essa auto crítica, é um processo longo”, conclui.
Nas escolas
Para Orson, preocupar-se com a questão educacional “é trabalhar com as crianças, com o adolescente, na base, na formação, pra que você tenha uma sociedade que compreenda a dinâmica da diversidade”. Mesmo assim, na opinião dele, a Lei 10.639 ainda engatinha. Ela torna obrigatório o ensino de história da África e da cultura afro-brasileira no âmbito do ensino fundamental e médio. Em 2008, passou a incorporar também a obrigatoriedade do ensino da temática Indígena, através da 11.645.
Margarete acredita que a lei é uma maneira de suscitar o debate e ajuda a preparar os educadores. “São políticas afirmativas que, gradativamente, dão mais visibilidade a esse tema. As universidades, do mesmo modo, passam a incluir de forma mais sistemática esta discussão, inclusive pela responsabilidade de formar novos professores que vão atuar no ensino básico”, diz a professora.
Assista:
Fonte: Geledés
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