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sexta-feira, 27 de junho de 2014

No país do somos todos macacos, o gol contra tinha que ser coisa de preto


Ainda que tenha vencido por 3 a 1, a estreia do Brasil na Copa do Mundo de 2014 repercutiu de forma negativa nas redes sociais, nesta quinta-feira (12). O motivo foi o gol contra do lateral-esquerdo Marcelo no jogo contra a Croácia. O gol, em questão, ocorreu aos 10 minutos de jogo. Olic, jogador croata, cruzou rasteiro para o atacante Jelavic que desviou levemente, mas Marcelo acabou fazendo contra. Na internet, na hora da falha do atleta, surgiram frases como: “Tinha que ser preto. Depois reclama de racismo, mas só faz merda”, disse um dos internautas. “Se fosse branco não faria uma merda dessas” relata outro torcedor.

Marcelo já havia sido vítima de racismo em fevereiro deste ano, após o jogo do seu time Real, contra Atlético de Madrid. Alguns torcedores, que permaneceram no estádio, começaram a ofender o atleta gritando: “Marcelo é um macaco”. Ele estava com filho Enzo de apenas 4 anos que infelizmente ouviu os insultos. Para Daniel Alves, lateral-direito da seleção Brasileira e companheiro de clube do Marcelo, o racismo é um ato corriqueiro na Europa. É uma guerra perdida. O futebolista marfinense Yaya Touré pretende boicotar a próxima Copa, que ocorrerá na Rússia, caso a FIFA não tome medidas mais rígidas no combate ao preconceito étnico. Diversos atletas querem maior rigor das autoridades do futebol, não aceitando a passividade sugerida por Daniel Alves.

No artigo 3o do estatuto da federação consta que: “A discriminação de qualquer tipo contra um país, uma pessoa ou grupo de pessoas por causa da raça, cor da pele, etnia, origem social, gênero, língua, religião, opinião política ou qualquer outra opinião, saúde, local de nascimento ou qualquer estatuto, orientação sexual ou qualquer outra razão é estritamente proibida e passível de punição por suspensão ou expulsão.” Entretanto a postura da federação tem sido bastante branda, quase conivente.

Após o terceiro jogo da Copa, Espanha versus Holanda, torcedores espanhóis incomodados com o apoio da torcida brasileira à seleção holandesa, tuitaram ofensas do tipo: “Macacos brasileiros. Como não têm nada o que fazer ficam felizes com a derrota da Espanha”, escreveu um torcedor. “Macacos brasileiros, que passem fome o resto de suas vidas” escreveu outro internauta espanhol.

No Rio de Janeiro, argentinos foram detidos por conta de insultos racistas a brasileiros. Foram levados à delegacia onde foram liberados depois de questionados. Já na partida Gana contra Alemanha, deste sábado (21), um torcedor ainda não identificado invadiu o campo e mostrou diversos desenhos no corpo. As letras HHSSCC chamaram atenção por possível alusão ao nazismo. As siglas HH seriam possíveis referências à saudação Heil Hitler e o duplo SS à tropa nazista. Todos esses casos estão sendo analisados pela FIFA, que prega tolerância zero ao preconceito, entretanto na prática não vemos punições severas.

O racismo é pautado pela federação desde 2001 com a promulgação do Dia contra o Preconceito, porém as penas brandas tornam a prática não só do racismo, mas também do machismo e da homofobia, infelizmente comuns dentro e fora dos estádios, encontram abrigo na sociedade, uma vez que a ignorância é um lugar quentinho.

E se o gol contra fosse marcado por um jogador branco? A repercussão negativa ao futebolista seria igual? Seria ele discriminado? Claro que não, piada contra branco não tem graça, diriam alguns. David Luiz, zagueiro da seleção brasileira, tem o cabelo semelhante ao de Marcelo, porém sua pele, cabelo e olhos são claros. O escracho por ter cabelo ruim na internet é para apenas um deles.

Não adianta jogadores segurarem faixas contra o racismo antes das partidas ou fazerem selfie segurando banana, enquanto na arquibancada com predomínio de um público branco, são perpetuados gritos de macaco toda vez que Etoó, atacante camaronês, toca na bola. O racismo, fora das quatro linhas, também é nítido quando se sabe que a maioria dos grandes jogadores do país são negros, mas os que se tornam comentaristas de futebol são ex-jogadores brancos.
O termo racista contra Marcelo transformou-se em frase de empoderamento de diversos militantes do movimento negro. Não estou falando de um replay da campanha #SomosTodosMacacos, liderado por Daniel Alves e Luciano Huck. Os ativistas, em questão, passaram a usar a hashtag #Tinhadeserpreto em prol da valorização do negro brasileiro, afinal ser preto não é moda, é orgulho.

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Sou de Porto Alegre-RS. Graduada em História e atualmente estou no 3 semestre de jornalismo na UFRGS.

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